As manifestações ocorridas durante o fim de semana não pioram um cenário de atividade econômica já bastante ruim e é pouco provável que coloquem o ajuste fiscal sob riscos além dos existentes, na avaliação dos economistas ouvidos pelo Valor.
O número de pessoas que foram às ruas nas manifestações surpreendeu, sinalizando que este será um ano politicamente mais difícil para a presidente Dilma Rousseff. Ainda assim, o governo conseguirá encaminhar um ajuste fiscal “ambicioso” ao longo de 2015, disse Christopher Garman, diretor de pesquisa da consultoria Eurasia Group em teleconferência organizada pelo GO Associados.
Gesner Oliveira, sócio da GO Associados, concorda. Para ele, o ajuste vai gerar efeitos que não são populares, como mais inflação e corte de gastos, mas as manifestações não colocam isso em xeque. Outro ponto que deve seguir inalterado é o quadro recessivo traçado para a economia em 2015, diz Newton Rosa, economista-chefe da SulAmerica Investimentos, para quem o movimento externaliza a insatisfação com o aumento do desemprego, a inflação elevada e atividade econômica fraca.
Para Leandro Padulla, economista da MCM Consultores, os protestos não devem ter impactos diretos sobre a economia, mas podem reforçar o movimento de deterioração da confiança de empresários e consumidores já em curso. Padulla, porém, não espera uma repetição do que ocorreu em junho de 2013, quando uma série de manifestações paralisaram a atividade econômica.
Apesar do tamanho dos protestos, Garman, da Eurasia, não acredita que o país caminha para uma crise de governabilidade, que possa resultar em impeachment da presidente. “Em nosso cenário, a probabilidade de impeachment é de 20%. Não é um número baixo, é razoavelmente alto, mas não é o mais provável.”
Ele também pondera que, por sua estrutura, o sistema presidencialista consegue conviver com baixos índices de popularidade do mandatário por longos períodos. “Como passamos por um superciclo econômico e político recentemente, isso não foi frequente, mas olhando mais para trás, é comum”, afirma Garman, para quem a aprovação da presidente vai cair ainda mais nos próximos três meses.
Destoando do grupo, o professor de economia da PUC-Rio, Eduardo Zilberman, acredita que as manifestações devem afetar a disposição do Congresso em se aliar ao governo. Em São Paulo, diz ele, Estado que levou o maior número de pessoas às ruas, é provável que um deputado federal pense “duas vezes” antes de se aliar à base governista para aprovar o pacote fiscal. Já o professor da Unicamp Luiz Gonzaga Belluzzo ressalta que não se pode ignorar que críticas à política econômica também puderam ser vistas durante a passeata de sexta-feira, em que os manifestantes saíram às ruas a favor do governo. “Os economistas dizem que é preciso fazer o ajuste, mas não é assim”, diz. “Fazer a frio vai provocar reações e é por isso que precisava ser algo mais acertado”, afirma.
Marcos Lisboa, vice-presidente do Insper, avalia que a despeito de uma apoiar o governo e a outra, não, há similaridades entre as manifestações de domingo e de sexta-feira, o que mostra o quão desafiador é o ajuste fiscal: em ambas, grupos organizados seguem defendendo interesses específicos, benefícios e subsídios.
Para Lisboa, que destacou a civilidade dos protestos, ainda não está claro para os dois lados que o Brasil ficou para trás em relação aos demais emergentes justamente em razão de uma agenda governamental desenhada para atender a grupos de interesses específicos, o que acabou por fragilizar a questão fiscal e travar o crescimento. Segundo Lisboa, um diálogo aberto e sério é necessário, mas não ocorre em razão da incapacidade do governo de assumir os seus próprios erros e da oposição em articular caminhos. “O governo nega e diz que fez uma série de coisas para evitar a crise e que agora elas têm que ser revistas, mas não foi isso. Foi essa agenda de proteção, estímulos e incentivos que levou a produtividade e o fiscal para onde estão”, afirma.
João Augusto de Castro Neves, diretor para América Latina do Eurasia Group, duvida que o aumento da insatisfação popular deve se traduzir em apoio direto à oposição. “O PSDB está na dianteira desse processo, mas há um vácuo no cenário político”, diz Castro Neves, para quem o quadro está mais embaralhado do que se supõe. Para ele, o desafio hoje é como entregar mais com menos em um cenário de economia em desaceleração. Os desejos da nova classe média criada nos últimos anos, diz, passaram da compra de bens para a oferta de serviços públicos de qualidade, o que demanda mais planejamento.
Fonte: Valor Econômico – 17/03/2015