16/11/2017
Especialistas analisam os papéis da Justiça e da sociedade e os desafios da ética e da transparência.
A corrupção e como combatê-la é tema central do debate político, empresarial e nos meios de comunicação nos últimos anos no Brasil, principalmente depois da Operação Lava Jato, que investiga os principais crimes de corrupção no País desde 2014. Hoje a operação já está em sua 45ª fase e originou diversas outras investigações paralelas.
Juristas, profissionais de Comunicação, especialistas em Compliance e acadêmicos discutiram os impactos econômicos nas empresas privadas, o papel da mídia e a legislação existente hoje para se coibir a essas práticas criminosas, no encontro “Ética, mídia e transparência: os desafios atuais no combate à corrupção”.
O juiz federal Sérgio Moro fez a abertura do evento em vídeo, defendendo reformas no Judiciário que aumentem a efetividade da Justiça e diminuam a corrupção, mas reforça que esse é um tema que não pode ficar restrito apenas na aplicação de leis. Moro alerta que o combate à corrupção não é só tarefa do Judiciário, mas de toda a sociedade.
A opinião do juiz federal é compartilhada pela professora do Insper e especialista em Direito Penal Econômico Marina Pinhão Coelho Araújo. “A lei de improbidade administrativa tem 25 anos e acabamos de ver os maiores casos de corrupção. A punição da corrupção não se fará pela lei, mas sim pela sociedade. Começando pelo entendimento de público e privado, de direitos e deveres”, acredita.
A pesquisa de opinião pública Latinobarômetro, realizada em outubro, destaca que o tema corrupção é a principal preocupação dos brasileiros. O estudo indica a urgência de se debater a legislação, que apresenta muitas falhas e pouco fez para combater os casos de corrupção na política. Um consenso entre os especialistas.
“Segundo a Latinobarômetro, 97% dos brasileiros acreditam que os políticos governam em prol de si mesmos. Esse dado reforça a importância de discutirmos a construção de caminhos para que a sociedade possa colaborar com políticas públicas que revertam esse quadro”, analisa Roberto Levianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção.
Nesse ponto, a Lei Anticorrupcao, de 2014, apesar de mais recente, tornou-se mais efetiva no combate à corrupção, por agir mais junto às empresas, do que a políticos.
Isabel Franco, sócia da área de Anticorrupção, Compliance e Investigação do KLA-Koury Lopes Advogados, destacou que antes mesmo da Lei Anticorrupção ser assinada e entrar em vigor já existia um movimento nas empresas para estabelecer normais mais rígidas de compliance, pois essas diretrizes já eram vistas como fundamentais para fechar contratos com companhias internacionais. “Apesar das empresas estrangeiras duvidarem que a Lei Anticorrupção fosse funcionar de forma efetiva no Brasil, independentemente da lei, já havia um ambiente criado para que a lei fosse efetiva.”
“É preciso agregar punições em um único acordo, dando segurança às empresas e efetividade ao Ministério Público”, defende Carlos Fernando dos Santos Lima, procurador da Lava Jato. Na sua opinião, é preciso ter mudanças na lei de 2014, pois as instituições têm entendimento diferentes sobre os acordos firmados e acabam entrando em oposição que podem validar acordos já feitos.
A clareza dos acordos e alinhamento entre as instituições também foram pontuados por Sandro Cabral, professor associado ao Insper. “Precisamos estabelecer protocolos que deem clareza para que empresas possam investir no Brasil. Como explicar para investidores estrangeiros que um acordo assinado por uma instituição possa ser questionado por outra”, questiona.
Os participantes destacaram que as maiores dificuldades se dão principalmente pelo grande volume e complexidade de casos, o envolvimento de nomes importantes de políticos e empresários brasileiros, alta soma de dinheiro, além do imediatismo pedido hoje pelas novas mídias, que têm cobertura quase que em tempo real.
O diretor de redação do jornal Folha de S. Paulo, Sérgio Dávila, acredita que os acordos de delação premiada – em que uma pessoa envolvida de alguma forma em casos de corrupção se antecipa à intimação do Poder Público para trocar informações por penas mais brandas – mudou bastante a lógica das entrevistas exclusivas que garantiram, no passado, os furos jornalísticos.
“Se fosse hoje, o deputado Roberto Jefferson não teria denunciado o esquema do Mensalão em uma entrevista exclusiva para a Folha de S. Paulo como fez em 2005. Ele teria tentado uma delação premiada”, pontua.
Além da transformação na cobertura política, os novos mecanismos legais para coibição da corrupção no Brasil evidencia a responsabilidade da imprensa na correta apuração dos fatos. É importante ouvir todos os lados e conciliar o direito à informação ao direito de proteção da intimidade do acusado, como destaca Diego Escosteguy, editor-chefe da revista Época.
O impacto da indústria da informação é reforçado também pela transformação que a internet gerou nos últimos anos. Com notícias misturadas a opiniões, muitas vezes postadas em blogs e redes sociais sem a devida apuração, as informações parecem mais acessíveis, mas informar-se corretamente é um desafio. O termo fake news, cunhado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, correu o mundo por sintetizar essa outra realidade social.
“A imprensa precisa resistir à histeria das redes sociais por um jornalismo que faça a reflexão necessária sobre os fatos”, alerta Fenando Schüler, professor titular da Cátedra Insper.
O encontro “Ética, mídia e transparência: os desafios atuais no combate à corrupção” foi realizado pela Cátedra Insper com o Instituto Não Aceito Corrupção e Palavra Aberta em parceria com o Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial (IBDEE) e o Instituto de Relações Governamentais (IRELGOV) no dia 31 de outubro.
Com três painéis, o evento teve a participação de Fábio Medina Osório, consultor jurídico e ex-advogado geral da União; André Castro Carvalho, doutor em Direito e associado ao IBDEE, Marina Pinhão Coelho Araújo, professora do Insper e especialista em Direito Penal Econômico; Diego Escosteguy, editor-chefe da revista Época; Sérgio Dávila, editor-executivo da Folha de S.Paulo; Fenando Schüler, professor titular da Cátedra Insper; Isabel Franco, sócia da área de Anticorrupção, Compliance e Investigação do KLA-Koury Lopes Advogados; Carlos Fernando dos Santos Lima, procurador da Lava Jato; Sandro Cabral, professor associado ao Insper; Roberto Levianu, idealizador do encontro e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção; Patrícia Blanco, presidente executiva do Instituto Palavra Aberta; e Kelly Aguilar, conselheira do IRELGOV.