24/03/2018
Supremo adiou para 4 de abril o julgamento do pedido de habeas corpus preventivo do ex-presidente que tenta evitar sua prisão.
Luiz Inácio Lula da Silva está sentenciado, com a condenação confirmada por um tribunal de segunda instância. Mas o futuro o ex-presidente ainda é incerto. Ninguém sabe se ele vai cumprir a pena na cadeia.
Há ainda a incerteza eleitoral. Ele é pré-candidato ao Palácio do Planalto nas eleições de outubro, mas ninguém sabe exatamente quando ele será barrado pela Lei da Ficha Limpa, se antes da campanha, se às vésperas da eleição ou se conseguirá seguir adiante caso venha a vencer a disputa.
Entendimento do Supremo de 2016
Uma pessoa só é considerada culpada após seu caso transitar em julgado, ou seja, quando todos os recursos se esgotarem. Quem tinha bons advogados conseguia, portanto, protelar o cumprimento da pena, ou até mesmo fazê-la prescrever. O Supremo, então, decidiu em 2016 que a partir da condenação da segunda instância a pena de prisão já poderia começar a ser cumprida. É o caso de Lula.
A Lei da Ficha Limpa de 2010
A Lei da Ficha Limpa foi uma legislação de iniciativa popular que tentava lidar com a questão da impunidade na área eleitoral. Segundo a lei, quem tem condenação em segunda instância (por um grupo de juízes) pode ter a candidatura cassada. É o caso de Lula, mas esse pedido de cassação só pode ocorrer quando ele registrar a candidatura para valer. A data limite para isso é 15 de agosto. O primeiro turno é em 7 de outubro.
O Supremo Tribunal Federal iria tomar uma decisão determinante na noite de quinta-feira (23) sobre o caso Lula, mas acabou aumentando as incertezas a respeito de seu desfecho. A mais alta corte do país aceitou discutir, mas não julgou o habeas corpus preventivo por meio do qual o petista tenta evitar o início da execução de sua pena de 12 anos e 1 mês de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá.
O habeas corpus não julga o mérito do processo, apenas tenta garantir direitos legais a quem é alvo da Justiça. O processo de Lula está no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que vai julgar na segunda-feira (26) os embargos de declaração de Lula. Esses recursos somente esclarecem pontos da decisão, o que, a rigor, deixaria o campo aberto para a prisão de Lula (pois a fase da segunda instância estará concluída).
A questão é que quinta-feira (23) o Supremo decidiu que o ex-presidente não poderá ser preso até que o habeas corpus preventivo seja julgado. Por uma série de fatores, que incluem um breve recesso dos ministros do tribunal, o julgamento ocorrerá 4 de abril. Lula, portanto, não obteve um habeas corpus preventivo. Mas um “habeas corpus temporário”, que proíbe que ele seja preso até essa data.
Nesta entrevista ao Nexo, o cientista político Carlos Melo, professor do Insper, analisa alguns dos cenários possíveis em torno do futuro jurídico e político de Lula.
Carlos Melo Preso, depois da não-decisão de ontem [quinta-feira, 22], eu diria que é mais difícil de responder. Ele teve maioria dentro daquela circunstância [de aceitar ou não julgar o habeas corpus].
Os votos [pela admissibilidade do habeas corpus, com sete ministros favoráveis e quatro contrários, e pela proibição da prisão até 4 de abril, com seis ministros favoráveis e cinco contrários] pareceram ser simpáticos ao recurso da defesa de Lula. Pareceram. Claro que é diferente de aceitar o habeas corpus [que garantirá a liberdade de Lula].
Mas o que se viu ontem é que havia seis ministros sinalizando, nada concretamente, estarem mais abertos à possibilidade de aceitar o recurso. Então não dá para dizer se será preso, muito menos quando.
Carlos Melo Me parece que sim. São coisas distintas. Uma coisa é habeas corpus para um sujeito não ser preso. Não significa uma “descondenação”. Falo assim porque a absolvição é impossível. A instância superior não vai rever a decisão tampouco o habeas corpus.
Ele vai ter a chance de recorrer adiante mas ele continua passível de ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa. E eu acho que, talvez como compensação de uma coisa pela outra (para opinião pública, embora juízes não devessem se pautar por isso), é possível que Lula fique solto mas seja barrado nas eleições. Ele só pode ser barrado depois de oficializada a candidatura. E o prazo [para os candidatos pedirem o registro] é entre 20 de julho e 15 de agosto. Ou seja, depois disto.
Não tem solução boa. Se olhar do ponto de vista da opinião pública, se Lula for preso, há um determinado impacto entre os 20% e 30% que declaram voto no ex-presidente. E aí tem a vitimização e Lula deverá se aproveitar disso. Se não prende, e concede habeas corpus, também tem um setor da sociedade que também tende a se revolver, tende a ficar indignado. Tem comoção de qualquer jeito, a favor ou contra.
Carlos Melo A indefinição cria muita turbulência. O Brasil não é nem para os experientes, parafraseando o que disse Tom Jobim. É uma incerteza muito grande. O próprio Supremo, que é a última instância de decisão, parece não saber exatamente o que fazer. Não dá para dizer que os ministros não votaram ontem porque eles queriam ir cedo para casa. Não votaram para ganhar tempo para discutir internamente.
Tem muita coisa em jogo. Lula preso traz uma pressão para outros envolvidos em escândalos de corrupção, como Michel Temer e Aécio Neves. O Lula solto abre espaço de negociação para eles. É um jogo de “me protege que eu te protejo”.
Claro que há alinhamentos dentro do Supremo. Tem a turma que defende a prisão (hoje liderada por Barroso) e tem a turma do “vamos devagar com o andor porque o santo é de barro” (liderada por Gilmar). Pode chamar tecnicamente essa divisão, com Gilmar preocupado com as garantias individuais e o Barroso, pelas consequências de se deixar casos assim sem cumprir pena. Mas não é só isso. São visões de mundo mesmo. Podem não ser visões político-partidárias, mas são visões de mundo.
Carlos Melo Não consigo enxergar esse cenário. É um cenário que descarto. Aliás, descarto a hipótese de Lula ser candidato. Mas está tudo tão confuso, que não é possível afirmar nada.
Carlos Melo Se for candidato, é um sujeito com muita força. Certamente Ciro Gomes [ex-governador e pré-candidato pelo PDT], Alckmin [governador paulista e pré-candidato pelo PSDB] e Bolsonaro [deputado defederal e pré-candidato pelo PSL] vão disputar a vaga do segundo turno. Por outro lado, se tem um candidato forte no primeiro turno [Lula] mas com grande rejeição para o segundo turno por causa da situação toda.
Carlos Melo Acho que tem duas questões. Uma é a capacidade de mobilizar a rua, de falar com as pessoas. Mas também tem reação. Não sei se foi uma disputa de narrativas o que aconteceu no Rio Grande do Sul essa semana [onde Lula estava em caravana], mas vi imagens de pessoas contrariadíssimas com a presença do ex-presidente lá. Estamos diante de um quadro em que há ganho, mas há competição, há reação.
Carlos Melo É um quadro em que o PT vai jogar com a vitimização, dirá que o Lula é uma espécie de Mandela [ex-presidente da África do Sul], que é um preso político. Isso tem um apelo para uma parte da sociedade, que é grande, mas não sabemos dizer ainda se seria majoritária. Mas é um cenário que dificulta a campanha porque ao mesmo tempo terão adversários dizendo que ele é um condenado, um preso.
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