24/01/2014
O que um bairro periférico da zona leste de São Paulo, definido historicamente como “cidade dormitório”, poderia esperar da Copa do Mundo? Na expectativa dos moradores de Itaquera, que sediará a abertura dos jogos na Arena Corinthians, se misturam animação com o comércio e os novos empregos e a preocupação com aumentos de preço, das refeições aos aluguéis.
Para os urbanistas, há dúvidas quanto aos benefícios que os jogos trarão. Em outro extremo da cidade, na zona sul, o aeroporto de Congonhas se prepara para ser a principal porta de entrada da Copa na capital. Ali, as mudanças esperadas são menores. O aperto nas esteiras de bagagem e filas para os taxis, que já existem hoje, devem aumentar com as chegada dos torcedores. Em Itaquera, os ganhos podem demorar, mas certamente virão. “Além do complexo viário que está sendo implantado, existem investimentos importantes na região, como a construção de uma Fatec, de um Senai, e de uma incubadora de empresas”, diz Cynthia Serva, coordenadora do Centro de Empreendedorismo do Insper.
De imediato, percebe-se apenas o reflexo das obras do estádio, que empregam mais de 2 mil trabalhadores e injetam ânimo ao comércio local. “Os principais investimentos terão impacto de médio e longo prazo na região. A incubadora, por exemplo, em dez anos estará gerando novas empresas, novos produtos e serviços.” Para 2020, as primeiras turmas estarão sendo formadas nessas escolas tecnológicas, mas até lá “a movimentação de pessoas, estudantes e profissionais significará uma injeção robusta para a economia”, diz Cynthia.
Espera-se que as novas oportunidades de ensino e de trabalho deem a Itaquera sua “emancipação”. “Haverá um movimento de pessoas em direção ao bairro, ao contrário do que existe hoje, quando saem para trabalhar fora”, diz. Itaquera deixará de ser um bairro dormitório para ser uma região autônoma. Já há reflexos desse aquecimento. Segundo Cynthia, “com o crescimento da renda das classes C e D, muitas famílias se mudaram para outras regiões”. Ela diz que há estudos mostrando que parte dessas famílias está retornando para a zona leste por perceberem que há oportunidades de trabalho que não havia antes. De acordo com a coordenadora, imóveis de regiões próximas aos estádios da Copa tiveram valorização de mais de 20% de um ano para outro desde que as obras foram iniciadas. O prefeito da capital, Fernando Haddad (PT), tem sido um dos porta-vozes mais otimistas no anúncio de boas notícias para a região de Itaquera. O principal foi o Programa de Incentivos Fiscais para prestadores de serviços na Zona Leste, que concede isenção por 20 anos do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) e redução de 60% do Imposto Sobre Serviços (ISS).
A expectativa é de que as empresas beneficiadas, agrupadas em um polo regional, gerem cerca de 50 mil empregos na região. Serão beneficiadas empresas de informática, educação, ensino e treinamento, hospedagem, call center e telemarketing. Além disso, haverá isenção de Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis Inter-vivos (ITBI-IV) para aquisição de imóveis para instalação de negócios na região. As interessadas têm cinco anos a partir da publicação da lei para aderir ao programa. Segundo Haddad, muitas companhias já manifestaram a intenção de se instalar em Itaquera. Um único grupo econômico teria anunciado investimentos na região capazes de gerar 50 mil empregos. “São 50 mil pessoas a menos nos metrôs, trens e ônibus que vão poder trabalhar perto da sua casa. É muita coisa”, afirma. Os terrenos próximos ao estádio devem abrigar uma filial do museu parisiense La Villette, que terá o nome de Museu da Criança, além de um centro cultural, um fórum e unidades do Sesc e do Senac.
Os equipamentos, no entanto, só devem se materializar depois que a Copa terminar, já que parte deles serão utilizados para receber estruturas complementares para os jogos. De acordo com análise da consultoria Accenture, a abertura da Copa 2014 em São Paulo oferece um potencial de cerca de R$ 30,7 bilhões em impactos econômicos para a cidade. A estimativa foi feita para um período de dez anos e os benefícios se concentram na zona leste da cidade. Para o aeroporto de Congonhas e região, o impacto dos jogos é menos grandioso. “O aeroporto é limitado em termos de serviço e carece de muito investimento”, diz Cynthia. Na sua avaliação, “os investimentos anunciados pela Infraero ficam aquém no que se refere à mobilidade”. “Investe-se pouco em infraestrutura para uma cidade como São Paulo. O próprio serviço de táxi é insuficiente.” Segundo a Infraero, investimentos importantes estão sendo feitos ali. Desde itens menores, como a troca do forro metálico no setor de check-in e substituição da iluminação por lâmpadas LED, até mudanças na configuração das salas de embarque e desembarque. As cabeceiras de pistas foram revitalizadas, aumentando a segurança dos voos. ” “A revitalização dessa sinalização, além de cumprir os objetivos de boa operacionalidade no sistema de pistas, dá atenção a um símbolo visual de Congonhas e da própria cidade de São Paulo”, destaca a superintendente de Congonhas, Eliana Akemi Kogima.
A cinco meses do pontapé inicial da Copa, o estádio do Itaquerão ainda é um canteiro de obras e as mudanças no entorno seguem em velocidade lenta.
Há poucos sinais indicando que o bairro passará pela maior transformação de sua história, como garantem os projetos. No comércio, as mudanças ainda são tímidas. Pouca coisa acontece no “corredor” de menos de um quilômetro que separa a estação do Metrô do estádio, por onde deve passar grande parte dos quase 70 mil torcedores da Copa. A menos de 500 metros da Arena Corinthians, em um terreno de 10 mil metros quadrados, a primeira fase da praça de alimentação mal saiu do alicerce. O local abrigará cerca de dez estabelecimentos e ocupará uma área de 2,5 mil metros quadrados. Um segundo projeto de quiosques, que ainda aguarda aval da sub prefeitura da região, será erguido em área de 7,5 mil metros quadrados. Ao todo serão 30 quiosques que servirão vários tipos de cozinhas. A previsão é que ambos fiquem prontos junto com o estádio. “A primeira etapa consumirá R$ 300 mil e ficará pronta antes do início dos jogos. A outra parte será concluída em seguida”, prevê Roberto Manna, presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Itaquera (CDL) e também do Núcleo de Desenvolvimento Econômico Sustentável da região.
Apesar de não esconder um certo desapontamento com o andamento dos projetos, Manna se diz otimista com o futuro da região. “O projeto para o bairro é transformá-lo no maior parque tecnológico do Brasil, agregando o comércio popular aos grandes shoppings e atraindo indústrias com a isenção fiscal.” A quase um quilômetro da praça de alimentação, um conjunto de 84 quiosques, a maioria deles administrada pelo Shopping Metrô Itaquera, ainda não sabe ao certo as reformas que farão antes do início dos jogos.
“Sabemos que nossa loja passará por mudanças, mas as reformas ainda não têm prazo para começar”, conta Valéria Cabral, gerente da Ryco Express, há quatro anos instalada no saguão de ônibus, na estação Metrô Itaquera.
A pequena lanchonete serve salgados e refrigerantes. Valéria não aposta em um crescimento vertiginoso nas vendas. “Dentro do estádio tem lanchonetes. As vendas podem ter um aumento de até 50% mas não devem dobrar”, estima. Vizinha de Valéria, a gerente do quiosque Açai Linaldo Mix, Vivian Bessa, está otimista. “Há três meses o empresário que leva o nome do quiosque abriu o comércio de olho da Copa 2014”, diz ela. “Hoje, o movimento já é intenso. Somos cinco funcionários e abrimos das 9 horas às 23 horas. Acredito que durante os jogos as vendas dobrem.
As mudanças na região de Itaquera devem chegar aos poucos, depois que os torcedores da Copa voltarem para casa.
“As pessoas não vão reconhecer essa região daqui a cinco anos”, garante o prefeito Fernando Haddad (PT). O legado dos jogos inclui desde o Museu da Criança, até unidades do Senai, Senac e Fatec. Um centro comercial deve gerar mais de 50 mil empregos e os espaços do próprio estádio serão utilizados para shows, encontros culturais e programações diversas. A principal alavanca para os negócios é a isenção do IPTU e redução do ISS para empresas que se instalarem na região, ao longo de 20 anos. Segundo Haddad, trata-se de um dos “maiores projetos de mobilidade urbana e São Paulo”, evitando o deslocamento de milhares de pessoas em busca de trabalho. “Isso pode transformar a zona leste numa cidade de verdade, trazendo para cá todos os equipamentos e oportunidades que a cidade tem a oferecer”, afirma. Cynthia Serva, coordenadora do Centro de Empreendedorismo do Insper, acredita que além do complexo viário, que reduzirá o tempo de deslocamento na região, frentes como a construção de escolas técnicas e a incubadora de empresas deverão gerar uma série de projetos nos próximos dez anos.
“O número de escolas de idioma já vem aumentando em função da Copa, movimento que vem se repetindo em outros setores”, diz. Roberto Manna, presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Itaquera e do Núcleo de Desenvolvimento Econômico Sustentável da região, também é otimista. “O projeto para o bairro é transformá-lo no maior parque tecnológico do Brasil, agregando o comércio popular aos grandes shoppings e atraindo indústrias com a isenção fiscal”, afirma. Mas somente as isenções não bastam, são necessários outros incentivos, ele ressalva. “O crescimento da região corre o risco de engasgar.” Os primeiros sinais do crescimento do bairro foram dados pelo mercado imobiliário. Um estudo de inteligência de mercado da Lopes Consultoria indica que a região recebeu 159 novos empreendimentos nos últimos três anos e tem outros 89 já previstos. No total, a zona leste recebeu 25.843 unidades distribuídas em 299 torres, que somam um volume geral de vendas de R$ 9,5 bilhões. Ainda segundo a consultoria, outro atrativo da região é o valor médio ainda bastante acessível do metro quadrado do lançamento, que gira em torno de R$ 5.930, metade do que se encontra em muitos bairros da cidade. “Com 84% das unidades vendidas, a região mantém um nível de estoque em um patamar saudável e vem ganhando cada vez mais espaço no mercado, aumentando gradativamente o número de lançamentos principalmente para atender famílias que buscam dois e três dormitórios com completa infraestrutura de lazer”, afirma Mirella Parpinelle, diretora-geral de atendimento da Lopes.
Para a vice-prefeita e coordenadora do SPCopa, Nádia Campeão, o Itaquerão deverá mobilizar uma nova economia em seu entorno. “O retorno será após o evento”, diz. O empreendimento dispõe de área para reuniões, para convenções e para exposições. E os dirigentes do Corinthians preveem que haverá atividade permanente. “Isso dinamizará toda a cadeia local de comércio”, afirma a vice-prefeita.
Veículo: Valor Econômico – 24/01/2014