29/10/2014
A presidente da República reeleita Dilma Rousseff (PT) sofre cada vez mais pressão internacional pelo anúncio do novo ministro da Fazenda e de medidas econômicas ortodoxas para diminuir o pessimismo, segurar a cotação do dólar e a queda das ações.
A turbulência do mercado brasileiro um dia após a vitória da petista sobre o Aécio Neves (PSDB) não surpreendeu a imprensa estrangeira, muito menos investidores, consultores e especialistas de outros países.
O tom das análises foi o mesmo: Dilma terá de mandar o quanto antes um recado externo após a vitória apertada sobre Aécio, candidato preferido do mercado.
Anthony Pereira, diretor do “Brazil Institute” do King´s College (Londres), diz que o governo Dilma, na percepção externa, foi “longe demais” na direção desenvolvimentista e sabe que precisa recuperar credibilidade.
“Os investidores esperam um sinal à ortodoxia, com redução de gasto público e menos ativismo na política industrial”, afirmou Pereira, uma das principais autoridades acadêmicas sobre Brasil no Reino Unido.
A previsão dele é refletida, por exemplo, nas palavras de Jorge Mariscal, CEO de mercados emergentes da UBS Wealth Management, consultoria com US$ 1 trilhão de investimentos supervisionados em todo o mundo.
“O Brasil não pode se dar ao luxo de evitar a tendência global de reformas enquanto a concorrência internacional pelo capital e investimento cresce intensamente”, disse Mariscal à Folha.
Ele ressalta que o mercado gostaria da sinalização de reformas “transformadoras”, embora considere “improvável” que isso ocorra.
Outro que segue o mesmo discurso é Ian Herbison, CEO da Speyside Corporate Relations, consultoria de investidores estrangeiros que atua no Brasil.
Para ele, Dilma precisa fazer “movimentos tranquilizadores rapidamente”. “Será necessário um ajuste fiscal no fim deste ano ou em janeiro, o mais tardar”, disse.
Ele ressalta que a indicação do substituto de Guido Mantega na Fazenda seria um sinal significativo.
Efeito incerto
O efeito do novo nome, no entanto, depende de quem for indicado, ressalta Christopher Garman, diretor para mercados emergentes do Eurasia Group.
“Esperamos uma solução interna para o ministério. E a leitura do mercado é que alguém de dentro do governo não terá autonomia para tomar decisões difíceis sobre a questão fiscal. Essa pessoa vai ter que construir sua credibilidade com o mercado e isso leva tempo”, afirmou.
A opinião é compartilhada por Joe Bormann, diretor para a América Latina da agência de classificação de risco Fitch, para quem “um novo ministro da Fazenda poderia melhorar o mau humor do mercado” em relação ao país.
Bill Adams, analista internacional do PNC Financial Services, adota um tom mais otimista sobre o mercado.
“Espero que, com o fim das eleições, o mercado volte sua atenção para os dados econômicos, que mostram que o Brasil poderia estar saindo da recessão [dos últimos trimestres] e que a inflação está desacelerando”, afirma Adams.
Desafio é recuperar confiança fiscal e de empresários
O desafio número um da presidente reeleita Dilma é resgatar a confiança que perdeu tanto pela piora na área fiscal quanto pelo desgaste na relação com setor produtivo.
O preço de não recuperar essa credibilidade pode ser um cenário de turbulência, com fuga de capitais, alta do dólar, repique inflacionário e aumento do desemprego.
Essa é a opinião de economistas, entre os quais alguns que participaram do governo PT. A piora das contas públicas –com o aumento dos gastos e da dívida do governo– pode levar o Brasil a ter a nota de crédito rebaixada.
O Brasil é grau de investimento na avaliação das agências de classificação de risco, o que equivale a um selo de que é seguro investir no país.
“Se a política econômica não mudar, o risco de um rebaixamento é alto”, diz Otaviano Canuto, consultor do Banco Mundial e secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda no primeiro governo Lula.
Segundo o economista Marcos Lisboa, vice-presidente do Insper, não há saída fácil. O governo precisará tomar medidas como reduzir subsídios e rever desonerações ao setor privado ou aumentar impostos.
Outro desafio é levar a inflação à meta de 4,5% ao ano –atualmente está em 6,75%.
Os economistas ressaltam que, mesmo que as metas não sejam atingidas em 2015, é necessário que haja um progresso gradual.
“O importante é que as promessas sejam entregues“, afirma Lisboa, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no primeiro mandato de Lula.
Parte do desgaste do governo nos últimos anos foi consequência de não cumprir a meta para o superavit primário e lançar mão de truques para melhorar as contas.
“O mais importante agora é o compromisso com uma política fiscal crível de longo prazo”, diz Bernard Appy, que também integrou o Ministério da Fazenda no primeiro governo de Lula.
Novo ministro
Para a economista Monica de Bolle, o anúncio rápido de um novo ministro da Fazenda que inspire credibilidade pode ajudar. Guido Mantega, que ocupa o cargo há mais de oito anos, deixará a pasta.
“A presidente Dilma não tem tempo nem margem de manobra”, diz Monica, que é sócia da consultoria Galanto.
O economista Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos conselheiros da presidente Dilma na área econômica, afirma que o principal atributo do novo ministro deve ser a competência de negociar com o empresariado e com trabalhadores.
“A capacidade de interlocução é até mais importante do que a técnica”, disse ele.
Segundo Belluzzo, o crucial, neste momento, é recuperar o que chama de “empenho do setor privado” em obras de infraestrutura.
“A confiança dos empresários é muito importante. Se essa base produtiva estiver confortável, o setor financeiro vai [se] acalmar”, afirmou.
Para isso, diz ele, é preciso deixar para trás discussões que tentaram fixar o retorno dos empreendedores. “Já discutimos várias vezes a impropriedade de fazer isso.”
Adicionar estímulos, contudo, tem pouco efeito: “O governo pode decidir tentar estimular a economia, mas, se o setor privado não responde, você não consegue alcançar seu objetivo”.
“2015 vai ser um ano difícil. É preciso ir com cautela e com firmeza. A questão crucial é recuperar o empenho do setor privado em participar dos investimentos em infraestrutura, ter uma boa relação e fazer com que o setor financeiro passe a apoiar isso”, disse Belluzzo.
Fonte: Folha de S. Paulo – 28/10/2014.