10/12/2015
Inflação de dois dígitos. E agora?Índices de preços ultrapassam o patamar dos 10% e devem seguir pressionados em 2016. Série com cinco capítulos mostra como a alta generalizada e persistente dos custos agrava a crise econômica
OS VILÕES DA ESCALADA DA INFLAÇÃO
Flavia Alemi &
Ian Gastim
Disparada dos preços administrados, como energia e combustíveis, levou o IPCA a romper a barreira dos dois dígitos no acumulado em 12 meses; índice não fecha o ano acima de 10% desde 2002
2015 está sendo um ano de “tarifaço”. Os chamados preços administrados são os principais responsáveis pela volta da inflação ao patamar de dois digitos, o que não se via há 13 anos. Esses itens controlados pelo governo – como energia, gasolina, gás de cozinha e plano de saúde – devem encerrar o ano com uma alta média de quase 18%. Apenas a eletricidade subiu 50,49% até novembro.
Com isso, o IPCA já ultrapassou a barreira dos 10% no acumulado em 12 meses. O IPCA-15, considerado uma prévia do índice oficial, também superou os dois dígitos. E o mesmo ocorreu com o IGP-M, índice que reajuste os aluguéis.
Estabelecidos por contrato ou por órgão público, os preços administrados ficaram represados entre 2012 e 2014. O governo só tirou o atraso esse ano, após a mudança na equipe econômica. O problema é que esses itens têm o poder de puxar todos os preços da economia para cima, do pãozinho ao cabeleireiro, e isso dá início a uma espiral inflacionária.
“Essa inflação de dois dígitos é, na verdade, uma correção de preços. Havia uma série de reajustes que não haviam sido dados e que, em algum momento, teriam de entrar na conta”, comenta Maria Andreia Parente Lameiras, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Vilões da inflação
Itens controlados pelo governo tiveram fortes reajustes esse ano
O economista do Itaú Unibanco Elson Teles explica que o reajuste dos itens represados causou um forte repasse para os preços dos serviços, que subiram 8,34% no acumulado em 12 meses até novembro. “A energia teve um impacto muito forte nos custos, o que aumentou a pressão inflacionária”, destaca Teles.
O efeito disso é que, mesmo com a economia desaquecida, os preços do setor não dão tregua. “Essa inflação de serviços só vai ceder quando a crise se apronfundar no mercado de trabalho”, prevê Fábio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC).
Fiscal. O desequilíbrio nas contas públicas, segundo os especialistas, também contribui para a escalada dos preços em 2015. Isso ocorre porque o aumento dos gastos do governo injeta dinheiro na economia, o que estimula a demanda e, por fim, acaba gerando inflação na ponta da cadeia.
Mais do que o aumento dos juros, portanto, a redução das despesas públicas seria hoje o melhor instrumento de controle de preços. Isso é o que defende o professor do Insper João Luiz Mascolo: “Só há uma saída, que é dar um forte corte nos gastos públicos. Mas, com esse clima no Congresso, de impeachment, como o governo pode fazer isso?”
Inflação no ano
Desde que o Brasil adotou o regime de metas de inflação, em 1999, o teto só foi estourado em 2001, 2002 e 2003
Com uma base de apoio fragilizada, a presidente Dilma Rousseff não teve condições de aprovar as principais medidas de ajuste e, com isso, a dívida bruta do setor público já alcança 66,1% do Produto Interno Bruto (PIB).
A deterioração das contas e a crescente instabilidade política tiveram sérias consequências. Entre elas, o rebaixamento da nota de crédito pelas agências de classificação de risco. Na avaliação da Standard & Poor’s, o Brasil já faz parte do grau especulativo.
Isso gerou forte saída de dólares do País e a cotação da moeda americana disparou – chegando a bater R$ 4,14 em setembro. Apenas esse ano, a divisa acumula valorização de cerca de 40%. Logo, importar máquinas e insumos ficou bem mais caro, o que foi repassado diretamente ao consumidor.
E em 2016, a expectativa é de que a inflação siga pressionada, podendo fechar, novamente, acima do teto da meta, de 6,5%. Elson Teles, do Itaú, afirma que um pedaço do ajuste dos preços administrados permanecerá no próximo ano, apesar de não ter a mesma magnitude.
“Estamos projetando uma taxa de 7% (para o IPCA), mas depende de fatores como o câmbio”, pondera Teles. Os analistas consultados semanalmente na pesquisa Focus veem a inflação a 6,64% no ano que vem e até o Banco Central, na última ata do Copom, admitiu que a busca pelo centro da meta ficou apenas para 2017.
COM O ROMPIMENTO DA META, BC TERÁ DE SE EXPLICAR
Em 1999, o governo federal adotou o sistema de metas de inflação para dar um sinal claro ao mercado. O objetivo era apontar o quanto de variação do IPCA o Banco Central estava disposto a tolerar. Desde então, em caso de descumprimento da meta, o presidente do BC deve justificar publicamente os motivos que levaram a isso.
A carta aberta deve conter uma descrição detalhada das causas que levaram ao estouro do teto, seguida de uma lista de providências para que a inflação retorne aos limites estabelecidos. Por fim, é preciso que o presidente do BC apresente um prazo para que tais providências surtam efeito.
Em 17 anos, presidentes do BC tiveram de redigir esta carta aberta, encaminhada ao ministro da Fazenda, em três ocasiões. Em 2001, Armínio Fraga justificou a Pedro Malan que o teto da meta, de 6%, havia sido estourado em 1,7 ponto porcentual devido a “choques externos e internos” que atingiram a economia brasileira.
No ano seguinte, foi a vez de Henrique Meirelles explicar a Antonio Palocci. Apesar de o IPCA não ter sido estourado durante a gestão de nenhum dos dois, a carta foi redigida apenas em janeiro de 2003, quando Fraga e Malan já haviam deixado o governo. No texto, Meirelles explica que houve uma “crise de confiança” na economia brasileira em 2002 devido à corrida presidencial, a qual levou Lula ao poder.
Já em 2003, o IPCA fechou em 9,3%, acima do limite ajustado de 8,5%. Originalmente, o teto estava estabelecido em 6,5%, mas uma resolução do BC elevou o limite em dois pontos porcentuais. Mesmo assim, a inflação estourou e Meirelles teve de dar novas explicações a Palocci. Esse ano, o atual presidente do BC, Alexandre Tombini, se prepara para fazer o mesmo.
Fonte: Estadão.com – 07/12/2015