04/03/2015
O que a corrupção tem a ver com as Leis da Oferta? Tudo! Uma lista não exaustiva de malefícios inclui a criação de privilegiados, a diminuição da competição (é mais barato subornar o diretor de compras do que dar lances baixos em uma licitação) e o aumento dos riscos, o que afugenta investidores sérios. Tudo isso se manifesta em menos investimento, menos produção, preços mais altos e, um última instância, menor crescimento econômico.
Além das leis, da polícia e do sistema judicial, a sociedade tenta se proteger da corrupção pela via eleitoral, punindo os corruptos na urna. Claro, isso ocorre muito menos frequentemente do que desejamos. Mas, para que os eleitores tenham alguma chance castigar os corruptos, é preciso que saibam quem é menos corrupto, ou quem combate melhor a corrupção. Por isso a celeuma sobre quando se roubou mais, se no tempo do FHC ou nos governos petistas, é menos entediante do que parece.
Espera-se que andemos para frente, não para trás. Portanto, não é qualquer avanço que configura mérito de uma administração. Mas este post dá um passo atrás: houve avanços, ou retrocessos, no combate à corrupção?
A incidência observada de um crime é função de três fatores: do quanto se comete do crime, das atuações polícia e da justiça, e da decisão das vítimas de notificar o crime. O primeiro fator dispensa explicação. Melhorando a polícia, espera-se, por um lado, a diminuição na criminalidade pelo efeito dissuasão. Por outro, detectam-se mais crimes. Por fim, se as vítimas escolhem não notificar o crime, a incidência observada cai.
A vítima da corrupção – o público – não sabe que foi vitimada. Certamente os corruptos e corruptores não notificarão. Logo, subnotificação não é relevante. A complexa interação entre os dois primeiros fatores – incidência do crime e a atuação policial – está no cerne do debate: aumentou a corrupção? Segundo a narrativa do governo, a corrupção observada aumentou porque a polícia e a justiça melhoraram. Já não há engavetadores. Em um polêmico artigo de opinião, um empresário best-seller vira a própria mesa e vai além: nunca se roubou tão pouco. A narrativa da oposição é bem diferente: jamais se roubou tanto.
Teoria ajuda a resolver a questão? As tecnologias de monitoramento, controle e rastreamento avançaram. A Polícia Federal está melhor equipada. Seria frustrante se não tivesse evoluído. Houve avanços institucionais, não só no Brasil como internacionalmente. Espera-se que a chance de pegar um corrupto tenha aumentado e, consequentemente, diminuído a corrupção. Ou não. Implícito no raciocínio está a suposição de que os corruptos não reagiram e não se aproveitaram dos avanços tecnológicos como formas de comunicação mais rápidas e menos rastreáveis, como bitcoin. Supõe ainda que os ganhos da corrupção sejam os mesmos. As licitações públicas aumentaram muito nos últimos anos. Todas suposições bastante fortes. Teoria não resolve o problema.
E a evidência? O empresário relata anedotas. Por ser fornecedor do setor público, elas teriam credibilidade. Mas seguem sendo anedotas. Outros observadores, com semelhante autoridade, terão outras anedotas. Por isso têm pouco valor.
Uma saída é analisar a evolução da corrupção no Brasil à luz do que ocorreu em outros países. Se todo mundo piorou, então nossas mazelas atuais não podem ser creditadas ao PT, mas sim de um aumento generalizado na corrupção, algo fora do controle do governo brasileiro. É a versão para a corrupção do lema ‘é culpa da crise internacional. Esse abordagem não é definitiva, mas é bem melhor do que anedotas impressionistas não necessariamente desinteressadas. Ao menos é possível criticar objetivamente a metodologia, a escolha do grupo de comparação e a medida de corrupção.
Usamos o Corruption Perception Index (CPI), elaborado pela Transparência Internacional. O CPI é uma medida de percepção de corrupção, construída a partir da avaliação de especialistas em governança. Focamos primeiramente nos 41 países para os quais há dados desde 1995, quando começou a pesquisa. Concentrar-se nos países da amostra original ajuda a comparação ao longo do tempo. A painel da figura A mostra os resultados. O Brasil era o 5o país mais corrupto em 1995. Evolui até 1999, quando atinge a 13a posição. Mantem-se por aí até 2003, quando começa a piorar no ranking. Em 2008 havia voltado para a 7a posição. Recuperou-se a partir de 2009. Em 2014 ficou na 13o posição, a mesma de 1999.
Também circunscrevemos a comparação aos 18 emergentes entre os 41 países, a “segunda divisão” da corrupção, grupo ao qual o Brasil pertence (Painel B). De novo há melhora nos anos 1990: entre 1995 e 1999, fomos da 5a para a 13a posição, onde ficamos até 2004. Depois há uma deterioração acentuada até atingirmos 6a posição em 2008. Em 2014 o Brasil ficou na 11o posição, a mesma desde 2010 e pior do que no final dos anos 1990.
Em suma, o Brasil está um pouco pior hoje do que no final dos anos 1990; mas estava bem pior no final dos anos 2000. Sempre em termos relativos. Aguardamos ansiosos o que o Petrolão fará com a nossa posição nesse triste campeonato.
João e Vinicius
João Manoel Pinho de Mello é professor do Insper
Vinicius Carrasco é professor de Economia da PUC-Rio
Fonte: Exame.com – 04/03/2015