27/01/2015
Para Levy, benefício é ultrapassado
Em Davos, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, defendeu as mudanças no seguro-desemprego e disse que o modelo anterior estava “completamente ultrapassado”. Economistas afirmam que as novas regras ajudam no esforço fiscal, mas não melhoram a produtividade do trabalhador brasileiro.
Em entrevista ao jornal britânico Financial Times, ministro reconhece que Brasil poderá não crescer este ano
O modelo de seguro-desemprego no Brasil está ultrapassado, afirmou o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, ao Financial Times: acrescentando que serão necessários “cortes em várias áreas” para manter as finanças do governo em dia. Em entrevista ao jornal britânico durante o Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça. Levy defendeu o ajuste de benefícios, mas preservando os programas sociais do governo.
Antes, o seguro-desemprego era pago a quem tinha trabalhado por pelo menos seis meses numa mesma empresa. Agora, o trabalhador demitido por justa causa só terá direito ao beneficio se estiver há 18 meses no emprego. Na segunda solicitação, será necessário estar há 12 meses empregado. E, no terceiro pedido do beneficio, serão exigidos seis meses de emprego.
No início da noite de ontem, o Ministério da Fazenda divulgou nota afirmando que as declarações de Levy sobre o seguro-desemprego tiveram como objetivo “ampliar o debate pela modernização das regras desse benefício diante das transformações do mercado de trabalho nos últimos 12 anos.”
‘Por a casa em ordem’
Na entrevista ao “Financial Times: Levy se mostrou confiante nas reformas que pretende implementar, mas reconheceu que o país vive um período de austeridade e não descartou um ano sem crescimento: Acho que um crescimento zero não pode ser descartado como possibilidade, apesar de o PIB (Produto Interno Bruto, conjunto de bens e serviços produzidos pelo pais) do Brasil ser resiliente”.
O ministro afirmou que será preciso adotar reformas para ampliar a oferta da economia, em vez de expandir a demanda. E disse que “assim que colocarmos a casa em ordem, a reação será positiva : “0 mundo está mudando, e é hora de o Brasil mudar”, disse Levy.
Sem ganhos para a produtividade
Analistas veem ganho fiscal, mas alertam que nova regra do benefício não reduz rotatividade
A alteração nas regras do seguro-desemprego tem um caráter apenas fiscalista.
A análise pertence a um economista de tendência liberal e defensor de mudanças na legislação trabalhista. Para Gustavo Gonzaga, especialista em mercado de trabalho pela PUC-Rio e coordenador da plataforma Data Zoom, que há anos estuda a rotatividade no mercado de trabalho, os efeitos da medida serão limitados para reduzir o troca-troca de emprego e melhorar a produtividade do trabalhador do brasileiro. Além disso, as novas regras terão ainda algumas consequências indesejadas sobre o mercado de trabalho, alerta Gonzaga: a desproteção dos jovens, um aumento da informalidade e um possível rally de demissões e de acordos antes de a lei começar a valer, em março. Para ele, a estimativa do Ministério do Trabalho, de que 27% dos beneficiários deixarão de acessar o seguro-desemprego pelos novos critérios, pode até estar baixa.
– O foco foi apenas no fiscal, sé ficou no corte de gastos. Não pensaram a fundo nas implicações no mercado de trabalho – afirma Gonzaga. – Estão acabando com o seguro-desemprego para os jovens no país. Desincentiva-se o trabalhador a sair, mas não se incentiva para que fique no emprego. E os trabalhadores só vão ficar se houver treinamento – avalia, fazendo a ressalva de que está de acordo com as demais mudanças na legislação trabalhista, como as regras mais duras para pensão por morte e abono salarial.
A nova legislação terá uma economia estimada de R$ 18 bilhões por ano para os cofres públicos a partir de 2015, prevê o governo. Ou, seja, o impacto fiscal é relevante.
Gonzaga cita uma expressão inglesa muito usada por economistas em reformas institucionais, “carrots and sticks” (cenouras e porretes). No caso da mudança no seguro-desemprego, as reformas deveriam combinar prêmios (“carrots”) para se continuar no emprego com punições (“sticks”) para quem retira precocemente os benefícios, diz Gonzaga.
– Estão indo apenas pelo lado do porrete. O cerne do problema não está sendo atacado, que são os incentivos da legislação à alta rotatividade, o que gera baixa produtividade.
Mais rígidos da região
Com a mudança, segundo levanta mento do economista, o Brasil vai abandonar o posto de país mais generoso na concessão do benefício do seguro-desemprego na América do Sul para se tomar o pals com as regras mais rígidas. Ele lembra que a regra anterior de seis meses para ter direito ao benefício deixava o Brasil ao lado da Argentina como os países nos quais é mais fácil acessar o seguro-desemprego. Com a nova exigência de 18 meses, no caso da primeira solicitação, o Brasil se tomará mais rígido ainda que chilenos, uruguaios e venezuelanos.
Na maior parte dos países da América do Sul, exige-se um período de 12 meses para se obter o beneficio. No Chile, o trabalhador tem que ter 12 meses de contribuição continua ou descontinua nos 24 meses anteriores à demissão . Lá, o trabalhador não pode ter recebido o benefício mais de duas vezes nos últimos cinco anos. Na Venezuela, são exigidos 12 meses de contribuição nos últimos 18 meses anteriores à demissão.
Em 2012, havia programas de seguro-desemprego em 72 países, quase todos economias desenvolvidas e de renda média.
O economista Claudio Dedecca, da Unicamp, especialista em mercado de trabalho, também vê um esforço do governo apenas no sentido fiscal. Ele prefere classificar a alteração como “enxugar gelo; já que pode amenizar a curto prazo a despesa com seguro-desemprego, mas sem sustentabilidade, porque não ataca a alta taxa de rotatividade do mercado de trabalho brasileiro.
– Fica evidente o caráter fiscalista da medida. O efeito na rotatividade é inexistente ou residual, porque ela está ligada a alguns segmentos como construção civil, comércio. Não reverteremos essa tendência de queda da produtividade, não se recua em nada com essas medidas. Mostra falta de definição e de estratégia do governo Dilma – afirma.
Dedecca, no entanto, não vê um efeito negativo da medida sobre o aumento da informalidade no pais. Segundo ele, o crescimento populacional menor, que já tem contribuído para manter a taxa de desemprego baixa no país, pela menor oferta de trabalhadores, também restringirá o aumento da informalidade.
– Não há mudança estrutural no mercado de trabalha O crescimento da informalidade pode se acomodar de várias formas com a situação atual, qualquer crescimento do emprego de 0,5% dá conta do crescimento da força de trabalho. Não tendemos a ter um problema de informalidade, a não ser que haja uma mudança muito brusca – afirma.
Economista vê mais investimento
Já o economista Naércio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, vê efeitos positivos nas mudanças na produtividade do trabalhador.
– As despesas com seguro-desemprego subiram com a alta do salário mínimo e da formalização. A formalização é boa, o aumento do salário mínimo é muito bom, mas a rotatividade, muito ruim. Quaisquer medidas para diminuir os incentivos à rotatividade são muito bons – afirma. – Muitos jovens chegam para o primeiro emprego e é bom que saibam que vão ter mais dificuldade para conseguir o seguro-desemprego. Indiretamente, se a empresa sabe que o trabalhador vai ficar mais tempo, investe-se no capital humano. O jovem vai ter que procurar emprego rapidamente ou trabalhar na informalidade – afirma.
Fonte: O Globo – 24/01/2015