28/11/2014
Após uma graduação de quatro anos, um curso de seis meses nos Estados Unidos e um MBA de dois anos, a executiva Rejane Marchiori, 40, se viu diante de tun impasse há doisanos. Promovida a uni cargo de chefia que demandava um forte traquejo em liderança, tema pouco abordado em seus cursos anteriores, ela precisava se atualizar para realizar a nova função e, justamente por causa dela, não tinha tempo de fazê-lo.
A solução foi reservar o período de ferias, juntar as economias e pagar um curso de cinco dias, orçado em US$ 6 mil, no Disney Institute – braço educacional de um dos mais famosos grupos de entretenimento do mundo.
“Viajo a cada 10 dias, em media. Fica difícil fazer um curso que comprometa muito tempo. Os cursos mais curtos possibilitam que eu continue trabalhando e me aprimorando”, diz Rejane, gerente nacional de marketing da Alphaville, incorporadora que possui condomínios de casas de alto padrão em mais de 20 estados do país. Neste ano, a executiva já fez outros dois cursos de curta duração – um deles de três dias, na Fundação Dom Cabral, e o segundo módulo da Disney Institute, ambos sobre liderança.
A advogada Fernanda Fontes, 28, trabalha na área de seguros da CPFL Renováveis e sentia muita dificuldade para entender os complexos balanços contábeis e atuariais que chegam diariamente a sua mesa de trabalho. Para suprir essa lacuna, fez um curso de finanças para profissionais não financeiros na Saint Paul, escola de negócios de São Paulo, por cerca de sete meses. A advogada conta que descartou uma pós-graduação ou MBA porque, com seu pouco conhecimento em finanças, provavelmente teria dificuldade em acompanhar as aulas.
No caso de Bruno Andrade, 55, diretor de franchising da Localiza, o curso que era um complemento acabou redefinindo sua carreira. “Um ano após a graduação, fiz um curso complementar de engenharia econômica na Dom Cabral. Nunca mais voltei para a poeira da engenharia civil”, brinca Andrade, que desde então já fez seis cursos de especialização com duração de um mês cada um.
As histórias de Rejane, Fernanda e Andrade refletem uma tendência no mundo dos negócios. Seja devido ao tempo escasso ou à necessidade de especialização em temais atuais, os cursos com até um ano de duração são oferecidos em praticamente todas as escolas de negócios. O que varia é o nome: cursos de extensão, educação executiva, aperfeiçoamento, cursos abertos, entre outros.
“Percebemos uma maior procura por cursos de curta e média duração porque o mercado de trabalho demanda conhecimento que possa ser imediatamente aplicado no dia a dia do executivo”, destaca Rodrigo Amantea, coordenador dos programas de educação executiva do Insper.
Os programas de curta e média duração atraíram mais de 1. 300 alunos para as salas de aula da instituição em 2013, um crescimento de 125% em relação ao ano anterior.
Marcos Oliveira, coordenador pedagógico da Faap Pós-Graduação, observa que os cursos de curta duração são procurados. “Normalmente, por quem já fez MBA e pós-graduação “, diz.
A gerente coordenadora da Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte, Marta Pimentel, lembra que os programas mais curtos conseguem acompanhar as temáticas atuais porque não são regulamentados pelo MEC (Ministério da Educação ). Isso significa que a grade curricular ou qualquer mudança feita nela não precisa passar pela aprovação do governo, como acontece com os MBAs, o que dá agilidade para a formação e atualização dos temas abordados.
Na FGV (Fundação Getúlio Vargas). por exemplo, um dos cursos mais procurados atualmente é o de gestão esportiva. Com duração de 12 meses, ele foi criado em 2012 com vistas à Copa do Mundo deste ano e à Olimpíada de 2016, com sede no Rio de Janeiro. O consultor Renato Vieira de Souza. 49, de Cuiabá, participou da primeira turma. “Depois disso, trabalhei na Fifa Fan Fest [evento durante a Copa do Mundo] e presto consultoria para um time de futebol do Nordeste por meio de urna associação na área esportiva que criei com os colegas de curso”, diz.
Mesmo entre os cursos curtos, é comum (e recomendado) que parte do programa seja realizada no exterior. Os intercâmbios se tornam ainda mais relevantes quando o tema abordado é a inovação, em que a troca de experiências e o acesso às teorias e aos escudos de casos mais recentes são fundamentais.
Praticamente todas as escolas de negócios do pais têm parcerias com instituições de ensino estrangeiras. Algumas delas, como a Business School São Paulo e a Anhembi Morumbi fazem parte do grupo americano Laureate, que tem uma rede de mais de 70 escolas pelo mundo. Andrade, por exemplo, fez dois cursos com imersão em universidades nos Estados Unidos parceiras da mineira Dom Cabral.
Apesar da praticidade dos programas rápidos, a psicóloga e coach Fabiane Satler, que atende executivos de empresas como ball e Serasa Experian, alerta que um currículo cheio de cursos não garante ofertas de emprego. “É preciso tornar cuidado com cursos de prateleira ou que estão na moda. Nem sempre eles agregam à atividade exercida pelo executivo. Recomendo fazer uma autoavaliação para escolher o mais adequado ao seu perfil”, diz Fabiane.
A coach destaca ainda que os cursos têm como principais pontos positivos a troca de conhecimentos e a rede de relacionamentos, mas o networking será mais eficiente se os colegas ocuparem cargos de níveis hierárquicos semelhantes e portanto tiverem experiências relevantes para colocar na roda.
O advogado e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Ronaldo Lemos, aposta que o futuro será dos cursos de curta duração com temas muito específicos e frequentemente criados em parceria com empresas. A ideia é atender à necessidade constante de capacitação criada por um mundo globalizado e com rápidas mudanças tecnológicas.
Nos Estados Unidos, essa modalidade de aprendizado foi batizada de Nanodegree. A pioneira em oferecer esses cursos é a Udacity, instituição fundada em 2011 a partir de um projeto de alunos da Universidade de Stanford, na Califórnia. “O nanodegree tem duração de seis meses a um ano e certifica o estudante em uma habilidade bem específica. Um curso com menos de seis meses não pode ser classificado como nanodegree porque não haverá tempo para se especializar”, afirma Lemos.
Parceria com empresas
A Udacity começou a oferecer neste ano um nanodegree piloto desenvolvido em parceria com a empresa de telefonia AT&T e voltado para profissionais especializados em desenvolvimento web com foco no usuário.
A instituição americana também tem projetos de criar nanodegrees para desenvolvedores de iOS (plataforma da Apple), analista de dados e desenvolvedores de internet especializados em determinadas linguagens da programação. No Brasil, ainda não há nenhuma faculdade oferecendo nanodegrees.
A procura pelos programas mais rápidos também ganha força com os questionamentos que os MBAs – que já foram vedetes no mundo corporativo -, têm sofrido. Em 2010, três acadêmicos americanos da Harvard Business School (Strikant M. Dator, David A. Garvin e Patrick Cullen) publicaram o livro Rethinking the MBA – Business Education ata Crossroads (Repensando o MBA – ensino de negócios em uma encruzilhada, em tradução livre).
A obra tem servido de embasamento para muitas instituições de ensino mudarem seus currículos e aponta como problemas o tempo de duração (em média dois anos), as mensalidades salgadas e um currículo generalista, em que temas atuais como inovação, questões sócio ambientais, mercados internacionais e outros assuntos de uma economia globalizada têm menos peso.
No Brasil, especialistas como Lemos e Gilson Schwar, professor da USP, estão entre os que veem vantagens nos cursos mais enxutos. “0 empregador valoriza o profissional com conhecimentos específicos. Em um MBA, que pode levar até três anos para ser concluído, os alunos aprendem coisas úteis e inúteis, e no mundo atual não dá para perder tempo com assuntos que não serão aplicados”. diz Lemos.
Fonte: Revista Gol – 19/11/2014.