08/04/2014
O italiano Marco Cortinovis,de 36 anos,deixou a sede da Pirelli, na Itália, há quatro anos, para coordenar toda a comunicação da multinacional na América do Sul. “A escolha pelo Brasil foi feita junto com a empresa”,conta.“ A razão foi, principalmente, a importância do País para a Pirelli, como um mercado importante, e pelo fato de amarca estar aqui há mais de 85 anos.”
Assim como ele, a argentina Sabrina Guidi,de 27anos,resolveu abandonar a sua terra natal para aceitar uma oportunidade de emprego no Brasil, sem mudar de companhia. Depois de cinco anos de trabalho na sede da multinacional Philips em Buenos Aires, a funcionária encarou o desafio de coordenar a comunicação interna na sede brasileira da companhia, porque buscava uma chance de crescer dentro da empresa e conquistar maior visibilidade.
“Estou em um país que é a cabeça do mercado, onde se tomam as decisões e a estratégia é feita”, afirmou.
O caso da peruana Ethel Bazan (foto abaixo), de 41 anos, também é parecido. Ela deixou a unidade da Telefônica em seu país, após 15 anos trabalhando no setor de segurança da informação, ao ser convidada para imigrar para o Brasil.“A decisão não foi fácil, mas gostei muito da oportunidade. Era um enorme desafio criar uma nova área, e fiquei bem animada.”
Os três profissionais estão entre os mais de 254 mil estrangeiros que receberam autorização para trabalhar no Brasil entre 2010 e 2013, de acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego – a pasta não informou, no entanto,o número de Carteiras de Trabalho emitidas em 2013 para os imigrantes. Ainda que o número de pedidos de autorizações de trabalho tenha caído (veja o quadro ao lado),o Brasil segue atrativo para muitos estrangeiros, mesmo com o baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
Depois da crise econômica de 2008,o cenário brasileiro ainda está melhor do que o de outros mercados,alega o diretor executivo da recrutadora Talenses. Rodrigo Vianna. “Isso naturalmente faz com que profissionais da Europa e dos Estados Unidos venham trabalhar aqui, por haver possibilidades de crescimento e expansão.”
Para o CEO da assessoria de transição de carreira Produtive, Rafael Souto, a contratação de estrangeiros também é motivada pelo apagão de talentos no País: “ As empresas brasileiras têm dificuldades de encontrar pessoas para preencher algumas vagas”. Segundo ele, a empresa contrata um estrangeiro quando não encontra aqui um profissional com as características necessárias para o posto. “Pode ser pela experiência internacional ou por apresentar habilidade técnica específica.”
Souto chama a atenção para o processo de adaptação.“As empresas precisam entender que a adaptação de um funcionário estrangeiro costuma ser um processo lento. Não é só fazer um evento quando ele chega na organização. É um processo que precisa de acompanhamento do setor de RH, para solucionar pequenos problemas que podem aparecer no dia a dia.”
Segundo a diretora de operações da recrutadora Hays, Carla Rebelo, a empresa que se preocupa com a estabilidade do trabalhador estrangeiro costuma recorrer a um pacote de benefícios. Ela cita, por exemplo,o patrocínio de bolsas de estudo para os filhos, assim como o auxílio com a moradia e mesmo com os vistos de trabalho, que representam um conjunto de custos. “O objetivo é garantir que a integração desse expatriado se faça mitigando todos os riscos de algo não correr bem.”
A relação da alemã Tessa Signoretti, de 29 anos,com o Brasil começou em 2006, antes mesmo da deterioração das finanças globais poucos anos depois. Durante um intercâmbio de seis meses na Universidade de São Paulo (USP), ela conheceu aquele que seria seu futuro marido e, após dois anos de namoro à distância, retornou definitivamente ao País em 2008, apenas com o visto de turista e ainda sem dominar o português.
Depois de um ano, Tessa conquistou sua primeira chance de emprego no Brasil, na multinacional alemã Mercedes-Benz, onde atualmente ocupa o cargo de assessora do CFO (diretor de finanças). Ela conta que o idioma foi a principal barreira nos primeiros meses de trabalho, mas lembra: “Meus colegas mostraram muita curiosidade e paciência quando eu tinha dificuldade de me comunicar”.
Assim como Tessa, a peruana Ethel vem encontrando dificuldades com o idioma desde que se mudou para o Brasil, em agosto do ano passado. No entanto, ela diz que a cultura brasileira é muito similar à peruana, o que facilitou sua adaptação.“As pessoas também são muito acolhedoras com os estrangeiros.”
Sabrina é outra estrangeira que considera os brasileiros “mais receptivos”, e ela não é uma voz isolada na empresa em que trabalha. O coordenador de sustentabilidade da Philips, o brasileiro Carlos Umilta, de 36 anos, diz que outros funcionários que vieram do exterior têm a mesma opinião. “Nenhum disse: ‘Quero voltar para o meu país o mais rápido possível.’”
Para o italiano Cortinovis, o maior choque foi ter de se acostumar com a rotina de São Paulo. “Vim para o Brasil com minha mulher. Considerando que morávamos em Milão, que é uma cidade bem menor, o mais difícil foi me acostumar com o trânsito, com a falta de transporte público e com a questão da segurança em São Paulo.
Dificuldades. Essa percepção é comum entre os estrangeiros, afirma Souto, da Produtive. “Muitas vezes, as dificuldades vêm da adaptação à cultura, ao jeito de o Brasil funcionar, mas a adaptação aos grandes centros urbanos do País, com o trânsito e a violência, também enfrenta problemas.”
De acordo com ele, as transferências de profissionais para países com culturas semelhantes costumam ser mais fáceis. Tanto que, mesmo depois de seis anos no Brasil,algumas diferenças culturais continuam evidentes para Tessa. “Ainda hoje está sendo um pouco desafiadora para mim a questão do contato físico”, confessa. Na Alemanha, segundo ela, é muito incomum cumprimentar o chefe com um beijo no rosto, por exemplo.“Eu reparo que,quando temos visita da Alemanha, eles olham bem estranho.”
Além disso, os alemães costumam ser “sinceros e muito duros”, diz a brasileira Vivian Heine, de 58 anos, secretária do CFO da Mercedes-Benz. “Muitos diziam que os brasileiros se magoam muito fácil.” Essa “dureza” é uma característica comum nos países do norte da Europa, segundo a portuguesa Carla Rebelo, diretora de operações no País da recrutadora Hays. “No Brasil, temos uma forma mais indireta de tratar das coisas, e é até visto como uma falta de respeito se nós formos muito agressivos.”
A gerente de comunicação da Pirelli para América Latina, Rubia Sammarco, de 35 anos, lembra que é importante haver cooperação dos dois lados. Ela conta que passou a trabalhar em conjunto com Cortinovis desde que a mudança do italiano foi decidida. “Já passamos a nos falar por e-mail, e enviei alguns documentos para ele. Começamos o projeto para estruturar a área e usar mais a metodologia italiana na comunicação.”
Administração de empresas, vendas, engenharia civil, tecnologia da informação (TI), marketing, comércio exterior e atendimento a clientes são as áreas profissionais mais procuradas pelos estrangeiros, de acordo com levantamento realizado pela companhia especializada em recrutamento digital Vagas Tecnologia.
A empresa também apurou que, a despeito da falta de mão de obra qualificada em alguns setores da economia brasileira e das milhares de autorizações emitidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego(MTE)nos últimos anos para os imigrantes, um a cada quatro estrangeiros que procuram emprego no Brasil não conquista uma vaga.
Para chegar a esse resultado, a Vagas Tecnologia analisou, ao todo, 7.677 currículos cadastrados on-line no mês de maio de 2013. O levantamento também aponta que 57% dos pretendentes a um posto de trabalho por aqui tinham pós-graduação, e a maioria afirmava ter domínio dos idiomas inglês e espanhol.
De acordo com Fernanda Diez,que é gerente de relacionamento da Vagas, uma das barreiras para esses profissionais é a demora para a obtenção dos documentos necessários para a contratação no País.
“A empresa quer o profissional trabalhando o quanto antes e, em geral, essas pessoas não residem no Brasil”, diz. Outro fator que pesa contra esses candidatos é a falta do domínio do português: apenas 48% deles conhecem a língua portuguesa. Mesmo assim, Fernanda defende que as empresas deveriam estar mais abertas a esse tipo de contratação, por causa da boa formação dos estrangeiros.
A diretora de assessment & outplacement da consultoria Career Center, Claudia Monari, chama a atenção para os custos referentes à contratação de um estrangeiro.“A empresa costuma assumir os custos com o visto e autorização para trabalhar no Brasil, então é mais barato contratar um profissional nativo”. Além disso, segundo ela, existe o receio de que a pessoa não se adapte ao Brasil.
Tempo de regularização divide especialistas.
O tempo de espera e a documentação necessária para a obtenção do visto de trabalho varia de acordo com cada tipo de solicitação, explica a advoga da Isa Soter, sócia do escritório Veirano e especialista em imigração empresarial.
Masela enfatiza que o trâmite é mais simples e os prazos são menores do que em outros países. “Eu discordo quando se diz que há muita burocracia aqui no Brasil”, diz.
Por outro lado, a diretora de operações da recrutadora Hays, Carla Rebelo, afirma que “a questão burocrática não é fácil”. Entre os problemas do mercado de trabalho brasileiro citados pela especialista está o fato de o País precisar de profissionais qualificados e não ter ainda um sistema mais eficiente de atribuição de vistos técnicos para os imigrantes.
Geralmente, segundo Isa, o estrangeiro que conquista um posto para atuar no Brasil precisa solicitar uma autorização, concedida pelo Ministério do Trabalho e Emprego(MTE),para então solicitar ao consulado a emissão do visto de trabalho – no entanto,há exceções em que o profissional pode pedir o visto diretamente.
A argentina Sabrina Guidi, de 27 anos, que é funcionária da multinacional Philips no Brasil, diz ter regularizado a sua situação no País em apenas um mês. “Depois de 30 dias, eu já tinha o meu RNE (Registro Nacional de Estrangeiros),o meu CPF e a carteira de trabalho”. Além disso, ela afirma que contou com a ajuda da organização durante todo o processo.
Entrevista.
Regina Madalozzo, professora e economista do Insper.
Salário de executivo estimula imigrações.
Remuneração para cargos de gestão em companhias brasileiras é ponto forte, na avaliação de docente, mas violência é entrave.
A falta de profissionais qualificados em algumas áreas da nossa economia é um fator determinante para a contratação de trabalhadores estrangeiros?
Sim, esse é um fator de grande relevância.O Brasil apresenta alguns déficits de pessoas qualificadas em áreas específicas – engenharia é uma delas. Como a necessidade é imediata – não temos tempo de formar novas pessoas para assumir esses cargos no curto prazo –, a contratação de estrangeiros com qualificação é uma boa opção.
Atualmente, o Brasil é um mercado atrativo para a mão de obra de origem estrangeira?
Sim, o Brasil continua um país muito atrativo para os estrangeiros. Outros países ainda enfrentam efeitos da crise econômica de 2008 e de 2009, e o mercado de trabalho foi bastante prejudicado. A comparação de salários para executivos no Brasil e no exterior favorece o salário pago aqui. Entretanto, problemas relacionados à insegurança e até mesmo à língua impedem, muitas vezes, o estrangeiro a optar por morar aqui.
As transferências de profissionais em uma mesma empresa, da matriz para unidades no Brasil, têm aumentado?
A movimentação de profissionais dentro de uma mesma empresa, mas agora de outros países para o Brasil, têm, sim, se acentuado nos últimos anos. Isso significa que as empresas estão avaliando de forma mais positiva seus negócios no Brasil, mas também pode sinalizar que elas não encontraram o perfil de trabalhadores que esperavam ou procuravam e, enquanto isso, estão suprindo com mão de obra estrangeira.
Quais setores da economia nacional costumam demandar profissionais estrangeiros?
Os mais variados setores. O que se observa é que os profissionais estrangeiros são de alta qualificação quando comparados com a média dos profissionais brasileiros. Dessa forma, independentemente do setor de atuação da economia, o que é mais perceptível é que esses profissionais assumem cargos executivos na maior parte das vezes.
Fonte: O Estado de S. Paulo – SP – 06/04/2014