06/03/2018
A Operação Trapaça, realizada na segunda-feira (5) pela Polícia Federal, prendeu executivos da gigante do agronegócio BRF, entre eles o ex-presidente Pedro de Andrade Faria, acusados de fraudar resultados de exames de amostras de produtos. Novamente, o país vê grandes empresas envolvidas em corrupção e práticas antiéticas. Para entender por que casos como esse parecem cada vez mais comuns, MONEY REPORT conversou com Sérgio Lazzarini, professor da escola de negócios Insper e um dos mais renomados pesquisadores do Brasil sobre as relações entre o setor público e privado. Abaixo, os principais trechos:
O que explica a corrupção?
A corrupção acontece quando grupos querem capturar ganhos econômicos a partir de acordos ou transações sem respeitar leis ou princípios éticos. Há quem diga que a corrupção pode ser boa porque, no Brasil, a burocracia e outros problemas impõem dificuldades imensas na economia. Segundo essa linha, abrir um negócio no Brasil, por exemplo, é difícil e, para acelerar uma obra ou alvará, é vantajoso pagar propina para o agente público. No fim das contas, o país sai ganhando porque a obra gera empregos e melhora a infraestrutura. Mas o argumento é frágil porque a saída não é driblar o problema, mas resolver as ineficiências que dão origem ao problema.
Qual o efeito disso?
Ao “institucionalizarmos” um ambiente em que os problemas são resolvidos via pagamento de propinas, estamos ajudando a concentrar o poder e diminuir a concorrência porque há muitas empresas que não têm condições financeiras para entrar nesse jogo. Esse é outro efeito ruim da corrupção.
A corrupção está aumentando no Brasil?
Temos piorado nos rankings, como o da Transparência Internacional (o país caiu 17 posições na última edição, divulgada em fevereiro, e está na 96° posição entre os países menos corruptos, num ranking com 180 países). Há países muito mais corruptos, mas estamos longe da situação ideal. A percepção de que o país está mais corrupto aumentou em função de investigações e punições que hoje ocorrem. Isso é um fator positivo. Temos hoje instituições melhores do que há quinze anos.
Mas esses rankings pegam a grande corrupção. Também temos as chamadas “pequenas” corrupções. Por exemplo, pagamento de propina para escapar de uma multa de trânsito. Essas pequenas corrupções também são minimizadas com o combate à burocracia estatal. Um exemplo pode ser o Poupatempo, em São Paulo. Ao emitir documentos de forma rápida e eficiente, diminui-se a chance de que haja propinas no processo.
E corrupção nas empresas?
Aí é o que eu chamo de corrupção sancionada. Por exemplo, um médico que receita uma medicação para um paciente e indica a marca do remédio e em qual farmácia comprar, sem levar em conta que o medicamento genérico pode ser mais barato ou que haja uma farmácia vendendo por um menor valor.
Isso é corrupção?
Há uma linha tênue, mas pode ser chamado de corrupção sancionada pelas normas da profissão ou pelas empresas.
Por que isso ocorre?
Acho que é resultado da prática das empresas de colocar metas de desempenho sem se importar com o modo como elas serão atingidas. As empresas precisam estabelecer metas de desempenho, mas, junto, poderiam criar metas de qualidade e ética. Concordo que seja difícil mensurar essa segunda meta. Mas fato é que, por comodidade ou sem perceber, as empresas focam apenas nas metas numéricas que, quanto mais agressivas, mais incentivam o descumprimento da ética. A pessoa com essa meta é incentivada apenas a entregar o resultado e, para isso, pode adotar um comportamento anti-ético, como um vendedor que empurra um produto que o cliente não pediu. Esse tema foi examinado pelo economista Bengt Holmström, que ganhou o Nobel em 2016.
Como resolver o problema da corrupção hoje?
Precisamos de um ambiente institucional mais aberto, que facilite a entrada de novas empresas, para aumentar a competição. Essas investigações que estão punindo grandes empresas estão fazendo com que elas se tornem mais cautelosas. Estamos indo na direção correta. Precisamos criar um ciclo virtuoso, fazendo reformas para renovar o capitalismo. Hoje, o que me preocupa é ver a postura de setores que combatem a corrupção sendo lenientes com posturas antiéticas que lhes beneficiam.
Por exemplo?
Juízes que recebem auxílio moradia. Como eles vão combater a corrupção de terceiros se não abrem mão de privilégios? Outro exemplo são políticos corruptos. Nas duas situações, há perda de legitimidade. O país precisa fazer um esforço para acabar com privilégios setoriais.
Como o país pode fazer isso?
Com líderes que não tenham o rabo preso, que tenham reputação imaculada. Os grupos que eu citei há pouco precisam entender que parte do processo de combate à corrupção envolve a retirada de privilégios.