13/02/2015
Sem o apoio nem mesmo do PT, Dilma corre o risco de sofrer um vexame similar à derrota na eleição de Cunha caso não recue em algumas medidas do pacote fiscal enviado para votação no Congresso.
Planalto será obrigado a recuar no ajuste fiscal
Com a derrota iminente no Congresso, que precisa referendar o arrocho econômico anunciado por Dilma, a petista já admite ceder em alguns pontos do pacote.
A própria base aliada classifica as propostas palacianas de “suicídio político”
O governo terá de afrouxar o pacote de ajuste fiscal que enviou ao Congresso se não quiser sofrer uma nova derrota parlamentar, bem mais representativa do que a eleição de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para a presidência da Câmara. Segundo apurou o Correio, uma das primeiras mudanças aceitas pelo Planalto é a permissão para que os trabalhadores permaneçam 12 meses no mesmo emprego—e não 18, como está na proposta original—para ter direito ao seguro-desemprego. Seria uma maneira de garantir a manutenção do empregado no cargo ao longo de 2015, ano que, segundo o Executivo, será o mais árduo da crise econômica.
O pacote fiscal que altera regras trabalhistas e previdenciárias tem sido bombardeado pela base de apoio ao governo no Congresso e pelas centrais sindicais. “Não tem como o pacote das medidas provisórias sair como entrou aqui”, confirmou o líder do PT na Câmara, SibáMachado (AC).
Já foram apresentadas mais de 600 emendas às propostas originais. Autor de algumas dessas sugestões de mudanças, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) disse que o governo está cometendo suicídio. “Teremos um ano político difícil, com a oposição pedindo o nosso impeachment. Tudo o que não precisamos é atirar em nossa base de apoio, naqueles que vão às ruas nos defender”, criticou Lindbergh, em uma referência aos movimentos sociais e às centrais sindicais.
Para outro petista, Dilma não pode achar que está em 2003, quando o então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, também endureceu a política econômica para corrigir os rumos do país. “Ele tinha 80% de aprovação popular, ela tem 23%”, disse o parlamentar, sob condição de anonimato. “Quer descontar nos trabalhadores as desonerações fiscais de 2014 que não deram resultado”, completou.
Elaborado durante o encontro do diretório nacional do PT da semana passada, em Belo Horizonte, mas divulgado apenas ontem, uma resolução partidária aumenta a pressão da legenda sobre o governo ao cobrar a promessa de campanha da presidente de impedir que o ajuste fiscal prejudique os direitos trabalhistas conquistados. E defende a criação de um imposto sobre grandes fortunas.
Enquanto isso, a centrais sindicais se mobilizam para derrubar as propostas no Congresso. A União Geral dos trabalhadores (UGT) e a Força Sindical estiveram ontem em audiências com os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDBpal-AL). Cunha lembrou que as medidas provisórias só serão analisadas após o carnaval, já que as comissões especiais para discutir as matérias nem sequer foram criadas. No Senado, a pressão dos sindicalistas foi idêntica. “Tem muita coisa que dá para fazer para economizar. Não dá para economizar só em cima do trabalhador”, disse o presidente da Força Sindical, Miguel Torres.
Renan alinhou-se aos sindicalistas, não ao governo. “O Congresso deve criar alternativas para que o trabalhador não seja duramente sacrificado porque isso significa, do ponto de vista econômico e social, um retrocesso”, alertou o peemedebista.
O governo tenta ampliar os canais de negociação para não perder de vez o controle do processo. “Vamos ter uma reunião, no dia 24, com os ministros da área (econômica) para aprimorarmos as medidas provisórias. Vamos abrir espaço para negociação, mas o governo não vai retirar as MPs”, disse Renan. A reunião contará com a presença dos ministros Joaquim Levy (Fazenda), Carlos Gabas Previdência) e Nelson Barbosa (Planejamento).
Simbolismo
Dilma está preocupada. Ela sabe que, além de uma questão econômica, uma derrota no pacote de ajuste fiscal encaminhado ao Congresso teria de um simbolismo perverso, pois será o segundo teste de fidelidade da base aliada. “Perdemos na eleição de Cunha, mas agora trata-se de uma questão de mérito”, confirmou um interlocutor palaciano.
A petista se reuniu ontem com o presidente nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT),Wagner Freitas. Segundo o secretário-geral da Presidência, Miguel Rossetto, Freitas ofereceu alternativas para qualificar as questões previdenciárias, mas ressaltou que não foi um encontro de negociação. “A presidente apresentou as medidas provisórias e repassou um conjunto de informações importantes em relação à situação fiscal no Brasil”, disse o ministro.
O secretário-geral acrescentou que o governo toma as medidas necessárias para sustentar uma agenda de crescimento econômico ainda em 2015 e todo um programa de mudanças que será realizado nos próximos quatro anos. “Todos os compromissos de campanha estão reafirmados”, assegurou.
Alinhado ao governo
A CUT é a única central que está totalmente alinhada ao governo. O presidente da entidade, Wagner Freitas, participou da festa de 35 anos do PT, em Belo Horizonte, na sexta-feira, quando defendeu João Vaccari Neto, tesoureiro do partido citado por delatores da Operação Lava-Jato. Na véspera da comemoração, Vaccari foi levado para depor, coercitivamente, pela Polícia Federal. No evento petista, Freitas disse que é preciso lutar contra a “elite golpista” que existe no país e marcou um ato em defesa da Petrobras para 24 de fevereiro.
Promessas quebradas
As dificuldades que o governo enfrenta ainda na fase de debate das medidas provisórias que alteram benefícios trabalhistas e previdenciários não são surpresa para especialistas ouvidos pelo Correio. Na avaliação do ex-secretário de Políticas de Previdência Social Leonardo Rolim, os problemas do Planalto começaram quando o Executivo deixou de estimar, nos textos encaminhados ao Congresso Nacional, a economia que seria feita a partir das mudanças na concessão de benefícios. Os cálculos apontam, hoje, uma perspectiva de enxugar R$ 18 bilhões de gastos ao longo deste ano.
Sem essa estimativa para apresentar aos parlamentares—especialmente da base aliada, que tem bombardeado o pacote de ajuste fiscal da presidente Dilma Rousseff —, e às centrais sindicais, o Executivo fica sem margem para negociar mudanças. Além disso,Rolim detalhou que parte das críticas está direcionada às alterações propostas no seguro-desemprego.“ Não acredito que o governo consiga a aprovação da matéria como enviou ao Legislativo. No caso do seguro, o Planalto ataca uma consequência da elevação do gasto, e não a causa, que é a rotatividade”, avalia.
Para o professor e cientista político Carlos Melo, do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), a armadilha que enreda o governo é política, não econômica. Ele lembrou que a presidente Dilma Rousseff prometeu, na campanha eleitoral,que não alteraria direitos trabalhistas. A ideia era seduzir as centrais sindicais e levá-las para o lado da petista na acirrada disputado ano passado. Entretanto, antes mesmo de tomar posse no segundo mandato, Dilma anunciou as medidas que alteram as regras de concessão de benefícios.
Melo acredita que a discussão do texto causará um desgaste político com os movimentos sociais e outro com o mercado, caso as propostas não vinguem. “Se você afrouxa o ajuste fiscal, perde mais a credibilidade. Se não o faz, aumenta o clima ruim com a base aliada”, diz.
Fonte: Correio Braziliense – 11/02/2015