08/04/2020
Em entrevista, Breno Vasconcelos, professor do Insper, traz detalhes sobre a concepção, estrutura e principais conclusões alcançadas com esse levantamento
ENTREVISTA| CONTEÚDO SOBRE A PANDEMIA DE COVID-19 |ACESSE A PÁGINA ESPECIAL
Seguindo os esforços conjuntos de toda a Comunidade Insper para mitigar o impacto do vírus Covid-19, estamos publicando uma série de entrevistas com professores, gestores e diretores para abordar ações realizadas pela nossa escola, além de dicas e orientações nas mais diversas áreas para colaborar com a superação dos desafios deste período.
Na entrevista a seguir, Breno Ferreira Martins Vasconcelos, professor do Insper, explica o levantamento exclusivo feito pelo Núcleo de Tributação do Centro de Regulação e Democracia do Insper que mostra uma lista com 166 medidas tributárias adotadas em 43 países:
1) Como surgiu a ideia de realizar este levantamento?
A crise pegou o mundo de surpresa. Apesar dos avisos de cientistas, a rapidez com que ela escalou pressionou as administrações públicas do mundo todo a formular respostas não só às demandas sanitárias, mas também econômicas.
No Brasil, país que já caminhava lentamente para sair de uma crise econômica persistente, a dificuldade para dar essas respostas nos pareceu ainda maior, o que nos motivou a estudar a experiência de outros países no nosso campo de estudo, a tributação.
Assim, iniciamos uma pesquisa exploratória para identificar instrumentos tributários adotados por essas nações no socorro aos contribuintes. Nossa intenção foi a de disponibilizar um mapeamento detalhado e amplo de medidas que, com adaptações, possam ser adotadas pela Administração tributária brasileira nos níveis federal, estadual e municipal.
2) Como está estruturada esta pesquisa?
A pesquisa contém um mapeamento de medidas tributárias adotadas por 43 países, classificadas conforme a categoria do tributo (aduaneiro, consumo, folha de salários, patrimônio e renda) e a abrangência, que pode ser horizontal (aplicável de forma geral) ou vertical (ações focalizadas em setores ou grupos de pessoas). Executamos a primeira fase da pesquisa, em que sumarizamos esses dados para identificar as medidas mais adotadas, de um modo geral, categorizadas entre devolução de tributos, diferimento de obrigação acessória, diferimento do tributo, redução de carga tributária, redução de encargos moratórios e outros, e também para identificar quais são as medidas mais adotadas por categoria de tributo.
Na segunda fase, em andamento, compararemos esses dados com as medidas tributárias adotadas no Brasil, e analisaremos quais outras providências podem ser adotadas pelo governo brasileiro, no âmbito tributário, para proteger a liquidez das empresas durante a crise.
3) Quais são as principais conclusões alcançadas?
Nessa primeira fase, mapeamos 166 medidas adotadas pelos países e verificamos que metade correspondeu ao diferimento de tributos, seguido da redução de carga tributária e do diferimento de obrigação acessória. Essa constatação mostra que os países estão alinhados à recomendação da OCDE de que postergar o prazo de pagamento de tributos é uma das principais medidas para, de modo imediato, resguardar a liquidez das empresas, que é importante para manter os empregados e a economia em funcionamento.
Também verificamos que a maior parte das medidas abrangeu tributos sobre a renda, seguidos pelos tributos sobre consumo, o que provavelmente se deve ao fato de essa tributação incidir sobre a realidade das pessoas físicas e jurídicas regularmente, usualmente em periodicidade mensal. Assim, evitar ou postergar essas incidências mensais é uma forma eficaz de melhorar o fluxo de caixa das empresas.
4) Como este estudo pode ajudar o governo brasileiro a tomar as melhores decisões tributárias?
Com a devida adaptação à realidade tributária brasileira, a experiência internacional funciona como um valioso guia para a tomada de decisão. Assim, o governo poderá avaliar as políticas implementadas por outros países, especialmente quanto aos critérios e pessoas físicas ou jurídicas abrangidas, para estudar quais medidas são aplicáveis e gerariam efeitos rápidos, mas ao mesmo tempo sustentáveis a longo prazo, no Brasil.
5) Na sua visão, quais são as medidas tributárias mais urgentes que precisam ser tomadas em nosso país?
Imediatamente, é importante postergar o vencimento dos tributos que incidem periodicamente, como PIS/Cofins e as contribuições previdenciárias patronais, medida já anunciada pelo governo. Considerando os dados mapeados em nossa pesquisa, seria importante também postergar as antecipações mensais de tributação sobre a renda, que no Brasil existem sob a forma de estimativas mensais de IRPJ e CSLL (pessoas jurídicas) e carnê-leão (pessoas físicas).
Também é importante alterar o vencimento de ICMS e ISS, tributos sobre consumo que são devidos conforme o regime de competência, ou seja, após a emissão da nota fiscal, ainda que a fatura seja inadimplida pelo cliente. Em relação ao ICMS, essa situação é ainda mais agravada pela existência de diversas hipóteses de substituição tributária, em que o primeiro elo da cadeia fica responsável pelo recolhimento do imposto devido em todas as demais etapas.
Deve ser também observado que, ao final do período de diferimento dos tributos, as empresas provavelmente estarão em situação financeira fragilizada e ainda deverão suportar sua carga tributária corrente, de modo que o ideal seria prever a possibilidade de pagamento desses tributos diferidos em prestações.
Levantamento – Confira no levantamento completo as principais bases de tributação alteradas e os tipos de medidas implementadas.
Breno Ferreira Martins Vasconcelos é Professor da Pós-graduação em Direito Tributário e Pesquisador do Insper. Pesquisador e Professor da FGV Direito SP. LL.M em Direito Tributário pela Universidade de Bologna, Itália. Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP. Doutorando em Direito e Desenvolvimento pela FGV-SP. Advogado.
Leia também
Países adotam medidas tributárias para combater a crise econômica deflagrada pela Covid-19