14/01/2015
Conjuntura
Inflação se manteve, porém, no limite ao fim dos anos fechados, embora sempre próxima do teto de 6,5%
A presidente Dilma Rousseff conseguiu concluir os quatro anos de seu primeiro mandato sem que a inflação tenha, oficialmente, estourado em nenhum deles o teto da meta do Banco Central (BC). O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), principal indicador de preços do país, chegou a dezembro de 2014 marcando 6,41%, pouco abaixo do limite de 6,5%. Em dezembro, o IPCA foi de 0,78%.
Na prática, no entanto, em cinco dos seis meses imediatamente anteriores o IPCA esteve acima dos 6,5%. Isso ocorreu também em outros dois anos. Em 2013 foram dois meses de descumprimento e, em 2011, oito.
Déficit nos investimentos, erros na condução dos juros e gastos estatais inflados estão entre as críticas mais frequentes. Mas a briga, no entanto, é antiga, e manter o indicador dentro da tolerância é uma dificuldade que reaparece repetidamente desde que o sistema de metas foi implantado, em 1999. Nesses 16 anos que se completarem em 2015, em oito o IPCA esteve ao menos um mês fora da meta.
Em 2000, o regime de metas estava no início e o país acabara de sair da crise cambial do ano anterior. Com meta de 6% e tolerância até 8%, estourou-se o teto por um mês, janeiro. De 2001 a 2003, com os ataques terroristas de 11 de setembro, crise na Argentina e pânico financeiro depois da primeira eleição de Lula, o câmbio explodiu. Dos 36 meses, 35 ficaram acima do limite. Já de 2006 a 2010, momento de bonança interna e externa, não nenhum estouro.
“No começo da implantação das metas era de se esperar uma resistência inicial que se venceria com o tempo, além da fraqueza ainda dos fundamentos domésticos; qualquer choque lá fora tinha um impacto gigante aqui”, comenta Alessandra Ribeiro, economista da Tendências Consultoria. “Dali para frente começaria uma série de reformas importantes, foram anos de colocar a casa em ordem, com ajustes fiscais agressivos. Tudo isso foi nos deixando mais resilientes às sacudidas externas.”
Os economistas concordam que cada momento teve razões que explicam períodos de inflação alta ou sob controle. Quando se olha o quadro completo, notam-se a repetição de um mesmo problema várias vezes — o que indica a presença de problemas estruturais. “Não é possível uma situação que dure 15 anos sem que haja alguma explicação em comum por trás de tudo”, diz Priscilla Burity, analista do banco Brasil Plural.
Indexação e o peso das expectativas são os primeiros da lista, duas fortes heranças de um país com passado hiperinflacionário recente. Quanto mais alta a inflação, maiores as duas coisas, o que redunda em mais inflação novamente. “Por isso é importante manter as expectativas bem ancoradas, apontadas para o centro da meta, e ao longo desses últimos anos isso se perdeu muito”, diz Alessandra.
Otto Nogami , economista e professor do Insper, cita o déficit estrutural de investimentos. “O ideal é investir algo em torno de 20% de seu PIB. Historicamente, nossa medida gira em torno de 17%”, diz. São os investimentos que vão sustentar custos baixos e o aumento contínuo de produtividade na economia e garantir que a oferta cresça e dê conta da demanda. “E inflação não é mais do que isso”, diz, “um termômetro que mede a distância entre o desejo da sociedade de consumir e a capacidade da economia de produzir.”
Nos momentos em que tudo vai bem, como nos anos de liquidez que precederam a crise de 2009, isso se dilui e os investimentos tendem a aumentar. Mas nos momentos conturbados, a fragilidade fica exposta. Se a demanda não cai no mesmo ritmo — ou seja, sem recessão —, a inflação aparece.
Os juros são, ao mesmo tempo, a principal ferramenta de controle da inflação e, por serem altos, um dos principais entraves. Na inauguração do regime, em 1999, a meta inicial (8% e teto de 10%), foi taxada de “muito fácil” pelos críticos. O então presidente do BC, Armínio Fraga, prontamente defendeu o intervalo como contrapartida que permitia manter a redução da Selic, então em 21% ao ano. O IPCA fechou o ano em 8,94%.
Juros também afetaram o desempenho de 2003, no governo Lula, quando o então presidente do BC, Henrique Meirelles, justificou o estouro em carta oficial. Os juros encerraram 2003 em 16,5%, e a inflação, em 9,3%. Hoje, com IPCA de 6,41%, a Selic está em 11,75%.
O regime de metas foi estabelecido no Brasil em junho de 1999 e passou a valer naquele mesmo ano. Já vigorava em vários países como alternativa ao controle do câmbio na administração dos preços desde a iniciativa pioneira da Nova Zelândia, em 1991. A meta deve ser estipulada ano a ano pelo BC. De 1999 até 2003, variou diversas vezes, indo dos 8% de 1999 até 3,5% em 2002, a mais baixa. Desde 2006 se mantém em 4,5%, com banda de flutuação de dois pontos de margem para mais ou menos.
A banda de flutuação existe para contemplar variáveis econômicas. Pela teoria, é o centro que deve ser perseguido. Em alguns países, usa-se o modelo chamado “janela móvel”, que acompanha o cumprimento mês a mês. No Brasil, usa-se o ano fechado: a banda deve ser cumprida no período de janeiro a dezembro. O que acontece fora disso passa ao largo da exigência.
Sempre que a inflação fecha o ano abaixo do piso ou acima do teto, o presidente do BC deve enviar carta aberta ao ministro da Fazenda e explicar as razões do descumprimento e as medidas para regularizá- lo. Isso ocorreu em 2001, 2002 e 2003. Em 2011, o IPCA acumulou exatamente 6,5%. A taxa acumulada em 12 meses só ficou abaixo do piso em duas ocasiões: julho e agosto de 1999, os dois primeiros meses do regime.
Fonte: Valor Econômico – 12/01/2015