04/12/2012
O aumento de mulheres nos conselhos de administração das empresas pode resultar, em maiores lucros? A medida que vários países estabelecem leis ou regras de incentivo à presença feminina em boards, o debate fica mais intenso, com estudos a favor e contra a tese. Uma das mais conhecidas pesquisas nesse campo é o relatório divulgado em 2011 pela ONG norte-americana Catalyst, que promove a participação de mulheres no mercado de trabalho. Segundo o levantamento, entre 2004 e 2008, empresas americanas listadas no ranking Fortune 500 com três ou mais mulheres no conselho tiveram resultados financeiros significativamente melhores do que as que não tinham nenhuma mulher conselheira. Os números são expressivos: 84% por cento em retorno sobre vendas, 60% em retorno sobre capital investido e 46% em retorno sobre o patrimônio. Outro estudo recente, divulgado pelo Credit Suisse Research Institute, despertou ainda mais interesse por incluir a análise da performance financeira das empresas após o estouro da crise econômica em 2008. Feito com levantamento em 2.360 companhias de capital aberto em diversos países, ele mostra que empresas com pelo menos uma mulher nos conselhos tiveram desempenho 26% melhor que as comandadas por um conselho exclusivamente masculino. Porém nem todos os estudos afirmam que mais presença feminina em conselhos se reflete em aumento de lucratividade. Em seu paper Mulheres no Conselho e O Impacto em Governança e Performance (2009), os economistas do Instituto Europeu de Governança Corporativa, Renée B. Adams e Daniel Ferreira, concluem que, apesar dos vários efeitos positivos da participação de mulheres nos conselhos das empresas que integram o índice Standard & Poors (S&P), o indicador de retorno sobre os ativos (ROA) não apresenta bom resultado. Nas pesquisas deles, empresas com mais diversidade no board ~.pJ.: performance, Uma das possibilidades aventadas por eles é que um excesso df, conselho possa diminuir o valor das ações. Leis ou adesão voluntária? Se há divergências entre as pesquisas a respeito de lucratividade, pelo menos em uma coisa todos concordam: conselhos com maior diversidade de gênero são indícios de boas práticas de governança corporativa.Na Europa, em vários países a discussão já virou lei. A Noruega foi pioneira. Em 2003, foi o primeiro país a regulamentar que os conselhos tenham 40% dos assentos para mulheres. As empresas de capital aberto tiveram cinco anos para se adaptar. A França foi além. Aprovou lei semelhante em 2007 e exigiu paridade salarial para prevenir que as mulheres passem a integrar os conselhos sem remuneração apenas para que a lei seja cumprida. Espanha e Holanda estipularam prazo até 2015 para adaptação. Bélgica e Itália estabeleceram, em 2011, a mesma cota, 33%, mas com algumas diferenças. A lei italiana prevê três anos de transição. A belga aplica o padrão chamado de “cumpra-ou-explique-se”, em que empresas que optam por não aderir à cota tem que explicar o porquê. Outros países como Austrália, Islândia e Finlândia não chegaram a impor cotas, mas exigem de empresas listadas a divulgação de políticas de promoção de diversidade também no padrão “cumpra-ou -explique- se”.
A África do Sul já adota regulação semelhante para empresas que vão à bolsa em busca de recursos. E no Brasil? Aqui, um projeto de lei já aprovado pela Comissão de Assuntos do Senado (PLS 112/10) prevê, até o ano 2022, mínimo de 40% de participação de mulheres nos conselhos das empresas públicas e de economia mista. Como toda política de cotas, esta também provoca intensos debates. Consenso mesmo, só em relação aos números.
Brasil possui poucas mulheres em conselhos de administração. O Relatório de Mulheres na Administração das Empresas Brasileiras Listadas 2010-2011, do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), com dados da BM&FBOVESPA, mostra que até maio de 2011 as mulheres ocupavam 7,7% dos assentos nos conselhos das companhias brasileiras listadas. Em números reais, em um total de 2.647 posições nos conselhos de 147 empresas, apenas 165 mulheres ocupavam 204 posições. Quando se olha para as presidências de conselho, aí então é que o já conhecido “teto de vidro” se transforma em uma espécie de “funil de cristal”. Apenas 3,9% das empresas listadas possuem mulheres presidentes de boards. Comparado com outros países, o Brasil ocupa nível considerado intermediário em diversidade em conselhos. Em um ranking de 25 nações, está em décimo-quarto lugar, atrás de países como Turquia e China, e à frente de Itália e Coreia do Sul. Mexendo o barco Mas por que temos tão poucas mulheres em conselhos?
Herança de um antigo mercado de trabalho? Machismo? Falta de profissionais qualificadas? A discussão é delicada e, talvez por isso, muitas vezes, velada. De todas as razões apontadas para a pouca preseuça feminina em alta gestão, a mais curiosa é a que diz que as mulheres “mexem demais, o barco”. E a acusação oculta de que mulheres tornam as decisões mais lentas porque questionam demais. Em alguns casos, observam os críticos, porque não seriam profissionais capacitadas de mercado e ocupariam assentos em conselhos apenas por pertencerem a grupos familiares. Em outras situações, volta-se contra as mulheres uma de suas características mais elogiadas em estudos de boa governança, a de tomar decisões consensuais, que ouçam todas as partes e contemplem todos os pontos de vista em processos de avaliação. Em outras palavras, em boards, perguntar demais pode ser considerado perda de tempo.
Algumas barreiras impostas às mulheres são menos subjetivas e vêm sob forma de exigências, como a que, por exemplo, o conselheiro tenha mais de 60 anos e mais de 20 em experiência específica em determinado setor. Uma realidade à qual as mulheres, por terem entrado mais tarde no mercado de trabalho, não se adequam. Em defesa da presença de mais mulheres nas mesas de reunião, empilham-se qualidades apontadas por pesquisas. Mulheres que participam de conselhos faltam menos às reuniões, acompanham mais os processos de decisão, têm o foco mais amplo, têm mais aversão a correr risco e têm visão diferente porque são novas nesse universo. Há também estudos feitos sobre o comportamento de lideranças femininas que, de modo geral, elencam outras características louváveis, como mais habilidade de comunicação e melhor capacidade de expressão.
Na área de gestão de pessoas, mulheres obtêm melhores resultados em quesitos como facilidade no trato. Dão mais feedback às suas equipes, conversam mais com os subordinados, abrem mais discussões sobre planos de carreira. Têm melhor desempenho em tornar o ambiente de trabalho menos competitivo e mais colaborativo. Viva a diferença Com pesquisas que apontam até maior tendência à organização, cabe a pergunta: mas e os homens? Serão eles um dia a minoria? “Mulheres não são melhores, mulheres são diferentes”. Quem faz a ressalva é Marta Viegas, sócia da Tozzini Freire Advogados na área Corporate/Fusões Aquisições, integrante do IBGC: “Um conselho formado só por mulheres também não daria muito certo”. Para ela, a diversidade é ferramenta fundamental para tornar um conselho mais eficiente. “A qualidade decisória de um board vem do grau de diversidade de seus integrantes”. E aí não é uma questão apenas de gênero, mas também de diversidade de formação acadêmica e de experiências. Por isso, para ela, uma política de cotas não seria eficaz e poderia carregar o estigma de todas as cotas, que resultaria em algo como “só está aqui porque é mulher”. Quem também avalia o impacto da regulamentação de uma lei no Brasil é a pesquisadora do Insper, Regina Madalozzo. “A cota tem um lado ruim porque existem mulheres não preparadas para assumir um conselho. O lado bom é que as empresas teriam que ir atrás das melhores profissionais do mercado”. Por enquanto o mercado ainda não reagiu na velocidade que se espera à máxima de que se nma profissional for realmente muito capacitada, ela chegará, via mercado, ao conselho. “O ritmo de promoção não está adequado”, afirma Regina. Conclusão também apontada pelo Relatório 2011, do IBGe. A pesquisa incluiu a análise de cargos de diretorias estatutárias, já que futuramente as cadeiras dos conselhos serão ocupadas por executivos com experiência. Ou seja, o quadro futuro de diversidade nos boards poderá ser um reflexo do atual quadro das diretorias. E o que esse espelho mostra, por enquanto, não indica avanços. O percentual de mulheres atuando como diretor-presidente das empresas (CEO) é de apenas 2,97%, inferior até aos 3,9% de presidências de conselho. Exercendo o poder em uma geração que ainda está a abrir portas para garantir cadeiras, as atuais CEOs se ressentem da ausência de role models. “Ainda existe um estranhamento muito grande por parte das próprias mulheres em liderar empresas. Elas têm dificuldade de se posicionar. Se são muito duras, receiam ser chamadas de intransigentes, autoritárias. Se são muito brandas, temem ser acusadas de não ter pulso”, complementa Regina Madalozzo que, em relação aos boards, observa que em conselhos majoritariamente masculinos, os membros tendem a eleger alguém parecido com o próprio conselho. A identificação com candidatas mulheres acaba sendo pequena. A nova geração
E o que esperar do futnro próximo? Qual será o ritmo da ascensão feminina nas empresas? Duas questões são cruciais. Marta Viegas lembra a importância de um trabalho de base com a nova, geração. E necessário criar formas de incentivo para o empoderamento feminino corporativo. “Um bom exemplo vem da Suécia, que não implantou cotas, mas investe no trabalho de associações profissionais de mulheres que promovem networking e treinamento sobre técnicas de administração de empresas”, aponta. Outro fator que influenciará a chegada de um maior número de mulheres aos conselhos é o combate à evasão. Enquanto a geração atual sofreu com a ausência de modelos inspiradores, as jovens executivas de hoje se questionam se vale a pena uma vida de tanto sacrifício pessoal nas comparações. Uma aliada pode ser a tecnologia. “Houve um avanço”, diz Marta, “e falta usar toda essa revolução para evitar a evasão das mulheres no mercado de trabalho”. Com as mudanças tecnológicas, é possível ter mais flexibilidade nos horários de trabalho, diminuição das viagens e dos números de reuniões presenciais. Fatores estes qne colaboram para as mulheres preferirem não seguir uma carreira tão invasiva à vida pessoal. Há uma insegurança em relação ao sacrifício das gerações anteriores. “As mais jovens”, complementa Regina Madalozzo, “olham para as mulheres mais velhas e se perguntam se estão dispostas a pagar um preço tão alto para chegar ao topo das corporações”.
Fonte: Revista Tempo de Mulher – outubro/2012