17/04/2015
O mercado de condo-hotéis tem andado bipolar. De um lado, há medo. De outro, otimismo. Tudo por conta da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Essa dualidade de percepções tem marcado o segmento desde o dia 19 de março, quando a autarquia publicou a Deliberação nº 734, para regular aspectos de investimentos em empreendimentos do gênero.
O condo-hotel é uma forma de viabilizar projetos hoteleiros por meio da captação de recursos junto a investidores de modo pulverizado. Os dois modelos mais comuns são o de unidades autônomas, em que cada apartamento é vendido separadamente, e o de frações ideais, espécies de cotas que representam partes iguais do imóvel. O sistema financia, segundo a consultoria BSH Internacional, mais de 80% dos projetos hoteleiros no país hoje e já responde por mais de R$ 50 bilhões de ativos construídos ao longo de quatro décadas.
Os empreendedores, segundo o Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP), que há três anos lançou critérios de referência para o segmento com a publicação do “Manual de Melhores Práticas para Hotéis e Investidores Pulverizados”, veem a Deliberação 734 como restritiva e consideram existir um perigo real de as regras travarem parte do mercado.
“Daqui para frente, vai aumentar muito a quantidade de projetos cancelados ou adiados por conta da deliberação da CVM”, diz Caio Calfat, vice-presidente de Assuntos Turísticos e Imobiliários do Secovi-SP.
De outro lado, consultores que atuam junto à estruturação e administração de projetos defendem a regulação da autarquia como uma maneira de profissionalizar e trazer mais segurança jurídica ao setor.
“Desvantagens eu não vejo nenhuma. Só vejo vantagens. Porque a partir do momento que a CVM passou a regular o mercado, os picaretas se afastaram dele”, afirma José Ernesto Marino Neto, presidente da BSH International. A polêmica se instalou, por ironia, quando a CVM atendeu a um pleito do setor. Desde 2013, a autarquia tem analisado e julgado diversos casos de oferta de investimento em empreendimentos hoteleiros. O órgão regulador viu no modelo e nas promessas de retorno financeiro dos condo-hotéis uma forma de oferta de valores mobiliários sob a fachada de projetos imobiliários. O processo de avaliação, no entanto, pode levar meses entre a análise da área técnica, a apreciação do Colegiado e a complementação de informações que o ofertante tem de fazer. Com a Deliberação 734, a CVM buscou agilizar o trâmite das solicitações de dispensa de registro de oferta pública pelos projetos de condo-hotéis. E a forma de acelerar o processo foi o Colegiado delegar à Superintendência de Registro de Valores Mobiliários (SRE), braço técnico da autarquia, o poder de decisão de dispensa. Até aí, todos concordaram com a intenção da medida. No entanto, para obter o benefício da dispensa rápida, o documento da CVM estabeleceu pré-requisitos. O ponto que mais chamou a atenção do mercado foi a exigência de comercialização apenas a investidores considerados qualificados, segundo a nova definição da autarquia, ou seja, para quem tiver ao menos R$ 1 milhão em patrimônio financeiro.
O comprador que não se enquadrar no perfil, porém, pode adquirir unidades, desde que invista no mínimo R$ 300 mil no empreendimento. As exigências valem para os condo-hotéis vendidos na modalidade de unidades autônomas. Para os estabelecimentos oferecidos como frações ideais, as condições para a dispensa rápida são ainda mais altas. Se não quiserem passar pelo complexo processo de registro de oferta pública, os projetos só podem ser comercializados para investidores com patrimônio a partir de R$ 1,5 milhão. Ou, caso não tenha como comprovar essa qualificação, o interessado tem de aportar no mínimo R$ 1 milhão no empreendimento. Para os empreendimentos se enquadrarem na dispensa prévia de registros de oferta pública e de emissores de valores mobiliários, a CVM exige ainda a divulgação em página da internet do estudo de viabilidade econômica – que tem de ser reavaliado anualmente – e demonstrações financeiras auditadas tanto dos trimestres quanto da consolidada no fim de ano.
O advogado Carlos Ferrari, sócio do escritório N, F&BC, considera as restrições da deliberação como mais uma dificuldade imposta ao segmento. “Na prática, [as regras] acabam restringindo os negócios. As exigências visam condicionar os empreendimentos a atingir o público que a CVM entende como capacitado para esse tipo de produto. Mas, nitidamente, existe uma dificuldade para a indústria de condo-hotel limitar-se a esse público”, argumenta. Entre os defensores das medidas, Diogo Canteras, sócio-presidente da consultoria Hotel Invest, aponta a maior proteção dos investidores como um dos principais ganhos de a CVM se incumbir de vigiar o segmento.
O especialista também vê uma maior segurança para o próprio mercado como um todo. “O principal risco para um investimento hoteleiro não vem da queda de demanda, mas, na verdade, da superoferta [de vagas]. A destruição de valor de um hotel é o excesso de oferta, que vem de lançamentos feitos sem o devido cuidado e sem o devido estudo, sem se ater à rentabilidade desses empreendimentos”, diz. Conforme o consultor, a regulação e a fiscalização da autarquia tornam o mercado mais profissional e afastam eventuais “aventureiros”. O medo dos incorporadores é o de que a lentidão do processo, mesmo com a delegação de decisões de dispensas de registros à SRE, faça o mercado parar. “Hoje existem no pipeline [horizonte de vendas] 460 condo-hotéis em fases de montagem, planejamento e desenvolvimento para serem lançados até 2020. Mas, de outro lado, a CVM liberou de registro apenas oito projetos no último ano e meio. Isso é um sinal claro de que, se continuar nessa morosidade, o mercado vai travar”, pondera Calfat, vice-presidente do Secovi-SP. O executivo também critica o piso de R$ 300 mil para investimento em projetos com venda de unidades autônomas, para a obtenção da dispensa rápida. “A gente não imagina o comprador tendo de mostrar a declaração de IR para o corretor de imóvel”, afirma Calfat. Para Ricardo Mader, diretor da área de hotéis e hospitalidade da JLL (antiga Jones Lang LaSalle) na América do Sul, “existe um risco de os lançamentos ficarem muito concentrados nas capitais, por conta do valor mínimo de R$ 300 mil”.
Segundo o especialista, unidades de projetos focados em cidades menores costumam ser comercializadas por valores abaixo do piso definido pela CVM para os projetos que não quiserem passar pelo processo formal de oferta pública.
“O mais correto seria a exigência estar na faixa de R$ 150 mil”, considera. O consultor, porém, chama a atenção para o fato de a própria CVM ter deixado aberto um canal para outras análises e evolução das regras. “Deve ocorrer ainda um aperfeiçoamento das normas”, acredita Mader. O professor de direito do Insper, Valdir Pereira, enxerga a mesma abertura. “A CVM é uma autarquia que conversa muito com o mercado. E isso permite ao próprio mercado desenvolver-se.” Segundo o especialista, o órgão regulador deve, em um primeiro momento, deixar o mercado adaptar-se ao processo. Depois, com o amadurecimento da nova cultura, podem “vir novas respostas aprimoradas ou novas regras mais detalhadas“. Ver também: Contexto Promessas de retorno falsas são armadilhas ao investidor CVM pode reavaliar regras de condo-hotéis no futuro.
Fonte: Valor Econômico – 15/04/2015