A Sessão Especial Mês do Orgulho LGBTQIAP+ apresenta o premiado documentário “Bixa Travesty”, com Linn da Quebrada
Leandro Steiw
Corpo e alma são palavras que se unem numa expressão que significa aquele que se apresenta inteiramente e sem reservas. Curiosamente, a sociedade costuma debater mais confortavelmente as possibilidades da segunda do que a realidade da primeira. Um pouco por isso o documentário Bixa Travesty acerta ao apresentar Linn da Quebrada como um corpo político, um poderoso contra-ataque aos estereótipos de gênero, raça e classe social. O filme será a atração da Sessão Especial Mês do Orgulho LGBTQIAP+ do Insper Cineclube, no dia 29 de junho, às 18h, no Auditório.
Linn da Quebrada fez mais do que atuar em Bixa Travesty — contribuiu na redação do roteiro com os diretores Kiko Goifman e Claudia Priscilla. O que enche o documentário de uma autenticidade que poderia ter se perdido na dramatização. É ela que está em frente à câmera, seja no palco, seja no contato íntimo com a mãe. Seja no corpo, seja na alma, quaisquer que sejam as definições humanas concedidas às palavras. Mas, enfim, é ao corpo que vemos que direcionamos todas as nossas agressões. Assim, o corpo adquire a força política que Linn anuncia desde o início da película.
Em Bixa Travesty, Linn mostra que está apaixonada pelo seu corpo de negra, periférica e transexual. Lá pelo meio do filme, ao recordar o Lino que virou Lara que virou Linn, fala da sua transição como “os cacos de um espelho onde antes se refletia o homem; o homem feito à imagem e semelhança de Deus”. Alguma declaração pode ser mais política do que essa?
Outras incertezas ao corpo permanecem, como seios e pelos, por exemplo. Ao espectador, diante de uma artista que domina versos em estruturas melódicas tão simples, a identificação é certa: viver é cercado de dúvidas, mas também é pensar sobre elas. Vale ainda perceber uma segunda força que emerge da presença de Jup do Bairro, a rapper que foi parceira artística de Linn e que mais vezes compartilha cenas em Bixa Travesty.
Evidentemente, a mensagem política não deve ser desconsiderada. Mas é impossível não ver o documentário sob a perspectiva do afeto. Uma afeição que todos buscam e que, para alguns gêneros, raças e classes, parece mais bem aceita pela sociedade. Não deveria ser. Bixa Travesty ajuda a compreender por quê.
O filme foi lançado no Festival de Cinema de Berlim, na Alemanha, em fevereiro de 2018, no qual ganhou o prêmio Teddy de melhor documentário. Posteriormente, foi indicado a mais duas dezenas de troféus em eventos brasileiros e internacionais.
Para ver um trailer, clique aqui.
Três curiosidades sobre “Bixa Travesty”
1. Troca letras
O título Bixa Travesty enrolou a cabeça dos correspondentes estrangeiros no lançamento do documentário, no Festival de Berlim. A versão internacional ficou Tranny Fag, que pode ser traduzida como o nome original, mas perde no jogo de letras.
2. Ela na pele
A decisão de tatuar a palavra “Ela” acima da sobrancelha teria sido tomada depois de uma cena do documentário, na qual a mãe de Linn a chama de “ele”. Depois das filmagens, Linn também fez as tatuagens no ombro, sobre as cicatrizes do tratamento contra o câncer.
3. Tempos mesquinhos
Bixa Travesty foi eleito melhor longa-metragem pelo júri popular do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em setembro de 2018, mas deixou de receber o prêmio em dinheiro concedido pela Petrobras depois da posse do presidente Jair Bolsonaro, em janeiro de 2019. Assim, o lançamento em rede comercial no Brasil só aconteceu quase dois anos após a estreia em Berlim.