23/08/2019
Objetividade, transparência, equidade e simplicidade são pontos de destaque para que o sistema tributário brasileiro deixe de ser um dos mais complexos e difíceis do mundo
O sistema tributário brasileiro é um dos mais complexos do mundo. De acordo com o projeto Global MNC TaxComplexity, desenvolvido pelas universidades alemãs LMU Munich e University of Paderborn, somente países como Zimbábue, Albânia e Etiópia apresentam modelos mais complicados que o do Brasil.
As causas dessa complexidade são conhecidas. A disfuncional segregação da tributação do consumo na Constituição é um exemplo. Espalhada entre vários níveis da federação, resulta na fragmentação da incidência entre produtos industrializados, mercadorias e serviços, induzindo a uma organização ineficiente das atividades empresariais. O desajuste tem gerado altos índices de contencioso e custos de conformidade nos últimos anos. O resultado disso é a redução da produtividade nacional e uma enorme insegurança jurídica.
Em um cenário assim, a Reforma Tributária vem ganhando espaço no noticiário e protagonizando o debate político e econômico do país. O Insper convidou especialistas e alunos para a discutir o tema com o encontro “Reforma Tributária: Mitos e Verdades”. O debate contou com a participação de Marcos Lisboa, presidente da escola, Vanessa Rahal Canado, coordenadora da pós-graduação em Direito do Insper, Melina Rocha Lukic, professora doutora da York University e autora do livro “Reforma Tributária: Ideias, Interesses e Instituições”, e Eurico Marcos Diniz de Santi, professor da Fundação Getúlio Vargas e membro do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF).
“A reforma tributária é essencial para que possamos retomar a produtividade no Brasil. Se as empresas não sabem claramente quais são as regras tributárias, como elas investirão? Hoje, empresas como bancos e grandes varejistas estão deixando o país,” comenta Marcos Lisboa. “Para enfrentar a falta de recursos, a Receita Federal busca aumentar a arrecadação por meio de novas interpretações de regras”, lamenta.
Para Melina Lukic, a complexidade do sistema tributário também é fruto de uma divergência improdutiva entre o Direito e a Economia. Segundo ela, a política tributária brasileira, desde a década de 60 até a última proposta de reforma, tem sido centrada na ideia de juristas que desconsideravam a economia para criar os tributos. “Em vez de criarmos um modelo tributário com lógica econômica, fizemos ao contrário. Criamos as regras da política tributária a partir de teorias do direito e só depois vimos as consequências práticas na economia. Ao meu ver, a centralidade no jurista foi a grande causa da complexidade do sistema que temos hoje”, analisa Lukic.
Vanessa Rahal Canado concorda, mas vê com otimismo os últimos acontecimentos, especialmente a reforma proposta pelo CCiF. Ela destaca que, pela primeira vez, a reforma tem recebido mais apoio do que o esperado. “Acredito que grande parte do acerto dessa proposta de reforma é resultado de muito estudo dos sistemas de outros países, além da junção de juristas e economistas.”
Para Eurico de Santi, o principal é garantir a transparência para o contribuinte. “Nosso desafio é resgatar a transparência para que os contribuintes saibam quanto estão pagando de tributos. Dar a eles a visibilidade da relação entre Direito, Economia e Política significa empoderá-los, já que são os verdadeiros titulares do ônus da carga tributária. Assim, garantimos o exercício da cidadania fiscal”, diz.
Propostas
A proposta de Reforma Tributária apresentada pelo CCiF prevê a unificação de cinco tributos –ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins – em um único imposto do tipo IVA (Imposto sobre Valor Agregado), denominado IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).
O Brasil já tentou inserir o modelo de imposto tipo IVA três vezes, sem sucesso. Portanto, a proposta de migração do modelo de tributação para o tipo IVA não é original. A novidade está no padrão de transição tanto para as empresas, que teriam uma transição progressiva ao longo de dez anos, quanto para a distribuição federativa da receita do IBS, que teria transição de 50 anos. Além de não alterar a carga tributária, o modelo permite minimizar muitas das resistências encontradas em propostas anteriores. Outra novidade é a proposta de substituição do atual modelo de partilha e vinculações constitucionais de receita por um modelo em que a alíquota do imposto é composta por várias alíquotas singulares, não afetando a distribuição atual das receitas, mas reduzindo muito a rigidez orçamentária.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) também desenvolveu um modelo baseado no IVA, assim como o CCiF. A diferença é que a proposta do IPEA é de um IVA Dual, implementado de maneira modular, em três fases, começando no nível federal e depois passando para os níveis estadual e municipal. No nível federal, propõe-se a adoção de duas medidas: substituição do PIS e da COFINS por um imposto ou contribuição sobre o consumo e transformação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em um imposto seletivo. Nas esferas estadual e municipal, a proposta defende a migração do ICMS para um IVA estadual, além da criação de um imposto seletivo e do Imposto sobre Venda a Varejo (IVV), compartilhado entre estados e municípios. A terceira etapa consistiria na harmonização completa do IVA federal com o IVA estadual. Nesta fase, os estados poderiam optar pela adoção do regime harmonizado, passando a tributar sob mesma base e regras da contribuição federal, com uma alíquota a ser escolhida pelo Estado.
“Tendo em vista o histórico das tentativas de reforma e os grandes embates entre federação e estados, acreditamos que a implementação de uma reforma modular seja a melhor solução”, conclui Lukic.