05/02/2016
SÃO PAULO – O Congresso retoma, nesta terça-feira (2), suas atividades, após o recesso de fim de ano. O clima pelos seus corredores, porém, estará longe do clima carnavalesco que toma conta do Brasil em fevereiro. Pesadas e decisivas matérias aguardam deputados e senadores. A mais óbvia é o desfecho do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, aberto pelo seu arqui-inimigo Eduardo Cunha, presidente da Câmara.
O peemedebista, aliás, volta à cena no duplo papel de caçador e presa. Por um lado, tenta desalojar Dilma do Palácio do Planalto; por outro, busca evitar sua própria queda, acossado que está pelas investigações da Operação Lava Jato. É verdade que o impeachment perdeu muita força, após o STF (Supremo Tribunal Federal) invalidar o rito proposto por Cunha, mas ele ainda pode ser embalado pelo aprofundamento da recessão e por manifestações de rua.
E, em meio a tudo isso, os parlamentares vão atuar com um olho no Congresso e outro nas eleições municipais de outubro. O ritmo da crise econômica, as perspectivas do impeachment, o humor das ruas… tudo será pesado por eles, a fim de eleger seus apadrinhados políticos e fortalecer suas bases regionais, de olho em 2018. Confira, a seguir, as principais questões que pautarão o Parlamento neste ano:
1. Impeachment
Não há como ignorar esse elefante na sala, já que o futuro de Dilma determinará todo o arranjo político dos próximos anos. Por enquanto, a avaliação dos cientistas políticos é de que o impeachment perdeu muito de sua força. “A probabilidade de impeachment é muito baixa atualmente”, afirma o cientista político Luis Fernando Schuler, do Insper. Primeiro, porque o STF invalidou o rito proposto por Cunha e determinou, entre outras coisas, que a comissão especial que apreciará o pedido de impedimento seja eleita em votação aberta – e não secreta, como a que já foi realizada e terminou com a eleição de uma chapa contra a presidente. Além disso, a corte também decidiu que a eleição não pode contar com candidaturas avulsas.
O último balde de água fria foi a interpretação de que a aceitação do processo de impeachment pela Câmara não obriga, necessariamente, que ele seja aceito pelo Senado – um ponto a favor de seu presidente, Renan Calheiros, que já havia defendido essa tese, na manifestação que enviou ao STF sobre o assunto. Para a Corte, o processo só deve seguir adiante, se a maioria simples do Senado votar por isso. “Neste momento, o quadro é mais favorável ao governo”, afirma o cientista político Murilo de Aragão, fundador da consultoria Arko Advice. “Mas há uma série de questões pela frente, como a economia e os desdobramentos da Operação Lava Jato.”
2. O futuro de Eduardo Cunha
Adversário declarado de Dilma, Cunha foi o maior responsável por colocar o impeachment da presidente na pauta do Congresso. Mas o peemedebista fluminense foi duramente golpeado pela Lava Jato. A força-tarefa que comanda a operação descobriu contas secretas do parlamentar na Suíça – cuja existência ele havia negado, formalmente, na CPI da Petrobras. Além disso, o deputado é acusado de pedir propinas em contratos da estatal.
Cunha terminou 2015 emparedado por deputados que exigem sua renúncia ou cassação. Nada indica que a pressão sobre ele será mais leve, a partir desta terça. Mas a ironia é que, para o governo, manter Cunha na presidência da Câmara pode ser um grande negócio. “Para Dilma, é melhor manter Cunha impotente e com fama de vilão, do que trocá-lo por alguém independente e sem acusações na Lava Jato”, afirma Antônio Augusto de Queiroz, diretor de documentação do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar).
O motivo é simples: desmoralizado pelas acusações de corrupção, Cunha tem bem poucos argumentos para defender a saída da presidente, e pouca capacidade para aglutinar forças. Basta lembrar que, nas manifestações de rua pró-impeachment, o deputado também é um alvo frequente de pedidos de justiça.
3. O destino do PMDB
Um teste do poder de Cunha será a eleição do novo líder da bancada do PMDB na Câmara. O maior partido do país e da base de Dilma está rachado entre quem defende a ruptura com o governo, como Cunha, e quem prega o apoio, caso do deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ). Picciani comprou uma briga e tanto com o presidente da Câmara, ao ser eleito líder da legenda na Casa, ser apeado por uma articulação de Cunha, e retomar o cargo no fim do ano passado. Agora, os peemedebistas dividem-se entre Picciani e o paraibano Hugo Motta para comandá-los.
A disputa é acompanhada de perto pelos petistas. “Essa escolha vai nortear se o PMDB vai continuar próximo de Dilma ou não”, afirmou o senador Humberto Costa (PT-PE) a O Financista. Líder do partido na Casa há três anos, o parlamentar observa que a vitória de Picciani “poderia neutralizar qualquer ação do núcleo peemedebista para desestabilizar a presidente.”
Outra batalha duríssima entre governistas e oposicionistas será travada na convenção nacional do PMDB, marcada para março. O vice-presidente da República, Michel Temer, que controla a legenda desde 2001, luta para se manter no comando e vencer o grupo articulado pelos senadores Renan Calheiros, Romero Jucá e Eunício Oliveira. Pelo acordo, Jucá seria indicado para a presidência da agremiação, o que poderia levá-la a, pelo menos, adotar um discurso mais independente do governo, a fim de lançar uma candidatura própria à presidência em 2018.
Mas, por ora, os cientistas políticos acreditam que o DNA governista do PMDB deve prevalecer. “O partido não sabe viver na oposição, pois depende muito de cargos e verbas públicas”, afirma Schuler, do Insper. E quem gostaria de abrir mão disso, em ano de eleições municipais?
4. A pauta econômica
Se há um consenso entre os analistas políticos, é este: esqueça qualquer possibilidade de o governo aprovar, no Congresso, reformas estruturais, como a da Previdência. Da mesma forma, até onde a vista alcança, é improvável que a CPMF seja ressuscitada. Primeiro, porque são temas difíceis de serem votados, mesmo em governos fortes – o que, definitivamente, não é o caso de Dilma. Segundo, porque os parlamentares nem pensam em se indispor com os eleitores às vésperas dos pleitos para prefeitos e vereadores.
Isso é particularmente verdade para o PT, ao qual Dilma é filiada. Com a imagem enlameada pelo mensalão e pela Lava Jato, que levou para a cadeia alguns de seus mais destacados caciques, o partido luta desesperadamente para encontrar um discurso que evite uma derrota humilhante nas eleições de outubro e, mais tarde, em 2018. Por isso, a tendência é que os petistas radicalizem seu discurso em defesa das conquistas sociais e critiquem qualquer sinal de medidas econômicas que as ponham em risco.
“A base social do governo não votará pela aprovação da CPMF, nem pela reforma da Previdência”, resume Queiroz, do Diap. Sem o apoio do PT e com o PMDB rachado, fica bastante difícil alcançar a maioria qualificada de três quintos de deputados que algumas medidas requerem.
A conclusão é a de que Dilma tem grandes chances de escapar do impeachment, mas seguirá como uma morta-viva pelos corredores do Palácio do Planalto e sua paralisia só vai dificultar a retomada do crescimento. “A economia vai mal e não há nada que indique uma melhora”, afirma Aragão, da Arko Advice. “Falta, sobretudo, capacidade política para implementar ações”, resume. Diante da guerra de todos contra todos que aflige Brasília, é muito improvável que o governo a recupere.
Fonte: O Financista – 02/02/2016