As manifestações contra e a favor do governo, nos últimos dias, não mostram apenas a dualidade e o clima de rivalidade, típicas de clássicos do futebol como o Fla-Flu, que tomou conta da política brasileira. Os atos realizados pela CUT, pelo MST e por outros movimentos sociais, na sexta-feira 13, e os protestos contra a presidente Dilma, no domingo 15, também representam, respectivamente, o confronto entre o estilo “antigo” e o “moderno” de se manifestar.
De um lado, o movimento de sexta-feira seguiu o modelo do “século XX”. Havia uma liderança clara, os sindicalistas, movimentos sociais e partidos que apóiam Dilma. Também se viu um discurso alinhado entre os participantes, desde o prédio da Petrobras, próximo ao início da Avenida Paulista, até a Praça da República – o trajeto da marcha. Reivindicações como reforma política, apoio aos trabalhadores, à Petrobras e contra o chamado golpismo da direita eram entoados na caminhada. Quando indagados sobre os ajustes econômicos, muitos manifestantes defendiam a presidente. “Ela está buscando modificações”, afirma Robson Antunes, servidor público. “Faz o que tem que ser feito, é a única opção”.
Já no domingo, cidadãos comuns pretendiam fazer o chão da Avenida Paulista “sumir” do início ao fim. A Polícia Militar estimou em 1 milhão, o número de participantes. Já o Datafolha falou de 210 mil. As medições não foram, porém, o único ponto de divergência sobre o protesto. Os próprios participantes discordavam entre si sobre várias reinvidicações. Havia a ala dos “anticorrupção”, da “volta, militares”, do impeachment e os que pediam por reforma política. Outras cidades também foram palco de manifestações. Estima-se que entre 1 milhão e 2 milhões de pessoas, em todo o País, tenham ido às ruas. O único denominador comum, no entanto, era a bandeira contrária ao governo do PT.
“Modernos” versus “antigos”
Para o cientista político Fernando Schuler, do Insper, eventos como o de domingo são considerados manifestações típicas deste século XXI, organizadas pela internet e executadas como um flash mob – reuniões organizadas por meio de redes sociais e e-mails, sem um líder claro e que se dissolvem tão rapidamente, quanto surgem. “Não dá para comparar manifestações de militantes, como a de sexta, com as populares, como domingo”, diz o especialista. “O cidadão de maneira geral não vai para rua com bandeira de partidos.”
Segundo Schuler, a tendência é que as manifestações, não apenas no Brasil, mas ao redor do mundo, não sejam mais caracterizadas por um líder político e, sim, por esse “flash mob”, principalmente pela força da internet. Os ideais ficam dispersos e as opiniões são pluralizadas, tendo apenas um ponto de ligação. “A internet transformou a comunicação”, diz Schuler. Os efeitos que essa facilidade ao acesso à informação traz, no entanto, são o acirramento entre os “rivais” e polarização de ideias – cada um de um lado. Conforme as pessoas entram em contato com a opinião do outro, a raiva aumenta o que, muitas vezes, torna o ambiente hostil. “Com o tempo as opiniões diferentes passarão a ser respeitadas”, afirma. “Elas – as manifestações – também tem um lado de aprendizagem”, finaliza.
Discurso vazio
A falta de direção e argumentos em um protesto pode ser perigoso, de acordo com a Christiane Romeo, cientista política e professora de Relações Internacionais do Ibmec-RJ. Para a especialista, por mais que o ato do dia 15/03 tenha sido legítimo e relevante para o amadurecimento da democracia brasileira, ele pode ir para o caminho contrário: o antidemocrático. “Está claro que a manifestação não foi contra um projeto político, ou econômico, e, sim, contra uma figura política ou partido”, diz Christiane. “Se a Dilma sair, eles ficarão felizes, e isso é um problema, já que ela foi eleita pela maioria”, afirma.
A polarização dos atos dos últimos dias reflete, também, a eleição presidencial no segundo semestre de 2014. Ao vencer as eleições com um placar apertado, 51,64% contra 48,36%, Dilma Rousseff sabia que não teria um mandato tranquilo, mas não imaginava que a rejeição atingiria tal magnitude. Enquanto uma parcela defende a legitimidade do governo da presidente, eleita democraticamente, outros clamam por impeachment ou, até mesmo, intervenção militar. O ponto é que os atos que marcaram o último final de semana entraram para a história do País e trouxeram discussões importantes para o amadurecimento da democracia brasileira.
Fonte: Isto É Dinheiro Online – 18/03/2015