20/05/2022
O deputado Orlando Silva, relator do Grupo de Trabalho na Câmara sobre a PL das Fake News, defende a regulamentação do uso das redes sociais
Tiago Cordeiro
Entre as 15 maiores empresas do mundo, cinco estão ligadas, de uma forma ou outra, a tecnologia: Amazon, Apple, Alphabet, Microsoft e Samsung. Atualmente, 5 bilhões de pessoas têm acesso à internet, o correspondente a 63% da população mundial. Só o Facebook tem 2,9 bilhões de usuários. No Brasil, 99% dos smartphones têm instalado o aplicativo de mensagens WhatsApp.
Os números indicam que o debate público e a expressão pessoal não podem mais ser pensados sem levar em consideração o uso da internet e o enorme poder das empresas de tecnologia. Em resposta a esse cenário, dezenas de países, especialmente na Europa e na América do Norte, buscam formas de regulamentar a produção e o consumo de conteúdo pela rede de computadores.
No Brasil, essa tendência está contemplada no Projeto de Lei (PL) 2630/2020, que tramita no Congresso Nacional desde 2020 — já passou pelo Senado e agora aguarda votação em plenário na Câmara dos Deputados. “A internet é uma das maiores maravilhas do nosso tempo. Mas o tamanho de seu alcance e o seu poder produzem a demanda natural pela regulamentação de seu uso”, disse Orlando Silva, deputado federal e relator do Grupo de Trabalho na Câmara, onde o PL foi debatido ao longo de um ano e meio.
“Um dos objetivos é demandar transparência, exigindo a publicação de relatórios pormenorizados”, afirmou o deputado durante a mesa de abertura da I Conferência Liberdade de Expressão na Era Digital, evento promovido pelo Insper em parceria com o centro independente de pesquisa interdisciplinar InternetLab, nos dias 27 e 28 de abril. A conferência reuniu diversos especialistas em painéis, palestras e mesas-redondas, com o objetivo de contribuir ativamente para a construção de uma dogmática do direito da liberdade de expressão.
“Há a previsão, na lei, que os relatórios de transparência ensejem uma atualização da lei em cinco anos. Buscamos aspectos éticos que vão além das questões de negócios e valorizam a democracia e a liberdade de expressão”, disse Orlando Silva. O projeto, segundo o deputado, também valoriza os usuários, que seriam obrigatoriamente informados sobre decisões de moderação, incluindo o bloqueio de contas e de posts. “Queremos que os usuários tenham direito a contestar as decisões”, afirmou.
Além disso, o uso de aplicativos de mensagem, que têm um peso grande no Brasil, ganha atenção no projeto. “O modo como a viralização é feita nesses aplicativos de mensagens é objeto de regulação no texto. Há que se ter um mecanismo para a produção de provas a respeito de mensagens, muitas vezes anônimas, veiculadas de forma instantânea, para milhares de pessoas.”
Orlando Silva interagiu com Taís Gasparian, integrante do Conselho Consultivo do InternetLab e advogada especialista na área de Direito Civil relacionada à mídia, à publicidade e à internet, e com Ivar Hartmann, professor associado do Insper. O deputado explicou que o PL 2630 se dedica a plataformas de mídias sociais, definidas no texto legal como os provedores de redes sociais, as ferramentas de busca e as de mensageria instantânea cujo número de usuários registrados no Brasil seja superior a 10 milhões.
O texto prevê regras específicas para o uso de redes sociais por contas oficiais de servidores públicos em cargos de liderança. “Faço oposição ao atual presidente da República, mas sou contrário ao bloqueio de contas de redes sociais oficiais, utilizadas pelo líder de qualquer nação. É uma ferramenta de prestação de contas”, afirmou o deputado.
Por sua vez, Taís Gasparian disse que não é pelo temor do abuso que se deve coibir o uso. “Eu sei que os esforços que estão sendo feitos no PL são extremamente relevantes. Mas é importante que tenhamos em mente que, muitas vezes, o que se diz num texto de lei não se torna realidade. O que transforma o texto em realidade é a prática.”
De seu lado, Ivar Hartmann lembrou que, da maneira como a legislação sobre a liberdade de expressão está posicionada hoje, falta uma orientação clara para o Judiciário: “As decisões que o próprio Supremo mais cita sobre liberdade de expressão não trazem qualquer baliza, qualquer fundamento operacionalizável para auxiliar as demais instâncias do Judiciário”.
O assunto permaneceu em pauta na mesa seguinte do evento, que tratou da jurisprudência sobre liberdade de expressão e colisão de direitos fundamentais. O painel contou com a participação de Fábio Carvalho Leite, doutor em Direito Público pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e professor assistente da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), e de Ana Paula Barcellos, professora titular de Direito Constitucional da UERJ e membro da Comissão de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A coordenação do painel ficou a cargo de Rafael Bellem de Lima, professor do Insper.
“Na maioria dos casos, não temos regras para a resolução de conflito na esfera civil”, disse Fábio Carvalho Leite. “O que temos são dispositivos constitucionais vagos e parâmetros doutrinários que pouco definem, apenas a serem considerados pelo intérprete.”
Já Ana Paula Barcellos apontou que, quando se trata de informação, é possível, até certo ponto, avaliar se ela é verdadeira ou falsa. “A mesma coisa não pode ser dita sobre liberdade de expressão. Não se aplica a chave de ‘verdadeiro versus falso’ sobre opinião.” Num contexto em que a sociedade tem dificuldades crescentes em lidar com o pluralismo de opiniões, disse ela, definir uma legislação que suporte a avaliação a respeito, por exemplo, de crimes contra a honra é cada vez mais difícil.
Ao sintetizar as apresentações dos dois especialistas, Bellem de Lima destacou a necessidade de a jurisprudência brasileira ter parâmetros para arbitrar eventuais conflitos envolvendo a liberdade de expressão e outros direitos. “A orientação brasileira, adotada tanto pelo Supremo quanto pelas Cortes inferiores, parece estar mais próxima do modelo europeu, ou seja, de tomar a decisão examinando caso a caso, seja pró-liberdade de expressão, seja contra ela, sem se vincular a padrões pré-definidos”, disse o professor do Insper.
A conferência contou também com um painel para apresentar o trabalho do GT LibEx InternetLab, um grupo que congrega acadêmicos e profissionais de diferentes perfis e regiões do país no esforço de contribuir para o desenvolvimento do direito da liberdade de expressão no Brasil. A ideia é contribuir precisamente com propostas para casos concretos de aplicações da legislação.