08/04/2018
Durante um dos eventos públicos dos últimos dias de João Doria (PSDB) como prefeito de São Paulo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso desejou boa sorte a Bruno Covas (PSDB), que herdou o cargo nesta sexta (6).
O neto do ex-governador Mário Covas agradeceu discretamente, ao seu estilo, e emendou: “eu vou precisar”.
Com 38 anos, na condição de prefeito mais jovem a comandar a capital paulista desde a redemocratização, ele terá mil dias para cumprir as 118 promessas que o antecessor fez na campanha.
Além das restrições financeiras, a missão terá que ser enfrentada em um cenário com prováveis turbulências após a saída de Doria para disputar a eleição ao governo.
Bruno Covas assumiu sob a pressão de tirar do papel duas promessas de campanha que ainda não deslancharam: a conclusão de projetos de desestatização e a melhoria da zeladoria nas ruas da cidade.
Terá como desafio também resolver farpas herdadas de Doria nas relações com vereadores e conselheiros do TCM (Tribunal de Contas do Município) —que podem atravancar projetos do Executivo.
E estará sob ameaça iminente de desgaste devido aos planos de reforma da previdência e da licitação bilionária do sistema de ônibus.
No primeiro caso, a pressão de servidores já conseguiu levar a um adiamento por quatro meses da proposta apresentada por Doria —que previa aumento da contribuição dos funcionários sob a justificativa de conter um déficit atual de R$ 4,7 bilhões.
No segundo caso, os maiores enfrentamentos são previstos a partir das próximas semanas, diante do lançamento do edital para a concessão dos serviços de ônibus por até 20 anos, num montante estimado em R$ 66 bilhões.
O novo sistema de transporte prevê queda de 7% da frota e alta de 4% das baldeações, embora a gestão tucana prometa maior rapidez.
O sindicato dos condutores de ônibus já fala em medidas “drásticas” —na prática, greves, que afetam milhões de passageiros— por avaliar que pode haver demissões com a redução de veículos e extinção da função dos cobradores.
A rotina dos usuários também será bastante afetada a partir de 2019, com potencial de transtornos, já que pelo menos uma a cada quatro linhas passará por mudanças.
Enquanto não entrar no caixa o dinheiro das privatizações de equipamentos públicos, Bruno Covas terá de fazer malabarismo para tocar promessas e programas de Doria.
O principal é o Asfalto Novo, que vai custar R$ 550 milhões —mais do que o investimento previsto para as áreas de saúde (R$ 545 milhões) ou educação (R$ 168 milhões).
No último ano, a prefeitura conseguiu investir só R$ 1,9 bilhão. A previsão oficial para este ano é de R$ 5,5 bilhões, mas, por depender de repasses federais, dificilmente esse número se concretizará.
Covas assume que terá de priorizar os gastos, e isso inclui conviver com esqueletos de obras paradas desde a gestão Fernando Haddad (PT). As maiores estruturas são os CEUs, que requerem R$ 500 milhões para ficar prontas.
A relação com vereadores da base ficou desgastada após Doria definir a reforma da previdência como prioridade antes de deixar o cargo.
O tucano fez intensa pressão sobre os vereadores, que se aborreceram ao virarem alvo de protestos de servidores.
Funcionários públicos fizeram greve e manifestações com milhares de pessoas em frente à Câmara Municipal até o congelamento do projeto.
Sem a reforma, Covas fala em cortar gastos do Executivo. E terá que costurar as relações com o Legislativo para conseguir a aprovação de projetos de desestatizações, a partir dos quais espera levantar recursos para investimentos.
Doria frustrou-se ao não entregar nenhuma privatização ou concessão antes do fim de sua passagem.
As vendas do autódromo de Interlagos e do complexo do Anhembi seguem travadas na Câmara e precisarão de votações com maioria qualificada (37 dos 55 vereadores). Já a concessão dos cemitérios aguarda há seis meses a liberação do Tribunal de Contas.
Covas também terá que aparar as arestas no contato com os conselheiros do TCM, com os quais Doria se desentendeu. O novo prefeito tem mostrado que deseja ter boa relação: disse à Folha que o TCM faz “bom trabalho” e afirma ser contra o movimento por sua extinção.
A prefeitura já publicou editais de concessão do mercado de Santo Amaro, do primeiro lote de parques e do Pacaembu. Nesse aspecto, Covas sai em desvantagem em relação a Doria, cuja imagem e contatos no mundo empresarial eram vistos como chamarizes para investidores.
Em três meses, Doria empenhou 63% da verba anual para publicidade —R$ 66 milhões de R$ 105 milhões orçados. Sendo assim, Covas terá poucos recursos para isso.
O novo prefeito diz que deve promover encontros “com empresários mostrando que, apesar da mudança, o compromisso continua o mesmo.”
“Ele precisará abrir diálogo com diferentes segmentos para além do setor empresarial, além de recuperar uma relação de confiança com a Câmara”, afirma Marco Antonio Teixeira, professor de gestão pública da FGV-SP.
Cientista político e professor do Insper, Carlos Melo afirma que o perfil mais discreto de Covas pode ajudar.
“Doria foi uma overdose. De exposição, de conflito. Um prefeito que busque uma marca real de gestão, sem ser midiático, pode ter vantagem.”