08/12/2014
O aporte de R$ 30 bilhões no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), anunciado nesta semana, deveria ser o último suspiro da política de financiamento a empresas adotada nos últimos anos, afirmam economistas e banqueiros.
Se o objetivo da nova equipe econômica é incentivar o mercado de capitais e melhorar as condições de crédito para pequenas e médias empresas, é preciso atacar em duas frentes, dizem especialistas ouvidos pelo Valor. De um lado, limitar as injeções de recursos e acabar com os juros subsidiados oferecidos pelo banco. De outro, criar mecanismos para atrair mais investidores para instrumentos de longo prazo, como as debêntures incentivadas.
As debêntures com isenção de imposto de renda para investidores e pessoas físicas são apontadas como um bom exemplo para estimular o mercado de capitais e reduzir a demanda de grandes empresas por recursos do BNDES. Porém, a avaliação é que é preciso fazer mais para esses instrumentos realmente deslancharem.
Os caminhos apontados são vários. O presidente do Credit Suisse no Brasil, José Olympio Pereira, diz que uma possibilidade seria o governo injetar recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e do FGTS em fundos de crédito privado. Assim, essas fontes – que constituem o funding do BNDES – seriam usadas para estimular o mercado. “Criaria massa crítica para esses fundos e ajudaria a atrair investidores para essas carteiras.”
Recursos do fundo de garantia já são usados para investimentos em empresas por meio do FI-FGTS. Porém, observa Olympio, eles poderiam ser destinados também a fundos que têm gestores privados.
Para Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra, não é necessário criar uma nova classe de ativos para impulsionar o mercado de capitais. “Sempre há espaço para inovações, mas não é isso que vai definir. Tem que, sobretudo, dizer que o recurso do BNDES é nobre e escasso e que não dá para todo mundo ter acesso”, diz.
Essa também é a leitura do pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) Gabriel Leal de Barros. Segundo ele, o impulso ao crédito privado virá de classes de ativos já conhecidas, como as letras financeiras e as debêntures incentivadas, à medida que o governo dê mais segurança jurídica e regulatória para esses papéis.
A julgar pela recorrência com que aborda o tema nas colunas que escreveu para o Valor ao longo de 2013, o novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tem quase uma obsessão pelas debêntures incentivadas de infraestrutura. Então à frente da Bradesco Asset Management (Bram), ele defendia a necessidade de ajustes na regulação para ampliar a adesão de investidores de menor renda a esses papéis, que têm aplicação mínima de R$ 1 milhão.
Levy defendia de forma veemente que fundos de debêntures de infraestrutura fossem negociados em bolsa, de forma a resolver dois dos principais obstáculos para o crescimento das emissões: a baixa liquidez e o pouco conhecimento do mercado brasileiro entre os investidores, principalmente os de fora do país. Em setembro do ano passado, a Bram anunciou a captação do primeiro fundo para investir em títulos de dívida, como debêntures, voltados a financiar projetos de infraestrutura.
A falta de um mercado secundário sempre foi um dos grandes entraves a esses papéis. Anos atrás, discutiu-se a possibilidade de o BNDES investir em fundos de debêntures de infraestrutura para dar liquidez. É hora de retomar essa ideia, sugere o diretor de gestão e finanças corporativas do Bank of America Merrill Lynch (BofA), Maurício Tancredi. “Hoje, não tem muito incentivo para a pessoa física investir em papéis privados porque os prazos dos títulos são longos. Alguém precisa quebrar essa inércia”, diz.
Ao estimular operações de grandes empresas no mercado de capitais, observa Tancredi, naturalmente vai sobrar mais dinheiro do BNDES para financiar pequenas e médias empresas.
A expectativa é que essas questões voltem à cena no segundo mandato de Dilma Rousseff. Conforme revelou o Valor na segunda-feira, Levy prepara um novo modelo de financiamento a empresas. Nele, grandes companhias serão incentivadas a acessar o mercado de capitais, enquanto as condições de crédito para as empresas menores serão reestruturadas.
Numa redefinição do papel do BNDES, o banco poderia estabelecer limites de participação nos projetos de grandes companhias, afirma Kawall, do Safra. “Uma empresa que tem acesso ao mercado de capitais interno e internacional pode dar mais peso a essas fontes, enquanto o BNDES ficaria dedicado mais a empresas de menor porte e de infraestrutura”, diz.
Para o vice-presidente do Insper, Marcos Lisboa, o banco poderia atuar em projetos específicos e em áreas com desafios ou que tenham falhas de mercado relevantes. No restante, o sistema privado funcionaria incentivando os aspectos competitivos. “Com o monopólio do setor público, não há como aprender com a experiência“, diz.
Lisboa ressalta que a parte mais difícil do crédito é saber para quem oferecê-lo ou os quais os preços que refletem os custos da transação e os riscos da inadimplência. “Preço errado é ruim para a sociedade. Ou induz mais crédito do que seria razoável ou penaliza quem não deveria.”
Outro ponto importante seria incentivar a redução do papel do BNDES em concessões públicas. “Tirando um pouco o time de campo, a taxa de retorno iria para um nível de fato viável e suficiente para equilibrar a viabilidade econômica dos projetos, dando mais segurança [aos investidores]”, diz Leal de Barros, do Ibre-FGV.
A equação não é simples, já que envolveria o encarecimento da tarifa final do serviço público. No entanto, o governo poderia optar por subsidiar diretamente a tarifa em vez de subsidiar o crédito, pondera Olympio, do Credit Suisse.
Além de financiar a um custo menor, o BNDES costuma ter senioridade no recebimento das dívidas por conta das garantias exigidas em seus programas. Esse é outro fator que inibe o mercado de capitais, segundo um executivo próximo de Levy. Para essa fonte, seria necessário não só elevar a TJLP, mas pensar em um mecanismo que equalizasse o banco com os outros credores.
Reduzir o tamanho do BNDES não é necessariamente imprescindível, observa João Manoel Pinho de Mello, professor titular de economia do Insper. No entanto, ele diz que o banco poderia se concentrar em setores meritórios – o que é diferente de fomentar campeões nacionais, ressalta. “Infraestrutura é [um desses setores] porque produz enormes externalidades que não são apropriadas privadamente”, afirma. “Investimento em infraestrutura será crucial para fomentar nosso crescimento.”
A necessidade de financiamento de longo prazo a projetos de infraestrutura até 2016 é calculada em R$ 1,388 trilhão, segundo a agência de classificação de riscos Fitch Ratings. O BNDES representou 86% dessa parcela de longo prazo em 2013, aponta a Anbima, associação das instituições que atuam no mercado de capitais.
Na opinião de Claudio Gallina, diretor de instituições financeiras da Fitch, é possível que, com o tempo, os investidores absorvam um volume maior de debêntures de infraestrutura. No entanto, desenvolver o mercado de capitais passa obrigatoriamente pela melhora dos fundamentos macroeconômicos. “Você pode dar ajudas pontuais, mas em linhas gerais o que faz diferença é ter uma taxa de juros mais adequada, previsibilidade, inflação menor e confiança do investidor externo”, diz.
Fonte: Valor Econômico – 05/12/2014