Fonte: Folha de São Paulo – 9/4/2017
A economia colabora com a política pública ao analisar os dados e as experiências dos demais países, cabendo à política fazer a escolha que a sociedade julgue mais apropriada.
Em 1993, o economista José Márcio Camargo propôs o Bolsa Escola, em que o governo transfere renda para famílias de baixa renda com filhos jovens, desde que frequentem a escola. Nos anos seguintes, o programa se disseminou e induziu novas políticas de apoio às famílias mais pobres, como o Vale-Gás e o Vale-Alimentação.
A análise dos dados, no entanto, mostrou que essa profusão de políticas não era eficiente. As famílias têm necessidades diferentes e seria melhor que elas mesmas decidissem como gastar os recursos.
Em 2003, o Ministério da Fazenda publicou um documento com um diagnóstico sobre as dificuldades econômicas e sociais do Brasil e propostas para a política pública.
A elevada desigualdade em nosso país de baixa renda, com muitos pobres e escassos recursos, decorria das políticas de gasto público e das regras tributárias e da Previdência.
O documento resgatou a proposta feita, em 2001, por José Márcio Camargo e Francisco Ferreira de unificar os programas de transferência de renda e focalizar as famílias mais pobres.
O Bolsa Escola, proposto em 1993, foi progressivamente aperfeiçoado nos governos Fernando Henrique Cardoso e Lula, e resultou no Bolsa Família. Decisões políticas tecnicamente embasadas pela boa economia.
Curiosamente, economistas identificados como de esquerda foram contra a proposta e utilizaram argumentos de ocasião para desqualificá-la, com o uso no mínimo superficial e equivocado dos dados em meio a denúncia de que seria uma agenda do Banco Mundial.
Anos depois, diversos trabalhos acadêmicos cuidadosos revelam o notável impacto do Bolsa Família na redução da extrema pobreza.
O mesmo cuidado técnico seria útil no debate sobre a Previdência. O governo poderia disponibilizar as suas projeções sobre a trajetória do gasto público e o impacto das medidas propostas nas próximas duas décadas, tempo necessário para que seus efeitos se consolidem, destacando as hipóteses utilizadas nos diversos cenários.
Essas projeções permitiriam discutir quais famílias deveriam ser protegidas e as possíveis opções para preservar a Previdência, evitando uma crise fiscal ainda mais grave nos próximos anos.
Alguns, porém, denunciam a reforma da Previdência como uma agenda de “Washington, do Banco Mundial”, como na retórica contra o Bolsa Família.
O sabor de um pequeno bolo, madeleine, recuperou a memória de Marcel Proust no seu romance “Em Busca do Tempo Perdido”. Nem toda reminiscência resgata um “prazer delicioso”.
Marcos de Barros Lisboa, 52, é doutor em economia pela Universidade da Pensilvânia. Foi secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda entre 2003 e 2005 e é Presidente do Insper.