12/04/2017
Fonte: DW.com – 12/4/2017
Nova onda de revelações da Lava Jato implica caciques políticos em esquema de corrupção e pode paralisar governo. Mas muitos dos investigados podem ser beneficiados por foro privilegiado e lentidão do STF.
Com popularidade baixíssima, Temer deve enfrentar ainda mais dificuldadesapós novas revelações
O fim do sigilo das delações dos executivos da Odebrecht, nesta terça-feira (11/04), atingiu uma parte significativa dos caciques da política brasileira, apontando mais uma vez a existência de um esquema de corrupção multipartidário, que inclui governo e oposicionistas.
Na lista dos políticos alvos de investigações autorizadas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin constam cinco ex-presidentes da República, oito ministros do governo de Michel Temer, 24 senadores, 12 governadores e 39 deputados federais. Todos foram citados nos depoimentos de ex-diretores da Odebrecht.
Com a abertura das investigações, a lista que era do procurador-geral, Rodrigo Janot, se tornou a lista de Fachin. Os inquéritos finalmente tragaram de vez para a Lava Jato siglas como o PSDB e o DEM, que agora se juntam ao PMDB, PT e PP.
Desgaste para ministros
Apesar da pluralidade partidária da lista, com muitos nomes da oposição, é a situação do governo Temer que fica mais em evidência. Chefe de uma administração que tem apenas 10% de aprovação e que mal consegue atravessar uma semana sem enfrentar um novo escândalo, o presidente insiste na sua posição de não tomar nenhuma atitude em relação aos ministros implicados, que agora chegam a oito.
Temer já deixou claro qual é sua regra: só pretende afastar temporariamente os ministros que forem denunciados pela PGR e exonerar aqueles que se tornarem réus. Portanto, a abertura de inquéritos não é suficiente.
Os cargos ministeriais garantem foro privilegiado para muitos detentores sem mandato. Em fevereiro, já sob o suspense das eventuais revelações da lista, o governo deixou claro que estava disposto a proteger os seus quando estendeu a prerrogativa para Moreira Franco e o promoveu a uma posição de ministro. A permanência de muitos dos ministros também garante em parte a manutenção da cada vez mais instável base aliada de Temer no Congresso.
Apesar da proteção garantida pelo presidente, é provável que os ministros sofrerão com o desgaste provocado pelas diligências que devem ser autorizadas pelo Supremo.
Além dos ministros, a divulgação da lista atingiu em cheio líderes partidários, caciques nacionais e regionais e articuladores de pautas no Congresso. Também constam presidentes de comissões e relatores de projetos de reformas promovidos por Temer.
Aliados devem se distanciar
O momento da divulgação não poderia ser pior para o presidente, que enfrenta resistência da base aliada para a aprovação de projetos controversos, como a reforma da Previdência, que agora pode atrasar ainda mais. Apesar de ter sido pessoalmente poupado pela PGR de se tornar alvo de algum inquérito, Temer corre o risco de ver seu já turbulento governo paralisado.
“É um quadro que tende a piorar, mesmo sem o impacto dessa lista”, afirma o analista político Gaspard Estrada, da Sciences Po, de Paris. “Muitos aliados estão vendo que o governo não está conseguindo reverter esse ciclo de impopularidade e de associação com a corrupção. Com eleições pela frente, muitos vão calcular que é melhor se dissociar do governo.”
Segundo Estrada, o restante do governo Temer corre o risco de ser uma repetição do que ocorreu com o governo José Sarney no final dos anos 80. “Temer pode permanecer no poder, mas encontra cada vez mais dificuldade para controlar os acontecimentos”, disse.
No governo da ex-presidente Dilma Rousseff, divulgações de casos de corrupção levaram a uma paralisia do Congresso. Deputados e senadores deixaram o andamento de projetos de lado para se voltar contra o Planalto e o Ministério Público.
Como o governo Temer tem uma relação mais amistosa com o Congresso, é provável que a classe política deixe as reformas de lado para redobrar as iniciativas que visam a autoproteção, como ocorreu no desfiguramento do pacote anticorrupção no fim do ano passado.
No momento, avançam discussões sobre a aprovação do voto em lista fechada, um modelo que garantiria aos caciques partidários escolher quem deve entrar no Congresso, o que pouparia políticos desgastados de enfrentar diretamente os eleitores em 2018 e garantir a prerrogativa de foro. Iniciativas como a anistia ao caixa 2 também podem voltar à pauta.
Morosidade jurídica
Se no aspecto político esta nova fase da Lava Jato provoca terremotos, no âmbito jurídico as coisas devem ser mais tranquilas, pelo menos para os suspeitos com foro privilegiado, que vão ter seus casos julgados pelo STF ou pelo STJ.
A abertura dos inquéritos é apenas a primeira fase de uma investigação. A partir de agora, começa a etapa de autorização de diligências para a coleta de provas que serão usadas para embasar as acusações formais contra os investigados. Algumas das diligências podem ser quebra de sigilo telefônico e bancário, coleta de depoimentos e cumprimento de mandados de busca e apreensão.
O tempo corre a favor para muitos dos investigados com foro por causa da conhecida lentidão do STF. Mais de dois anos após a divulgação da primeira lista de Janot, apenas cinco dos 50 políticos que foram alvos de pedidos de inquéritos se tornaram réus. Nesse ritmo, a maior parte dos implicados na segunda lista pode começar a ser eventualmente julgada somente após o fim do governo Temer. No caso do Mensalão, um escândalo que tinha apenas 37 acusados, passaram-se sete anos até o fim do julgamento.
Na segunda lista, 42 das 108 pessoas são investigadas por suspeita de prática de caixa 2. Entre os suspeitos com mais de 70 anos, existe um alto risco de prescrição dos crimes antes mesmo da realização de um julgamento, já que a partir dessa idade os prazos para a prescrição caem pela metade. Nesse grupo estão o ministro Moreira Franco (72 anos) e os senadores José Serra (75) e Edison Lobão (80).
Isso também não quer dizer que os procuradores vão chegar ao ponto de incluir essas acusações em denúncias. O fim do sigilo mostrou que em muitos casos, existem apenas indícios da prática de crime. Os despachos não indicam contas bancárias ou, no caso de muitos suspeitos, não indicam que já existam provas materiais contra eles. Não é possível dizer quais políticos têm apenas contra si a palavra de delatores.
Com a abertura dos inquéritos, espera-se que os investigadores coletem e detalhem melhor o que pesa contra os políticos. “É certo que o processo levará anos. Mas, deixa esse desconforto na atmosfera política e econômica: o mal-estar existe e ele fere, sim, a dinâmica política nacional, a normalidade do processo legislativo; afeta as reformas e, certamente, interferirá no quadro sucessório de logo mais, daqui a um ano e tanto”, afirma o cientista político Carlos Melo, do Insper.
O estrago de uma delação
O nome de Michel Temer aparece 43 vezes na delação, de 82 páginas. O delator diz que o conheceu em 2005, por intermédio de Geddel Vieira Lima. Relata encontros com Temer, um deles jantar no Palácio do Jaburu com Marcelo Odebrecht, em que foi solicitada ajuda financeira de 4 milhões. Revela que Temer atuava indiretamente. Temer alega que pediu auxílio formal à construtora, quando comandava o PMDB.
O estrago de uma delação
Eliseu Padilha, o “Primo”
O ministro da Casa Civil é apontado como coordenador “de contribuições de campanha que o PMDB recebeu da Odebrecht” em 2014. O delator o classifica como o “preposto” de Temer. “Nas vezes que me foi solicitada qualquer agenda com Michel Temer, procurava Eliseu Padilha, que viabilizava os encontros para as demandas da empresa. Sempre soube que Padilha representava a figura política de Temer”, diz.
Moreira Franco, agora ministro: o “Angorá”
Moreira Franco, que Temer alçou a ministro para ter foro privilegiado, tem codinome que se refere aos cabelos grisalhos. O delator fala de encontro entre ele, Moreira e Temer, quando disse a ambos que Graça Foster, então presidente da Petrobras, queria saber quem do PMDB recebia dinheiro da Odebrecht. O ministro diz que nunca conversou com Melo Filho sobre doações.
Geddel Vieira Lima, o ex-ministro “Babel”
O delator diz ter sido próximo do ex-ministro e que ele “recebia pagamentos qualificados em períodos eleitorais e não eleitorais; e fazia isso oferecendo contrapartidas claras”. Um exemplo foi a liberação de recursos do Ministério da Integração Nacional a obra de interesse da Odebrecht. Geddel foi ministro de Dilma e de Temer, mas durou pouco no cargo por conta de denúncias de corrupção. Ele nega.
“Núcleo dominante”: Jucá, Renan e Eunício
O diretor da Odebrecht disse na delação que o PMDB tinha dois núcleos de arrecadação, um no Senado e outro na Câmara. No Senado, Eunício Oliveira (na cabeceira), hoje presidente da Casa, Renan Calheiros (à esq) e Romero Jucá (à dir.) eram o trio poderoso. “Esse grupo é bastante coeso e possui enorme poder de influência sobre outros parlamentares, tanto do partido como de outras legendas.”
Romero Jucá ou “Caju”, o “homem de frente”
O delator diz que o senador , codinome Caju, era o mais procurador por “agentes privados interessados na sua atuação estratégia”. Por conta desta ponte com o setor privado, diz, o gabinete de Jucá é concorrido. O delator diz ter pago 22 milhões só a Jucá, que coordenava a distribuição do dinheiro no PMDB. O senador teria articulado a aprovação de propostas de interesse da Odebrecht no Congresso.
Renan Calheiros, o “Justiça”
Ex-presidente do Senado e ex-ministro da Justiça, é citado como peça crucial do esquema do PMDB. Em 2010, teria recebido 500 mil da Odebrecht. Logo que assumiu o Senado, Marcelo Odebrecht pediu que fosse agendada “visita de cortesia”. Na ocasião, Renan disse estar afinado com pleitos da construtora. Teria pedido ajuda à campanha do filho em Alagoas (2014). O senador nega irregularidades.
Eduardo Cunha, o “Caranguejo” preso
Delator diz que se aproximou dele em 2007. O deputado teria recebido 7 milhões da Odebrecht para campanha de 2010. Seu nome constava em planilhas de executivos da empresa. Reuniões para tratar de votações e interesses da Odebrecht eram frequentes. “Ele sabia que receberia pagamentos a pretexto de contribuição de campanha.” Cassado em setembro, está preso em Curitiba desde outubro de 2016.
Rodrigo Maia, o “Botafogo”
Delator disse que Maia, hoje presidente da Câmara, era “ponto de interlocução na defesa dos interesses da Odebrecht”. Diz que pediu ajuda na votação de medida provisória que interessava à empreiteira e Maia aproveitou para solicitar recursos e liquidar pendências da campanha de 2012. “Decidi contribuir com o valor aproximado de 100 mil”. Em 2010, teria recebido outros 500 mil. Maia nega.
Marco Maia, em outro time: o “Gremista”
Ex-presidente da Câmara, o petista Marco Maia é identificado pelo time. Delator diz que se aproximou dele em viagem a NYC, promovida pela Braskem. Na presidência, ofereceu jantar de cortesia a Marcelo Odebrecht. Pediu contribuições quando se lançou para a presidência da Casa. “A referida solicitação foi autorizada por Marcelo Odebrecht e transmitida por mim ao referido parlamentar.”
Delcídio Amaral, a “Ferrari” detida
O senador, ex-líder do PT, teria se empenhado para aprovar norma de tributos que ajudaria a Odebrecht. Após a votação, reclamou da “pouca atenção” recebida. O delator relata encontro com Delcídio no Hotel Fasano, em SP, quando lhe informou que receberia 500 mil reais. Naquele mesmo dia, colegas lhe contaram que o petista “tinha ficado absolutamente satisfeito e tinha pressa no recebimento”.
Agripino, o “Gripado”: comandante do DEM
Relator disse que presidente do DEM tem relação pessoal com Emílio Odebrecht e sempre foi muito cordial com empresa. Afirmou que em 2014 Marcelo Odebrecht fez pagamento de 1 milhão de reais a ele. O valor, disse, “teria sido solicitado pelo Senador Aécio Neves como uma forma de apoio ao DEM, que era presidido à época pelo Senador José Agripino”. Agripino era cotado para ser vice de Aécio na chapa.
Gim Argello, o “Campari”: guardião do PTB
Sob esse codinome, o então senador teria pedido “apoio diferenciado” da Odebrecht em 2010 e 2014. Presidia o PTB no Distrito Federal. O delator relata autorização de Marcelo Odebrecht para repassar a ele 1,5 milhão em 2010 e 1,3 milhão em 2014. “Não tenho como dizer se os pagamentos em dinheiro foram utilizados por Gim Argello para fins eleitorais.” Argello deixou o PTB e a política em 2016.
Relator diz que fez a ponte da Odebrecht com o político de 2006 a 2010. Conta que Marcelo Odebrecht tinha dúvidas sobre êxito da carreira política do petista. O primeiro pedido de recursos foi para campanha ao governo da BA (2006). “Acredito que tenha ocorrido pagamentos de até 3 milhões de forma oficial e caixa 2.” Ajudou a Odebrecht a resolver “pendências” do pólo petroquímico de Camaçari.
Carlos Melo – Nova onda de revelações da Lava Jato implica caciques políticos em esquema de corrupção e pode paralisar governo. Mas muitos dos investigados podem ser beneficiados por foro privilegiado e lentidão do STF.