Depois de muita especulação, a confirmação ontem de nomes da cúpula do PMDB na lista de inquéritos autorizados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar autoridades citadas nas delações premiadas da Operação Lava-Jato tem tudo para criar mais dificuldades para a presidente Dilma Rousseff aprovar os projetos que considera prioritários nos próximos meses. Por outro lado, abre um novo espaço para a negociação de um pacto entre a presidente e os chefes do Legislativo para garantir a governabilidade, dizem analistas ouvidos pelo GLOBO. Isso porque, na condição oficial de investigados, os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), podem perder força em sua estratégia de independência em relação ao Planalto dos últimos dias.
O cientista político Carlos Melo, professor do Insper, afirma que o governo Dilma vai ter problemas para mobilizar os deputados em torno dos projetos de seu interesse, como os do ajuste das contas públicas defendido pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy.
Como o Executivo não tem poder para interferir nas investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, os deputados e senadores denunciados podem optar por não se mexer a favor do governo.
— Duas figuras de proa, os presidentes do Senado e da Câmara, já estão atuando como líderes da oposição. E mais: sob aplauso da própria oposição. Mesmo com a investigação, eles devem continuar nos cargos — diz Melo. — Acredito que eles vão buscar proteção, mas o governo não tem o que oferecer. Essa situação vai gerar um atraso da agenda que passa pelo Congresso.
Agenda prejudicada
Melo diz que a agenda política do Brasil nos próximos meses será uma “agenda da confusão” e vê dificuldade de mudanças na economia: — Em um momento em que a economia precisa de apoio da política, a política vive turbulência.
O Congresso não vai se mobilizar, por exemplo, para aprovar o ajuste fiscal. E isso pode se refletir no aumento do descontentamento da população, que pode se mobilizar nas ruas mais uma vez — analisa. Já na avaliação da historiadora da FGV-Rio Marly Motta, o PMDB sai “estremecido” com a divulgação da lista dos políticos envolvidos na Operação Lava-Jato. Com alguns dos principais caciques do PMDB entre os investigados, ela acredita que o partido terá que mudar sua postura no Congresso e pode tentar uma reaproximação do governo: — Foi uma facada no peito do PMDB.
O partido vai ter que repensar sua estratégia de atuação. Não é hora de conflitos, nem para o PMDB e nem para o governo. A saída é um pacto. Marly aponta os senadores Romero Jucá (PMDB-RR) e Valdir Raupp (PMDB-RR) como os únicos capazes nesse processo de conseguir distender a relação. No entanto, os dois também estão na lista de investigados divulgada ontem. — Eles sempre atuaram como bombeiros. Eles sabem que o clima beligerante adotado por Cunha e Calheiros não pode continuar. A cientista política Maria do Socorro Braga, professora da Universidade Federal de São Carlos (UFScar) concorda: — Ninguém na classe política leva vantagem em criar instabilidade. Então, acho que pode haver um acordo entre os atores envolvidos para garantir que haja governabilidade. Penso que vai chegar a certo equilíbrio, ainda mais se a população mostrar insatisfação com os políticos. O cientista político Marco Antônio Carvalho Teixeira, professor de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), acredita que a divulgação da lista do STF não vai alterar a já desgastada relação da presidente Dilma com o Legislativo: — Não vejo clima para uma mudança do vento a favor do governo.
A base está fragmentada, esfarelada, sem unidade. E aquelas figuras que seriam os porta-vozes natural do governo estão implicadas (na lista). Não vejo um caminho de reaproximação.
Investigação longa
Para Teixeira, os atritos entre Executivo e Legislativo devem se acentuar ainda mais nos próximos meses, quando surgirem novos fatos sobre o esquema de corrupção na Petrobras.
A expectativa da Força-Tarefa da Operação Lava-Jato é de mais seis meses de trabalho intenso de investigação. Teixeira lembra que o vazamento do nome do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), como parte da lista ao longo da semana já tinha levado o governo a uma derrota importante. Após o vazamento de alguns nomes da lista, Renan devolveu a Medida Provisória da Folha de Pagamento que era uma das armas do ajuste fiscal liderado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. — Ficou claro o recado de Renan. Ele se sentiu desprotegido (com o vazamento). O Congresso deve endurecer ainda mais o jogo. Elevar a moeda de troca. Aumentar a fatura. Não será fácil — disse Teixeira, que completou: — Uma agenda de retomada neste momento é impensável. A agenda dela (Dilma) está comprometida. Queira ou não queira, enquanto durar a Operação Lava-Jato vai aumentar o buraco entre o Executivo e o Legislativo.
Fonte: O Globo – 07/03/2015