27/04/2015
Em meio às discussões sobre o ajuste fiscal, alguns analistas têm sugerido o aumento da alíquota e a federalização do imposto sobre herança no Brasil. Seria uma oportunidade para fazer com que os mais ricos também contribuam para o ajuste fiscal em curso. Será que vale a pena aumentar a alíquota do imposto sobre a herança no Brasil? Quais as vantagens e desvantagens dessa medida? Em primeiro lugar, é preciso diferenciar o imposto sobre herança do imposto sobre grandes fortunas. Neste artigo vamos tratar do primeiro, que é mais fácil de arrecadar. Atualmente, cabe aos Estados a competência para arrecadar esse imposto, que inclui também as doações em vida e é chamado de ITCMD (imposto sobre a transmissão de causa mortis e doações). O Senado estabeleceu em 1992 uma alíquota máxima de 8% para o ITCMD, que pode variar de Estado para Estado e pode ser progressiva dentro de cada Estado. No caso do Estado de SP a alíquota é de 4%, mas valores pequenos estão isentos. Alguns Estados adotam a alíquota máxima. Para avaliarmos a pertinência de aumentar a alíquota desse imposto, é preciso primeiro destacar que, apesar dos avanços sociais obtidos nos últimas décadas, persiste no Brasil uma grande desigualdade de oportunidades, uma das maiores do mundo.
Em 2012, enquanto as pessoas que estavam no topo da distribuição (1%) tinham uma renda familiar média de R$ 50 mil mensais, os 25% mais pobres ganhavam apenas R$ 600 por mês. É muito difícil para essas famílias, que representam ¼ da população brasileira, criar os filhos adequadamente com essa renda. E a falta de investimentos adequados em capital humano no início da vida faz com que os adolescentes saiam da escola, escolhendo as drogas e o crime, o que afeta a vida cotidiana de todos nós. Melhorar a qualidade da educação é importante, mas insuficiente para igualar as oportunidades. Arrecadação seria investida apenas em programas de desenvolvimento infantil em famílias mais pobres Nesse sentido, seria bastante razoável aumentar a alíquota do ITCMD para cerca de 20%. O propósito desse imposto não seria reequilibrar o orçamento fiscal federal, já que seu impacto arrecadatório é limitado, mas ajudaria a tornar a sociedade brasileira um pouco mais justa. Esse imposto deveria ser mantido sob a competência estadual e seria obrigatoriamente investido em programas de desenvolvimento infantil nas famílias mais pobres. Além disso, deveria prevalecer uma alíquota única em todos os Estados, para evitar que as pessoas mais ricas, ajudadas por consultores financeiros, escolham fazer o testamento nos Estados em que a alíquota seja menor.
Quais são os principais argumentos contra um aumento na alíquota desse imposto? Em primeiro lugar, parte da nossa elite econômica ainda tem a visão de que as pessoas são pobres porque não se esforçam para estudar e trabalhar. Entretanto, como a desigualdade de oportunidades é muito alta no Brasil, dificilmente as pessoas que tiveram o azar de nascer em famílias pobres conseguem ascender à elite, mesmo com muito esforço.
Assim, nada mais justo do que um imposto sobre herança mais alto, para diminuir um pouco o papel da sorte na determinação do sucesso das pessoas, como, aliás, acontece em vários países desenvolvidos.
Além disso, esse imposto pouco afetaria a vida dos filhos das famílias mais ricas, pois o investimento em seu capital humano será sempre muito maior nessas famílias. Outro argumento contrário é que o Estado brasileiro é ineficiente, que os impostos já são muito altos e que não revertem em melhorias para os contribuintes. É verdade que o Estado brasileiro é ineficiente em muitos setores, que a corrupção é grande e que provavelmente somente uma parte desse imposto seria revertida em políticas efetivas para os mais pobres.
O ideal seria que os recursos fossem diretamente para as famílias pobres, sem passar pelos governos estaduais. Porém, é possível desenhar bons programas sociais e o próprio programa Bolsa-Família é um exemplo notório nesse sentido. Além disso, a lei deveria permitir que as famílias doassem o valor devido para entidades sociais (credenciadas) ou universidades, ao invés de ter que transferir esses recursos para o Estado por meio de impostos.
Além disso, a carga tributária brasileira é de fato elevada, mas tem pouco impacto sobre a desigualdade. Nos países escandinavos os impostos representam 45% do PIB, a maior parte da arrecadação vem de impostos sobre renda e propriedades e a alíquota mais alta do imposto de renda é 70%. No caso brasileiro, a maior parte da carga tributária de 36% do PIB vem dos impostos sobre o consumo, que oneram proporcionalmente mais as pessoas mais pobres. Além disso, a alíquota mais alta do IR (27,5%) é muito baixa para padrões internacionais. Assim, o Brasil consegue ter uma carga tributária elevada sem impacto sobre a igualdade de oportunidades. Por fim, Milton Friedman argumentou que um imposto sobre a herança faria com que os mais ricos acumulassem menos capital ou consumissem mais no final da vida, para deixar menos recursos para o Estado, o que prejudicaria o crescimento.
É difícil acreditar que isso realmente aconteceria na prática ou que teria alguma magnitude relevante. Assim, deveríamos aumentar a alíquota do imposto sobre herança para melhorar pelo menos um pouco a igualdade de oportunidades e diminuir a tensão existente na sociedade brasileira. Isso seria ótimo para que nossos filhos pudessem viver numa sociedade mais justa e um pouco menos violenta. Naercio Menezes Filho, professor titular – Cátedra IFB e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, professor associado da FEA-USP e membro da Academia Brasileira de Ciências, escreve mensalmente às sextas-feiras (email: naercioamf@insper.edu.br)
Fonte: Valor Econômico – 24/04/2015