14/04/2020
Naercio Menezes Filho fala sobre a efetividade de iniciativas realizadas pelo governo em auxílio à população mais vulnerável e aborda, entre outros aspectos, a aceleração da desigualdade no país
ENTREVISTA| CONTEÚDO SOBRE A PANDEMIA DE COVID-19 |ACESSE A PÁGINA ESPECIAL
Seguindo os esforços conjuntos de toda a Comunidade Insper para mitigar o impacto do vírus Covid-19, estamos publicando uma série de entrevistas com professores, gestores e diretores para abordar ações realizadas pela nossa escola, além de dicas e orientações nas mais diversas áreas para colaborar com a superação dos desafios deste período.
Na entrevista a seguir, Naercio Menezes Filho, professor do Insper, coordenador da Cátedra Ruth Cardoso e pesquisador do Centro de Gestão e Políticas Públicas (CGPP), aborda aspectos como a efetividade das medidas tomadas para atenuar o impacto da crise sobre os mais vulneráveis, o que deve ser feito para atender o setor informal e a importância de programas como o Saúde da Família.
1) Essa crise pode acelerar o aumento da pobreza e da desigualdade no país?
Essa crise certamente vai aumentar a pobreza e a desigualdade no Brasil em várias dimensões. Em termos econômicos, os mais pobres predominam entre as pessoas que trabalham sem carteira assinada e por conta própria no comércio e serviços, que serão os mais afetados pelas medidas de distanciamento social. Além disso, a maioria dos mais pobres não pode trabalhar de casa pelo tipo de ocupação que tem e também por não ter computadores com internet rápida. Assim, eles serão bem mais afetados do que os mais ricos, que têm carteira assinada e podem trabalhar de casa.
Além disso, os mais pobres não têm plano de saúde privado e, assim, dependem do serviço público. Há bem mais leitos de UTI nos hospitais privados do que nos hospitais públicos no país. Assim, os pobres que forem contaminados terão menos chances de serem tratados com sucesso do que os mais ricos.
E com a interrupção das aulas presenciais, os mais ricos, que estudam em escolas privadas, conseguem continuar estudando e tendo aulas remotas. Isso não ocorre entre os mais pobres, que estudam em escolas públicas que muitas vezes não têm a estrutura para oferecer ensino on-line e, muitas vezes, não têm computador com internet.
2) Como você avalia a efetividade de medidas como a Renda Básica Emergencial para atenuar o impacto da crise sobre as pessoas mais vulneráveis?
Essa medida terá muito impacto para reduzir o sofrimento dos mais pobres, na medida em que trará um alívio financeiro para os que perderem seus empregos durante a crise. Além disso, a inscrição no programa através do aplicativo evita o contágio. Mas as medidas estão demorando muito para serem implementadas.
O aumento do valor das transferências para os inscritos no programa Bolsa Família e também para os inscritos no Cadastro Único já deveria ter sido feito. Essas famílias já deveriam ter recebido esses recursos. Além disso, os empréstimos para ajudar as empresas a sobreviverem na crise ainda não chegaram nas micro e pequenas empresas. Por fim, os empréstimos para os estados e municípios estão demorando muito. Em suma, os programas estão bem desenhados, mas a implementação está demorando muito.
3) Quais medidas seriam efetivas para atenuar o desemprego durante e após esse período de crise?
A medida proposta pelo governo de permitir a redução da jornada com redução de salários ou até a suspensão do contrato com pagamento de seguro-desemprego vai na direção correta, de tentar preservar o vínculo de trabalho no setor formal, ao mesmo tempo em que alivia a empresa dos gastos salariais durante a crise. Isso pode fazer com que o desemprego aumente um pouco menos neste período. Vale notar que o salário não pode cair abaixo de um salário mínimo, de acordo com essa medida. Como a grande maioria dos trabalhadores formais brasileiros recebe entre um e dois salários mínimos, seu poder de compra estaria preservado com essa medida. Mas o Supremo erra ao pedir autorização dos sindicatos para implementar as medidas, pois isso vai adiar ainda mais a sua implementação e provocar mais demissões agora.
Com relação às empresas do setor informal, que não têm CNPJ nem conta bancária, o governo não consegue fazer quase nada, pois não tem vínculos com essas empresas, que são invisíveis para o poder público. Assim, grande parte do aumento do desemprego virá do setor informal.
4) E quais ações são necessárias para atender o setor informal no momento?
Teríamos que transferir renda através da Renda Básica Emergencial e fazer empréstimos que possibilitem a sobrevivência das pequenas empresas informais durante a crise. Nessa crise, descobrimos que há uma grande quantidade de brasileiros invisíveis para o estado, que não têm CNPJ, não tem carteira assinada, nem contribuem para a Previdência. Temos, agora, a oportunidade de inserir essas pessoas no sistema de assistência social, bancarizá-los e pensar em políticas para ajudá-los em momentos difíceis como hoje.
5) Na sua visão, esta crise pode evidenciar ainda mais a importância de programas como o Saúde da Família, desenvolvido pelo SUS?
Com certeza, na verdade essa crise mostra o sucesso da estrutura de saúde e bem-estar social criada e desenvolvida no Brasil nos últimos 30 anos. Hoje em dia, temos um sistema de saúde pública (SUS) que atende a grande maioria da população gratuitamente, fazendo exames, transplantes, internações e fornecendo remédios. Teremos que contar com esse sistema para tratar os doentes com o novo coronavírus. Além disso, a estratégia Saúde da Família está em quase todos os municípios do Brasil e tem agentes que visitam as famílias pobres até nas regiões mais distantes do país. Esse sistema consegue transmitir informações básicas sobre prevenção de doenças, como o novo coronavírus, para esse público, e atender os doentes com sintomas leves nas Unidades Básicas de Saúde.
No lado da assistência social, temos o Cadastro Único com 28 milhões de famílias inscritas, temos o programa Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada, o seguro-desemprego, programas que não existiam há 30 anos. Com essa estrutura e mais o programa Renda Básica Emergencial, temos condições de atender a população mais vulnerável em momentos de crise como o atual. Além disso, temos as ONGs que atuam diretamente nas comunidades, prestando assistência para os mais necessitados.
Naercio Menezes Filho é coordenador da Cátedra Ruth Cardoso e pesquisador do Centro de Gestão e Políticas Públicas (CGPP) do Insper. Tem Ph.D. em Economia pela University of London, com mestrado e graduação, também em Economia, pela USP. Desenvolve pesquisa na área de Economia, com ênfase em Capital Humano e Organização Industrial, atuando principalmente nos seguintes temas: educação, mercado de trabalho, distribuição de renda, produtividade, tecnologia e desemprego.
Também integra o Núcleo Ciência pela Infância (NCPI), dedicado ao desenvolvimento da primeira infância, e está à frente das pesquisas de Vitimização na cidade de São Paulo, que analisam os dados de criminalidade da capital paulista desde 2003. Eleito em 2014 para a Academia Brasileira de Ciências como Membro Titular em Ciências Sociais.