04/02/2017
Fonte: Nexo – 4/2/2017
A decisão do presidente Michel Temer de alçar Moreira Franco à condição de ministro da Secretaria-Geral da Presidência foi recebida de forma negativa pela oposição e até por parte da base de apoio do Palácio do Planalto. A crítica se deve ao fato de o peemedebista ganhar foro privilegiado logo após a validação das delações premiadas de executivos da Odebrecht na qual ele é citado dezenas de vezes.
Moreira Franco é um aliado antigo de Temer e um dos articuladores do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Após a queda da petista, foi nomeado secretário-executivo de parcerias de investimento, responsável pela política de concessões e privatizações do governo, e sem status de ministro.
Agora, com esse status, o peemedebista, caso venha a se tornar alvo formal da Lava Jato, ficará sob o crivo do Supremo Tribunal Federal, e não ao juiz de primeira instância da operação, Sergio Moro. As investigações e os processos criminais na mais alta corte do país costumam tramitar com uma velocidade muito menor do que na 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba, comandada por Moro.
Alguns críticos à nomeação lembraram que, em março de 2016, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo, concedeu uma liminar impedindo que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumisse o cargo de ministro da Casa Civil da então presidente Dilma Rousseff, sob o argumento de que haveria uma tentativa de obstruir a Justiça, para retirar as investigações que corriam contra o petista da alçada de Moro e encaminhá-las para o Supremo.
A nomeação de Moreira Franco se insere em uma minirreforma ministerial promovida pelo governo Temer, que criou duas novas pastas: a Secretaria-Geral da Presidência, para ele, e o Ministério dos Direitos Humanos. No novo cargo, o peemedebista acumulará a gestão do Programa de Parcerias de Investimentos com o comando das secretarias de Comunicação e de Administração, da EBC (Empresa Brasil de Comunicação) e do cerimonial da Presidência. Estes são os principais argumentos envolvidos na nomeação de Moreira Franco como ministro:
Versão do Planalto
ELE JÁ ESTAVA NO GOVERNO
O ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, afirmou que Moreira Franco já atuava, na prática, como ministro, representando o país no exterior com o objetivo de atrair investimentos em obras e concessões de infraestrutura. Já Lula, lembrou Padilha, não tinha um cargo no governo quando foi nomeado ministro da Casa Civil por Dilma.
O próprio Moreira Franco repetiu o raciocínio: “Há uma diferença muito grande nas tentativas que foram feitas no passado. Eu estou no governo federal, não estava fora do governo federal, vinha cumprindo [minha função] até por uma solicitação minha de não dar status de ministério ao Programa de Parceria de Investimento”, disse.
ELE É SÓ CITADO, NÃO INVESTIGADO
Para o Palácio do Planalto, o fato de Moreira Franco ser apenas citado em delações, e não formalmente investigado, também o credencia a assumir o posto de ministro. Um dos políticos que externou esse argumento foi o senador Romero Jucá (PMDB-RR), ele sim um investigado pela força-tarefa: “Mencionado na Lava Jato, todo mundo vai ser de alguma forma, ainda mais quando querem dar essa visão geral de que toda doação de campanha é irregularidade”, disse. Lula, quando foi nomeado ministro da Casa Civil, já era formalmente investigado pela Lava Jato na primeira instância do Judiciário, em Curitiba.
Quais foram as reações
NA OPOSIÇÃO
O deputado Wadih Damous (PT-RJ) anunciou que fará uma representação à Procuradoria-Geral da República pedindo que o órgão adote medidas judiciais que anulem a nomeação. Segundo ele, a Medida Provisória de Temer que criou a Secretaria de Governo foi editada em “desvio de finalidade”.
Para ele, é prerrogativa do presidente alterar a estrutura dos ministérios, desde que o objetivo seja atender ao interesse público. No caso, ele vê uma “finalidade privada”. “Moreira Franco é multicitado na Lava Jato e a nomeação confere a ele uma blindagem pela prerrogativa de foro, não poderá ser processado na primeira instância do Judiciário”, disse Damous ao Nexo.
Ele vê paralelo com o caso de Lula na Casa Civil, mas afirma que a nomeação do petista não chegou “nem perto” do desvio de finalidade, pois a Casa Civil era um órgão que já existia na estrutura do governo.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) protocolou uma ação popular na Justiça Federal do Amapá que também pede a anulação da nomeação de Moreira Franco, sob argumento semelhante: o ato teria servido para “proteger” o peemedebista da Lava Jato.
NA BASE DE TEMER
O senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), que integra a base de apoio ao governo no Congresso, afirmou que a nomeação de Moreira Franco para uma pasta com status de ministério recém-criada era “condenável”.
“Se fosse deslocado para um ministério, não haveria problema. Mas, se criar um ministério, é de uma infelicidade ímpar. Fica com cara de esperteza. […] Temer errou feio”, disse o senador.
O MBL (Movimento Brasil Livre), um dos responsáveis pelas convocações das manifestações pelo impeachment de Dilma, também criticou Temer por ter criado mais dois ministérios — o peemedebista assumiu o governo com a promessa de reduzir o número de pastas — e por dar foro privilegiado a Moreira Franco.
A opinião de dois cientistas políticos
O Nexo ouviu dois cientistas políticos a respeito da nomeação de Moreira Franco para o cargo de ministro, dias depois da homologação da delação premiada de executivos da Odebrecht que ligam o peemedebista a suspeitas de corrupção. São eles:
Fernando Schüler, professor de ciência política do Insper
Márcia Ribeiro Dias, professora de ciência política da UniRio
Qual é a dimensão política da nomeação de Moreira Franco para o cargo de ministro da Secretaria Geral, tendo em vista a decisão liminar que impediu Lula de assumir a Casa Civil em 2016?
FERNANDO SCHÜLER É preciso fazer algumas distinções. O Moreira Franco já exercia funções típicas de ministro de Estado. O governo artificialmente reduziu o número de ministérios e o ministro Moreira Franco teve a gentileza de se manter como secretário executivo. Pelo status que tinha, ele naturalmente seria ministro.
Ele não é investigado, é citado. No Brasil de hoje as pessoas confundem citado, investigado, denunciado. Ele é citado, como dezenas de políticos são. Há ainda um longo caminho de investigação, uma denúncia formal.
Mesmo com todos esses aspectos, é evidente que neste momento, às vésperas de uma eventual divulgação da delação da Odebrecht, crie uma estranheza. Mas eu diria que há argumentos objetivos para essa nomeação.
Em que pese a tese [de comparar o ato ao impedimento da nomeação de Lula] ser sedutora e compreensível politicamente, essa correlação é muito frágil. Lula era investigado, Moreira Franco é citado.
A segunda diferença é que tinha à época uma gravação — captada ilegalmente, mas ela existia e o ministro Gilmar Mendes se ateve à sua materialidade — que era uma confissão explícita de que o documento de nomeação serviria para a defesa eventual do ex-presidente Lula, para uso em caso de necessidade.
MÁRCIA RIBEIRO DIAS Em primeiro lugar, temos que avaliar uma questão importante, que é o papel dos meios de comunicação na formação da opinião pública. No episódio do Lula, ele teria uma função importantíssima no governo Dilma se tivesse ido para a Casa Civil. O Lula era a peça-chave para barrar o impeachment e a classe política e os meios de comunicação sabiam disso.
A situação atual não é idêntica. A gravidade das acusações contra o Moreira Franco é muito maior, pelo que se sabe das delações, do que as que havia contra Lula. E provavelmente não acontecerá nada, o PT vai representar [à Procuradoria-Geral da República] e ele vai ficar no posto, porque neste momento não há um clima de opinião para isso. O clima de opinião é muito importante para definir as decisões da classe política e do próprio Judiciário, e não existe um clima para impedir que ele ocupe esse posto.
Eu gostaria de comparar os dois episódios e dizer que existe sim uma intervenção externa, que é propiciada pela ênfase ou não que a grande mídia dará a esse episódio. E provavelmente não será a mesma dada ao caso do Lula. Porque, naquele momento, o Lula, pela sua capacidade de articulação, poderia ter barrado o impeachment.
Parece que há uma intenção de proteger o Moreira Franco, ou de protelar a sua situação — não é porque se tornou ministro que se tornou ininvestigável, ele vai ser investigado e se houver algo contra ele, será indiciado. Mas é importante comparar as duas situações para mostrar que há uma intencionalidade política por trás da formação desse clima de opinião que favorece uns e prejudica outros. Isso é marcante no processo político que estamos vendo acontecer de 2015 para cá, desde a eleição que levou Dilma Rousseff ao segundo mandato, interrompido no ano passado.