18/04/2022
Com a tecnologia, o comportamento em redes sociais, os dados de geolocalização dos smartphones e os hábitos de compra tendem a orientar ações comerciais cada vez mais personalizadas
Tiago Cordeiro
Em seu relatório Top Strategic Technology Trends for 2021, a empresa de consultoria Gartner apontava as principais tendências de tecnologia para o ano, organizadas em três grandes movimentos: ações centradas nas pessoas, independência geográfica e resiliência logística. Entre as ações centradas nas pessoas, citou a Internet of Behavior (IoB). Foi o suficiente para colocar a expressão no mapa, em definitivo — ela surgiu em 2012 com Göte Nyman, professor de psicologia da Universidade de Helsinque.
A Internet do Comportamento, segundo a Gartner, é a tecnologia que captura a “poeira digital” produzida pelas pessoas, a partir de uma vasta quantidade de fontes, para produzir ações comerciais mais precisas e personalizadas, ou mesmo políticas públicas para grupos específicos.
Na previsão da consultoria, 40% da população do planeta será rastreada até 2023. É o equivalente a mais de 3 bilhões de pessoas. Até o fim de 2025, mais da metade da humanidade estará sujeita a ao menos um programa baseado em IoB. Outro formador de opinião no mercado de tecnologia, a consultoria IDC, estima que, até 2025, cada pessoa conectada vai realizar uma interação com algum dispositivo de Internet das Coisas (IoT) a cada 18 segundos, gerando 90 zetabytes de dados por ano. E IoT e IoB podem muito bem ser conectadas.
Os dados podem vir dos hábitos de compra, em lojas físicas ou online. Ou ter origem nos dados de geolocalização gerados pelos smartphones, e mesmo do comportamento das pessoas nas mídias sociais que elas utilizam.
As principais redes sociais, por exemplo, já oferecem às empresas serviços de anúncios ultrapersonalizados, com base no rastreamento da interação produzida. Uma pessoa que publique fotos em restaurantes veganos, por exemplo, pode receber em seu feed anúncios específicos de produtos e serviços nessa linha.
Quem posta a respeito de suas viagens vai receber mais informações sobre promoções de hotéis, enquanto um aficionado pela prática de tênis pode ser atendido com sugestões de raquetes. Aliás, já existe um serviço para jogadores de golfe, que permite que eles visualizem suas jogadas logo após a execução e identifiquem erros e acertos. E tudo isso diretamente em um aplicativo disponível no smartphone.
O mercado publicitário também está atento a essa tendência, que está transformando os anúncios. O varejo também usa essa estratégia. Em muitos centros comerciais de grandes metrópoles, os consumidores podem utilizar o wi-fi, desde que autorizem o acesso a dados disponíveis em seus smartphones.
Assim, as lojas identificam possíveis clientes, com maior potencial de se interessar por produtos específicos, enquanto eles ainda estão do lado de fora, avaliando as vitrines. No campo do e-commerce, saber em que horários a pessoa mais utiliza a internet para procurar produtos e serviços também contribui para desenvolver ações mais precisas.
Por outro lado, a prática abre o debate a respeito da privacidade dos cidadãos. Nas redes sociais, em tese, o usuário pode configurar suas opções de privacidade, de forma que nenhuma de suas ações fique disponível para o poder público ou as empresas.
Se ele autoriza, ao menos parcialmente, o acesso a sua movimentação, passa a receber uma comunicação mais precisa, que pode beneficiá-lo com ofertas de produtos e serviços que, muitas vezes, ele não conhece ainda, mas podem se mostrar úteis de acordo com seus hábitos e suas preferências. Isso já acontece, aliás: basta permanecer alguns minutos navegando entre páginas de sapatos para começar a receber anúncios de produtos do gênero.
Não é apenas o marketing e o varejo que prestam atenção a essa tendência. Os dados geoespaciais têm grande utilidade para o setor público, por exemplo. Uma estimativa da IBM aponta que 80% de todos os 2,5 exabytes gerados diariamente em Big Data são geográficos. Viabilizam monitorar movimentos migratórios, prevendo demanda por serviços públicos em determinadas áreas, no curto, médio e longo prazo — esses dados podem municiar a decisão de construir novas escolas ou postos de saúde, obras de grande porte que demandam investimentos também na atração de novos profissionais. Durante epidemias, podem apontar a direção, em termos geográficos e de perfil social e etário, em que as doenças avançam, otimizando os esforços de contenção.
A produção acadêmica é outra área que tende a ganhar com o uso da tecnologia, especialmente em pesquisas que mantêm contato com a sociologia e a psicologia. No lugar de questionários e entrevistas em que a pessoa relata suas experiências e rotinas de forma subjetiva, torna-se possível produzir estatísticas muito mais precisas. A psicologia, aliás, é crucial para garantir a melhor utilização dos dados gerados pela Internet do Comportamento — esta é uma nova frente de trabalho para os profissionais da área, e que tende a ganhar espaço nos últimos anos.
Na mesma direção, na medida em que deixa de se apoiar apenas em relatos pessoais, que podem ser enviesados, a medicina também tem muito a ganhar com a capacidade de combinar IoB com IoT.
Enquanto sensores podem medir padrões de sono, nível de açúcar e colesterol no sangue e frequência respiratória e cardíaca, a Internet do Comportamento permite identificar padrões de dieta e de sono. Possibilita, assim, viabilizar ações preventivas mais eficazes. O mesmo raciocínio se aplica a seguradoras, que podem estimar os valores de planos de saúde, ou seguros automotivos e residenciais, a partir do monitoramento do comportamento dos clientes.
Também tem o poder de influenciar na gestão interna das empresas: outra expressão muito em voga, afinal, além de “experiência do consumidor”, e “experiência do paciente”, é “experiência do colaborador”. Com georreferenciamento, é possível, por exemplo, mudar a disposição de um refeitório, de forma a reduzir o deslocamento. E o uso das ferramentas internas de comunicação pode gerar insights valiosos sobre a opinião do funcionário a respeito dos serviços oferecidos pela companhia – uma estratégia especialmente útil para os casos de home office.