16/04/2018
LICENÇA PARA SEGUIR TRABALHANDO Quase metade das profissionais se demite ou é demitida quando volta da licença-maternidade. Para enfrentar esse problema, homens e mulheres precisam encarar o cuidado dos filhos da mesma maneira Por Nina Neves Renata Marzochi, de 36 anos, coordenadora de TI, adorava seu trabalho e se dedicava à carreira com muito empenho, cursos e disponibilidade para viagens.
Ao mesmo tempo, desejava ser mãe. Tentou algumas vezes, mas não engravidou. Até que um dia, inesperadamente, descobriu que estava grávida. Feliz, contou a novidade aos chefes e tudo que recebeu foi urn olhar gélido.
“Não me deram nem parabéns”, diz Renata. Ela tocou o barco. Continuou trabalhando da mesma forma, mas pediu à empresa que levasse em consideração sua segurança e seu bem-estar nas viagens que precisaria fazer nesse período. “Tive eu mesma de pedir que só me mandassem para cidades com estrutura e estradas asfaltadas.” Em maio de 2016, Renata deu à luz Larissa e ficou afastada durante cinco meses.
No dia em que voltou a trabalhar, sua gestora a levou até uma sala onde já estava a diretora de recursos humanos. Foi demitida. “Eu estava sofrendo por deixar minha filha pela primeira vez, mas feliz por retornar ao trabalho que sempre foi importante para mim.
De repente, não sabia quem eu era.” Renata faz parte da estatística. De acordo com uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas, quase metade da força de trabalho feminina do Brasil é demitida ou se demite no decorrer do primeiro ano do filho. Para Cecilia Machado, professora na Escola Brasileira de Economia e Finanças da FGV e uma das autoras do estudo, a explicação para esse número é mesmo a existência do bebê.
“0 papel de cuidar da criança é associado às mulheres, e isso está 72 ABRIL DE 2018 VOCE S/A roTO, FABIAN ACORSSI Renata Marzoctii, coordenadora de TI: dernissão no dia em que voltou da Licença-maternidade IMulheres Percentual de profissi( desempregadas um an depois do início da licenca-maternidade Percentual de profissionais desempregadas um ano depois do início da licença-maternidade afastadas MULHERES COM ESCOLARIDADE INFERIOR AO ENSINO FUNDAMENTAL COMPLETO 51% MULHERES COM ENSINO FUNDAMENTAL COMPLETO 53% MULHERES COM ENSINO MÉDIO COMPLETO 49% MULHERES COM ESCOLARIDADE ACIMA DO ENSINO MÉDIO 35% FONTES PESQUISA ucznA MATERWIDADE E SUAS CONSEQUENCIAS NO MERCADO DE TRASALHO DO BRASIL, DA M relacionado à queda da participação feminina no universo do trabalho”, afirma Cecilia.
Contudo, detalhes das motivações que levam à quebra de vinculo não são claros nem sequer dá para confiar nos dados de demissões.
“Algumas profissionais pedem para ser demitidas, contando nos indicadores como dispensa por parte do empregador.” Questão de escolha? Muitos desligamentos são vistos como opção pessoal, mas essa pode ser uma ideia equivocada.
“Numa família com pai e mãe, ao fazer as contas e ver que a mulher ganha menos e que socialmente é da mulher a responsabilidade de cuidar dos filhos -, é ela que sai do emprego”, diz Anne Rammi, designer e autora do Mamatraca, blog especializado em conteúdo para mães.
“Chamo isso de falsa escolha .” YOU S/A ABRI1 OE 2018 73 CARREIRA ITrês atitudes que as companhias e os profissionais podem adotar para criar um ambiente acolhedor para quem tem filho Evitar o preconceito A EMPRESA DEVE MOSTRAR QUE O CUIDADO COM AS CRIANÇAS E DO PAI E DA MÃE, E OFERECER LICENÇA-PATERNIDADE ESTENDIDA E BENEFICIOS PARA AMBOS OS SEXOS, COMO FLEXIBILIDADE DE HORÁRIO, HOME OFFICE E CRECHE (OU AUXILIO-CRECHE).
Formar redes AS MAES PODEM CRIAR GRUPOS DE DISCUSSA0 PARA CONVERSAR SOBRE OS DESAFIOS E PARA ENFRENTAR PRECONCEITOS. Estimular a ompatia SE NECESSÁRIO, USE COMPARAÇÕES. Um FUNCIONÁRIO QUE SOFREU UM ACIDENTE E PRECISA FICAR AFASTADO MAO DEMITIDO NEM MALVISTO POR ISSO.
A LI ENÇA-MATERNIDADE, UM AFASTAMENTO PLANEJADO, SEGUE O MESMO PRINCIPIO. Por mais inclusão Pais em casa A legislação brasileira prevê cinco dias de licença-paternidade. As companhias que fazem parte do Programa Empresa Cidadã estendem esse prazo para 20 dias, o que ainda ê pouco.
Mas há empresas que vão além: FACEBOOK: 4 meses JOHNSON & JOHNSON: 40 dias úteis PriC BRASIL 8 semanas GooGLE 12 semanas MICROSOFT: 42 dias MASTERCARD: 56 dias PINTEREST: 6 semanas + 4 semanas COM JORNADAS DE MEIO PERMDO A ONU Mulheres acompanha os números de desligamentos por melo da consultoria que faz para o mercado. A organização internacional tem os Princípios de Empoderamento das Mulheres, um manual que ajuda as empresas a garantir condições Iguais de trabalho a profissionais de ambos os sexos.
No Brasil, há 160 companhias signatárias, sendo mais de 2000 no mundo todo. Um dos indicadores para ingressar na lista é ode demissões (inclusive as voluntárias) de mulheres durante o primeiro ano após a licença-maternidade.
“Claro que elas podem optar por ser mãe em tempo integral, mas a dúvida é: trata-se de uma escolha verdadeira ou a profissional não encontrou condições para cumprir ambos os papéis? “, diz Adriana Carvalho, gerente de Princípios de Empoderamento Económico da ONU Mulheres. Não é difícil imaginar que urna funcionária resolva deixar o serviço quando sente preconceito par estar esperando um bebé ou por ser mãe.
Cíntia Bortotto, de 40 anos, ouviu de uma antiga chefe: Você é uma pessoa tão inteligente, por que foi engravidar? Na época, seu filho estava com 7 meses e ela deixou a empresa. Hoje, é diretora de RH para Brasil e América Latina da Stefanini, uma companhia de tecnologia com quadro feminino “1096 maior do que as concorrentes”.
“As pessoas querem trabalhar num lugar que aceita a diversidade e a gravidez faz parte disso”, diz Cíntia. Sem barreiras As empresas que ainda têm dificuldade de lidar com essa questão vão enfrentar problemas de atração e retenção. “Elas próprias se colocam numa armadilha”, diz Jorge Krabevic, sócio da consultoria de recrutamento Signium, de São Paulo.
Ao promover o crescimento profissional de pessoas que acabaram de ter filhos, a organização mostra aos demais empregados que há uma trilha de carreira a ser seguida, independentemente das escolhas pessoais. Funciona assim na Henkel, multinacional fabricante de adesivos com sede na capital paulista, Valeria Gladszteln, de 41 anos, é um exemplo de que a companhia encara a maternidade de maneira naturaL Argentina e desde 2006 na empresa, a executiva já foi expatriada para México, Colõmbia e Brasil sempre acompanhada de seus dois filhos, que nasceram em países diferentes.
“A flexibilidade da Henkel permite que eu esteja com meus filhos no dia a dia, levá-los à escola ou.
participar de festas”, diz Valeria, atualmente diretora de RH da empresa para a América Latina. Ela destaca um ponto importante: “Quando a corporação tem essa Valerla Gladszteln, executiva da Henkel: desde 2006 na empreu,eiaJÁfoI expatriada três vezes, sempre acompanhada de seus do s filhos r8.11.1 Biuse consciência, possibilita não só uma maternidade mas também uma paternidade mais ativa.” Al está o ponto de virada.
Para reduzir a porcentagem de profissionais que deixam o serviço, empresas e sociedade devem compreender que cuidar da criança, da casa e da familia é responsabilidade de todas as partes envolvidas, não só das mulheres.
Por isso, uma questão -chave é a discussão da licença-paternidade, que deveria ter duração similar à feminina. “Uma licença-paternidade longa, obrigatória e remunerada, significaria que os homens se responsabilizariam mais e teriam mais contato com os filhos um direito que hoje eles ainda não podem exercer”, afirma a economista Regina Madalozzo, pesquisadora de gênero e mercado de trabalho e professora no Insper.
Claro que leva tempo para isso se tornar padrão. Afinal, o modelo de trabalho corporativo foi construido por uma liderança masculina que não tinha de se preocupar com os afazeres domésticos nem com a criação dos filhos. Agora chegou a hora da transformação. É preciso um maior envolvimento dos homens fora e dentro de casa.
A feia realidade Confira alguns depoimentos anônimos de mães vítimas do preconceito, compilados por Anne Rammi, do blog especializado em maternidade Mamatraca: UM HOMEM E UMA MULHER CASADOS, DA MESMA PROFISSÃO : OFERECERAM UMA VAGA DE TRABALHO A ELE, QUE, AO NÃO PODER ACEITAR, INDICOU A ESPOSA. NÃO A QUISERAM PORQUE ELA TINHA FILHOS – QUE, POR SINAI.
TAMBÉM ERAM FILHOS DELE. OU SEJA, ISSO NEM SEQUER TINHA SI DO CONSIDERADO QUANDO ERA O HOMEM QUE ESTAVA SENDO SELECIONADOf “PARTICIPEI DE UM PROCESSO SELETIVO. A EMPRESA SE DIZIA A FAVOR DAS CAUsAS FEMINISTAS E MEU CURRICULO FOI BASTANTE ELOGIADO, MAS, NA ENTREvISTA COM A CHEFE, A MAIORIA DAS QUESTÕES ERAM SOBRE MINHA MATERNIdADE: COM QUEM FICAM AS CRIANÇAS SE ESTIVEREM DOENTES? QUAL O HORÁRIO DA ESCOLA? NÃO FUI CONTRATADA.
NA MINHA VOLTA DE LICENÇA, EU AINDA ESTAVA AMAMENTAN DO, ME OLHAVAM FEIO QUANDO EU DEMORAVA NO BANHEIro PARA TIRAR LEITE NA BOMBINHA E ME SEGURAVAM EM LONGAS REUNIÕES NA HORA DO ALMOÇO, MOMENTO EM QUE EU IA PARA CASA AMAMENTAR MINHA FILHA.
MEU LEITE EMPEDRAVA. ESCUTEI DIVERSAS VEZES DO RH QUE ESTAVA MAIS DO QUE NA HORA DE EU PARAR DE AMAMENTAR.” EM UMA ENTREVISTA DE EMPREGO, SEGUNDA PERGUNTA: – VOCE TEM FILHOS? -TENHO UM. -MUITO OBRIGADA POR TER VINDO, PODE IR EMBORA. FOTO! OMAR PAIXÁO VOCE S/A MAIL DE 2018 75