07/03/2018
Michel Temer (MDB) é o primeiro presidente da história do país a ter seus dados bancários abertos após uma decisão judicial. A determinação da quebra do sigilo foi dada pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luis Roberto Barroso, a pedido da PF (Política Federal), no âmbito do inquérito sobre o chamado “decreto dos portos”. Porém, especialistas ouvidos pelo UOL dizem que o levantamento das informações do emedebista pode não ser determinante no rumo das investigações.
Esse inquérito investiga um suposto favorecimento do presidente, em troca de propinas, à empresa Rodrimar em um decreto sobre o setor portuário. A quebra do sigilo determinada por Barroso compreende o período entre janeiro de 2013 e junho de 2017 e tem por objetivo verificar se nos dados bancários de Temer há movimentações que possam indicar recebimento de vantagem ilícita. A PF apura se Temer praticou os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
“A movimentação financeira de uma pessoa física ou jurídica acaba dizendo muito sobre o comportamento, se [ela] de fato recebeu algum valor, de quem recebeu. E aí verificando, cruzando informações de quem envia dinheiro, de quem recebe, às vezes se consegue trazer elementos bastante relevantes para a investigação”, aponta o professor de Direito do Insper Eduardo Montenegro Dotta, que ministra uma disciplina sobre sigilo bancário no Insper.
Ele observa, porém, que em casos de corrupção, “seja quem for o envolvido”, dificilmente o acusado terá indicado a própria conta bancária como destinatária de um pagamento indevido. A quebra do sigilo nesses casos, portanto, pouco auxiliaria as investigações.
“Vai se quebrar o sigilo, vai ter acesso às informações, quanto a pessoa tem em dinheiro, suas aplicações. Mas isso não vai agregar muita coisa para a investigação se o dinheiro não tiver migrado para uma das contas bancárias da pessoa investigada”, afirmou.
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O criminalista Renato Stanziola Vieira, membro da diretoria do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), ressalta que a quebra é apenas mais um “meio de obtenção de provas” e que pode ser ou não efetiva. “É uma forma de a investigação produzir informação, e não há antecipação se isso vai ser eficaz ou não”, salientou.
Já o advogado criminalista João Paulo Martinelli, professor de Direito do IDP-SP, lembra que o sigilo bancário é um direito baseado na Constituição Federal e só pode ser violado pelo Estado se houver uma “razão forte” para isso.
“No caso de haver uma suspeita de crime de corrupção passiva, a investigação vai buscar todos os meios possíveis para constatar que essa vantagem foi paga. Se não tiver provas que esse dinheiro foi em espécie, verifica-se se houve transferência bancária. Tem que ter indícios mínimos de que houve essa entrega de vantagem indevida [para que seja autorizada a quebra]”, afirmou.
Em 2014, Michel Temer declarou, como candidato a vice-presidente na chapa da então presidente Dilma Rousseff, ter um pouco mais de R$7,5 milhões (R$ 9,4 milhões, em valores corrigidos). Desse valor, quase R$ 6 milhões (hoje, R$ 7,4 milhões) diziam respeito a fundos de investimento, valores em conta corrente, aplicações financeiras, quotas em empresas.
Segundo dados do Portal da Transparência, Temer recebe R$ 22.100 por mês como procurador aposentado do Estado de São Paulo e, até novembro do ano passado, tinha um salário bruto de R$ 30.900 como presidente – tendo recebido naquele mês apenas R$ 8.000, para que seus rendimentos se ajustassem ao teto dos servidores públicos.
O presidente Michel Temer prometeu na segunda-feira (5) disponibilizar à imprensa os dados bancários das suas contas referentes ao período solicitado pela Justiça e disse, em nota, não ter “nenhuma preocupação com as informações constantes em suas contas bancárias”.
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Apesar de as informações bancárias serem parte sigilosa em inquéritos, Temer tem o direito de abrir mão do sigilo e divulgá-las, explicam os especialistas.
“Se existe uma ação entre duas ou mais pessoas e [elas] têm o sigilo quebrado, é obrigação do Poder Judiciário preservar essas informações decretando o sigilo do processo”, afirmou Dotta.
“Os dados bancários são resguardados pelo sigilo, mas o titular pode abrir mão dele se assim desejar. O que ele não pode é repassar informações de terceiros que constam no inquérito”, acrescentou Vieira.
Para Dotta, pode ser bom para Temer ter os dados abertos. “Se a pessoa não teme o sigilo bancário, vai ter a oportunidade do contraditório, de mostrar a conta e dizer ”não tenho esse valor””, avaliou.
A quebra do sigilo bancário de Temer foi autorizada mais de dois meses após Barroso já ter determinado a mesma medida sobre outros investigados, atendendo a um pedido da PGR. Além do presidente, são investigados:
Rodrigo Rocha Loures (MDB-PR) – o ex-deputado e ex-assessor de Temer;
Antonio Celso Grecco – dono da Rodrimar;
Ricardo Mesquita – diretor Rodrimar e membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira dos Terminais Portuários.
João Baptista Lima Filho, coronel aposentado da Polícia Militar de São Paulo e amigo de Temer, apesar de não constar do rol de investigados, também teve os dados bancários abertos. O nome dele é citado diversas vezes em relatórios da PF no inquérito. Na empresa dele, a Argeplan, a PF apreendeu um projeto de reforma de imóvel com nome Maristela Temer, filha do presidente, e um recibo de pagamento em nome dela, o que poderia indicar a dissimulação de vantagens indevidas.