12/08/2014
Mudanças no mercado afetam produtividade e refletem falta de profissional preparado em setores que crescem. Nos últimos cinco anos, país contratou serventes, auxiliares, vigias e recepcionistas e eliminou postos médicos.
Dez profissões de pouca qualificação e salário baixo foram responsáveis por metade dos 9,4 milhões de empregos formais criados no país entre 2007 e 2013.
O cargo de servente de obras foi o campeão de vagas geradas: 921 mil, quase 10% do saldo total entre contratações e demissões no período.
Trabalhadores de chão de fábrica, faxineiros, vendedores, vigilantes e recepcionistas também tiveram os maiores saldos de postos criados.
Na outra ponta, entre as carreiras que demitiram muito mais do que contrataram, estão supervisores administrativos, trabalhadores do setor de cana-de-açúcar e operadores de máquinas fixas.
As informações são parte de um levantamento feito pela Folha nas bases de dados do Ministério do Trabalho e revelam um quadro de intensa mudança estrutural no mercado brasileiro.
O aumento da renda da classe média alimentou a demanda por serviços e comércio. A expansão salarial e os incentivos ao setor habitacional também explicam o aquecimento da construção civil.
Essas tendências levaram a uma maior formalização de quem antes trabalhava sem carteira assinada e a um forte aumento nas contratações por parte desses setores.
Mas a maioria das vagas criadas foi de baixa qualificação, já que os serviços demandados são pouco sofisticados, a oferta de mão de obra educada é limitada, e o setor de construção não se modernizou.
“O setor de construção civil no Brasil ainda é muito atrasado. Com pouca modernização, a demanda por serventes é alta”, afirma o economista Anselmo Luís dos Santos, da Unicamp.
A intensa contratação de mão de obra pouco qualificada ajuda a explicar a queda do desemprego e da desigualdade. “Ganho muito mais do que muita gente que passou muito tempo estudando”, diz o pedreiro Valdionor Santos Silva, 27, que completou apenas o ensino fundamental.
EFICIÊNCIA
O aumento do emprego tão concentrado em postos de baixa qualificação explica o lento avanço da eficiência da economia brasileira. E a baixa produtividade limita a capacidade de crescimento.
As empresas adotaram medidas para melhorar. Um sinal disso foi o forte crescimento nas contratações de profissionais com perfil técnico. O aumento de especialistas é acompanhado por um significativo corte dos cargos intermediários de gestão.
Também na busca por mais produtividade, máquinas têm substituído empregos no campo e nas empresas. Mas a indústria, que poderia dar impulso à contratação de profissionais mais qualificados, está em crise –o que afeta a demanda por mão de obra no próprio setor e por serviços sofisticados que poderiam atendê-lo, como pesquisa e desenvolvimento.
Outro empecilho ao avanço da produtividade é a falta de mão de obra qualificada nos setores em expansão. “Um monte de engenheiro júnior virou sênior. Um monte de encarregado virou mestre. Mestres passaram a ser pagos como nunca. Mas muitos não estavam preparados, e isso causou problemas”, diz Antonio Setin, presidente da construtora Setin.
EM BUSCA DE EFICIÊNCIA, EMPRESAS CORTAM CARGOS DE MÉDIA GERÊNCIA
De 72 cargos de supervisores classificados pelo Ministério do Trabalho, apenas três contrataram mais do que demitiram entre 2007 e 2013.
O número reflete uma profunda transformação em curso na estrutura de cargos das empresas brasileiras. Para aumentar a eficiência e reduzir custos, elas vêm cortando níveis hierárquicos.
O movimento, que segue uma tendência internacional, tem levado à eliminação de cargos de média gerência. O posto de supervisor administrativo é a profissão que mais eliminou vagas no Brasil nos últimos seis anos. Juntos os 72 tipos de supervisores existentes tiveram um saldo de geração de vagas negativo em 250 mil.
“Antes, existiam cinco, seis níveis hierárquicos. Hoje, há dois ou três. A grande tônica nas empresas é a redução do organograma para aumentar a produtividade”, afirma Rafael Souto, CEO da Produtive, especializada na transição de carreiras.
DE FARMACÊUTICAS A ALIMENTÍCIAS, ORDEM É DESBUROCRATIZAR RELAÇÕES
Encurtar a distância entre a cúpula da empresa, que toma as decisões, e a operação, para ganhar agilidade.
Esse é o lema das empresas de diversos setores que têm tornado sua estrutura de cargos mais horizontal.
No Brasil, é o caso de grandes grupos como BRF, gigante do setor de alimentos, e da farmacêutica AstraZeneca. A BRF começou a alterar seu organograma recentemente. A empresa tem eliminado, por exemplo, as gerências regionais. Segundo Rodrigo Vieira, diretor de desenvolvimento organizacional da BRF, o número de regionais fabris foi reduzido à metade, de seis para três. Ele afirma que essas medidas têm eliminado redundância e permitido que outros profissionais sejam promovidos.
“A frase é: a quantos telefones está o diretor? Não podem ser muitos”, diz.
A lógica da AstraZeneca é parecida. A multinacional tem metas para o número de níveis hierárquicos e de funcionários por gestor.
Segundo Miguel Monzu, diretor de Recursos Humanos e Comunicação Corporativa, podem existir, no máximo, seis níveis hierárquicos entre os cargos mais baixos –como auxiliares e representantes de venda– e o CEO global da empresa.
No Brasil, conta ele, a meta já foi atingida: “No Brasil, agora, já há apenas cinco”.
Embora tenha reduzido os cargos de gerência, a AstraZeneca aumentou o quadro total de funcionários no país em 20% neste ano.
Monzu conta que a empresa investe, por exemplo, na contratação de representantes de vendas superqualificados que têm formação na área médica: “O mercado mais competitivo exige maior qualificação”.
Segundo Roberto Picino, diretor geral da Page Personnel, a exigência por maior qualificação é crescente: “As empresas estão exigindo especialistas e analistas com formação que antes pediam de gerentes”, diz.
De acordo com especialistas, a escassez de mão de obra qualificada levou, nos últimos anos, a algumas promoções internas de profissionais que não estavam preparados.
“Isso acabou prejudicando a produtividade e levando a um aumento da rotatividade”, diz Aloisio Buoro, diretor da Mariaca, empresa de transição de carreiras.
SEM INOVAR, INDÚSTRIA PATINA E BUSCA TÉCNICO
Para melhorar competitividade, setor automatiza fábricas, mas estanca ao abrir mão de pesquisa e sofisticação.
Parque nacional passa a preferir produção de itens menos elaborados; ponte entre educação e emprego ainda é falha.
Mais trabalhadores no chão de fábrica, mais técnicos e engenheiros, menos operadores de máquinas, menos pesquisadores.
Em crise nos últimos anos, a indústria tenta se modernizar e melhorar a competitividade, mas esbarra em sua reduzida capacidade para investir. Isso se refletiu nas mudanças na estrutura de emprego no setor.
As demissões de operadores dos mais variados tipos de máquinas superaram em muito as contratações desse tipo de profissional entre 2007 e 2013.
O saldo de vagas de operadores de máquinas fixas em geral ficou negativo em 44,5 mil no período. Foram eliminadas ainda quase 15 mil vagas de operadores de betoneiras, 8,7 mil postos de operadores de caldeiras e outros 8,3 mil de operadores de máquinas operatrizes.
Como resultado, a família de profissões agrupada como “operadores de máquinas a vapor e utilidades” era a 44ª maior (em um total de 577) em número de profissionais empregados em 2007 e, cinco anos depois, estava em 54º lugar.Já o grupo “operadores da fiação” despencou da 166ª para a 225ª posição.
AUTOMATIZAÇÃO
A eliminação de operadores –postos de média especialização– é explicada pelo investimento em máquinas que automatizam parte do trabalho das fábricas.
Mas esse movimento foi acompanhado por mais contratações de alimentadores de linha de produção, conhecidos como trabalhadores de chão de fábrica.
O cargo teve o segundo maior saldo de vagas geradas entre 2007 e 2013. Com isso, subiu do sexto para o quinto lugar na lista de famílias de ocupação por estoque de empregados entre 2007 e 2012.
“Esses dados indicam que a composição do emprego na indústria está mais apoiada nos estamentos de menor qualificação”, afirma o economista David Kupfer, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do BNDES.
Segundo Kupfer, isso ocorre porque a indústria investe em uma modernização parcial, que não engloba toda a linha de produção. Como, por exemplo, comprar uma máquina que aumenta a capacidade de produzir, mas não investir em outros equipamentos que acelerariam os processos de alimentá-la com matéria-prima e retirar dela os produtos prontos.
Isso reduz a capacidade de aumento da eficiência da indústria em um mundo mais globalizado e competitivo. Uma tentativa do setor de reagir se deu com o aumento nas contratações de profissionais especializados.
O movimento não se limitou ao conhecido boom na busca por engenheiros. Entre 157 especializações de técnicos reconhecidas pelo Ministério do Trabalho, 129 contrataram mais do que demitiram entre 2007 e 2013.
No caso dos tecnólogos, entre 25 tipos, apenas três tiveram saldo negativo de vagas geradas no período. Áreas como segurança do trabalho, informática, eletrônica, vendas e telecomunicações se destacaram na geração de vagas.
Um estudo recente do Banco Mundial mostra que profissionais com formação técnica de nível secundário têm um salário por hora, em média, 9,7% maior do que os que concluíram apenas o ensino médio regular no Brasil.
Já os tecnólogos recebem, em média, o mesmo que os profissionais com diploma do ensino superior tradicional.
“A educação técnica tem a grande vantagem de oferecer uma formação mais rápida”, diz o economista Naercio Menezes Filho, do Insper, um dos autores do estudo.
Uma das barreiras ao crescimento desse tipo de formação, dizem especialistas, é o fato de que o curso técnico, no Brasil, não substitui o ensino médio. Precisa ser cursado em paralelo ou depois.
Outro problema, afirma o economista Simon Schwartzman, é a pouca integração entre empresas e escolas e faculdades: “O ideal é que houvesse uma maior aproximação entre empregadores e educadores na definição de currículos que atendam à necessidade do setor privado”.Esses fatores fazem com que a oferta de mão de obra técnica ainda seja limitada.
PRODUÇÃO BÁSICA
Do lado da demanda, também há problemas que freiam a busca por trabalhadores mais qualificados no país. Em crise, a indústria brasileira está cada vez mais pautada na produção de bens mais simples.
Isso dificulta a passagem do Brasil por um processo que ocorre em países como os Estados Unidos, onde cresce tanto a demanda por serviços menos sofisticados por parte das famílias como por aqueles de ponta que atendem ao setor industrial.
“Como nossa indústria está cada vez mais básica e perde densidade, não demanda serviços mais sofisticados, que empregariam mão de obra superqualificada”, diz o economista Jorge Arbache, da Universidade de Brasília (UnB) e do BNDES.
Um dos reflexos disso é o baixo estímulo ao setor de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e de outros serviços muito qualificados.
Entre 2007 e 2012, os profissionais ocupados na família de profissões de P&D experimental em ciências físicas e naturais cresceu apenas 5,5%. No mesmo período, o estoque de mão de obra empregada em P&D experimental em ciências sociais e humanas recuou 41,4%.
CUBATÃO PERDEU MAIS DE 2.000 VAGAS NO SETOR INDUSTRIAL
Produção estagnada faz com que fábricas percam trabalhadores para os setores do comércio e serviços Das 10 profissões que mais desempregaram entre 2007 e 2013, 5 estão diretamente ligadas à indústria.
Em Cubatão, cidade do interior de São Paulo, a fraqueza da produção da indústria mudou a vida de Lucas Duarte, 24, Eduardo Alves, 33, e Luís Roberto Ferreira, 32. Os três perderam o emprego no setor e tentavam, na última quinta-feira (8), encontrar um novo trabalho. As vagas que apareceram foram no setor de serviços.
“É muito difícil conseguir entrar [numa indústria], e eu não posso ficar sem trabalhar. É melhor pingar do que faltar”, diz Alves. Recém-saído da Usiminas, onde trabalhou por quatro anos, ele tentava uma vaga de mecânico. Das dez profissões que mais desempregaram na cidade, entre 2007 e 2013, cinco estão diretamente ligadas à indústria: soldador, instalador de tubulações, apontador de produção, operador de ponte rolante e caldeireiro.
Segundo dados do Ministério do Trabalho, 2.261 vagas na indústria de Cubatão, uma das mais maiores do país, desapareceram no período. “A atividade industrial não tem crescido, mesmo as grandes empresas estão com a produção menor”, afirma Valdir Caobianco, diretor do Ciesp (Centro das Indústrias de São Paulo) em Cubatão.
Como consequência, as vagas que têm surgido são, em sua maioria, no comércio e no setor de serviços. No PAT (Posto de Atendimento ao Trabalhador), na última quinta-feira, o mais numeroso registro de vagas era o de jardineiro.
“Colocamos o pessoal na rua para buscar vagas no comércio. Estamos com poucas ofertas de emprego”, disse Sandra Rios, chefe do PAT. Naquele dia, foram “captadas” duas novas vagas: uma de vendedor e outra de estoquista. Entre 2007 e 2013, a profissão que mais criou empregos em Cubatão foi a de servente de obras, seguida de auxiliar de escritório e ajudante de motorista.
A perda de trabalhadores da indústria para o setor de serviços é a imagem mais concreta da anunciada desindustrialização. Com o aumento de custos internos e a maior concorrência com fabricantes globais, principalmente chineses, a indústria brasileira perdeu mercado tanto no Brasil quanto no exterior.
Isso levou a uma estagnação da produção local, que neste ano caiu 2,6% até julho. “Cubatão é um caso emblemático”, observa o economista Guilherme Moreira, da Fiesp. “Ali é muito relevante o setor químico, que por sua vez tem o segundo maior deficit comercial da indústria, só atrás dos eletrônicos.”
Assim, a indústria perdeu mão de obra para áreas mais dinâmicas, como o comércio. Hoje aposentado, o técnico de instrumentação e elétrica Jamil Spitti diz que muitos tiveram que deixar a cidade para seguir a profissão. Seu próprio filho, também técnico de instrumentação, foi trabalhar no pólo químico de Camaçari, na Bahia. “Quem tá, tá. Quem não tá [na indústria de Cubatão], vai ficar de fora”, diz.
Fonte: Folha de S. Paulo – 10/08/2014