O clima de desconfiança e hostilidade em relação à presidente Dilma Rousseff – que foi vaiada ontem em uma feira empresarial em São Paulo – tem potencial de crescimento, tanto à direita, que se viu fortalecida após o desempenho de Aécio Neves (PSDB) na eleição de outubro, quanto à esquerda – pelo eleitorado que estaria se sentindo traído pela quebra de promessas de campanha, quando Dilma disse que não mexeria em direitos trabalhistas “nem que a vaca tussa”. É o que afirmam cientistas políticos consultados pelo Valor, às vésperas das manifestações marcadas para sexta-feira – organizadas por centrais sindicais – e domingo, convocadas nas redes sociais. Nenhum deles, no entanto, prevê, ao menos por enquanto, condições para que um pedido de impeachment afaste a petista do poder.
Professor de ciência política da UFBA, Jorge Almeida argumenta que o mal-estar do momento ocorre pela coincidência de duas crises, a política e a econômica, numa conjunção que nem sempre acontece. O escândalo do mensalão, que abalou o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2005, por exemplo, aflorou numa época de melhora da economia do país.
Para piorar a situação de Dilma, seu governo está às voltas com um escândalo de corrupção, na Petrobras, revelado pela Operação Lava-Jato, com capacidade de reforçar a crise econômica. “Escândalos de corrupção nunca tinham chegado às empresas. Só chegavam aos políticos. E isso tem impacto sobre toda uma cadeia de produção, de fornecedores. A crise política agrava ainda mais a econômica”, afirma.
Panelaços, como os que ocorreram em capitais do país, durante o pronunciamento de Dilma à TV, no domingo, a greve dos caminhoneiros e o escrache ao ex-ministro Guido Mantega, no hospital Albert Einstein, em São Paulo, são apontados por Almeida como evidências do clima de insatisfação – já confirmados por pesquisa Datafolha que apontou, no mês passado, a brusca queda de popularidade da presidente.
O cientista político prevê que as manifestações marcadas para o domingo por setores ligados à oposição serão maiores que as organizadas desde o fim da acirrada campanha presidencial. Para Luís Felipe Miguel, da UnB, a capacidade de mobilização da direita é uma incógnita, porque tradicionalmente sua “taxa de conversão” entre manifestantes previstos e pessoas que de fato vão às ruas “é muito ruim”. O poder de fogo das centrais sindicais, por sua vez, também é duvidoso, pela incapacidade de mobilização dos líderes sindicais, que teriam sido cooptados pela era de governos do PT, analisa Miguel.
No entanto, pondera, um dos problemas é que o governo perdeu a batalha da comunicação e vem sendo emparedado. “O cenário tem mudado. Alguns grupos têm mais visibilidade na cobertura da mídia do que peso social”, diz. Para o professor, o governo “se desgasta se cede e também se não cede. A conta nunca para de chegar”.
Miguel afirma que Dilma perdeu sua base de sustentação depois de dar uma guinada, ao planejar um ajuste fiscal que prometera não fazer. “O governo está numa situação muito ruim, porque ele é cada vez mais inverossímil para a sua base. Dilma caiu numa armadilha de se afastar da base social que lhe deu apoio. Assumiu um diagnóstico que veio da oposição (sobre a situação da economia) para apaziguar os adversários e não conseguiu. Ficou no pior dos dois mundos”, diz.
Na mesma linha, Carlos Melo, do Insper, afirma que o PT cai no equívoco de atribuir os protestos a uma burguesia minoritária. As vaias de ontem em São Paulo, afirmou, mostram que não é bem assim. “E a tendência é piorar. Porque vai chegar o momento em que a nova classe média, que foi beneficiada pelos governos petistas, manifestará sua insatisfação quando começar a sentir os efeitos da deterioração da economia nacional, com a perda do poder de compra e o aumento da inflação“, diz.
Segundo Melo, esse cenário pode levar a um desgaste muito grande. Mas que não há ainda base jurídica para impeachment e sim enorme vazio de poder. “O Brasil vive, atualmente, um processo precoce e precário de sarneyzação, isto é, estagnação econômica e crise política“.
Fonte: Valor Econômico – 11/03/2015