21/12/2016
Em uma tentativa de impor uma agenda positiva, em meio ao pior momento da crise política, o governo Michel Temer anunciou, nesta quinta-feira (15), um pacote com 25 medidas microeconômicas para tentar reaquecer a economia. Em coletiva, em Brasília, o presidente apresentou, pessoalmente, as propostas como complemento ao ajuste fiscal macroeconômico, sustentado pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do teto, já sancionada, e a reforma da Previdência, em discussão no Congresso. O objetivo, segundo Temer, é “aumentar a produtividade e combater o desemprego”, para, consequentemente, acelerar o crescimento econômico, em um momento em que a recessão se estende por sete trimestres seguidos.
Para analistas, no entanto, as medidas são tímidas, algumas requentadas, e não estimulam diretamente nenhum dos principais catalisadores do crescimento, nem o investimento, nem o consumo. “O que mais pesa atualmente para o chamado custo Brasil é a carga tributária. Nada mudou nesse sentido”, diz o professor Paulo Feldmann, coordenador de projetos da Fundação Instituto de Administração (FIA). “São medidas tímidas e pouco inovadoras, que, de longe, não resolvem a crise de crédito do país”, resume o ex-presidente da Febraban Roberto Luis Troster. Segundo eles, os efeitos das medidas só serão sentidos no longo prazo.
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Entre as reformas está a distribuição de metade do lucro do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para os trabalhadores, a facilitação da obtenção de crédito e de pagamento de dívidas.Também estão incluídas medidas conhecidas e já empreendidas por governos anteriores, como a integração de órgãos e redução do tempo de exportação e importação.
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Em linha com os economistas ouvidos por ÉPOCA, o governo Temer reconhece que o pacote não resolve todos os problemas do país, mas é um esforço inicial — e inédito –, que será continuado no ano que vem. Ficou de fora, por exemplo, a esperada possibilidade de liberação do saque de parte do FGTS para quitar dívidas com bancos. Segundo a equipe econômica, Temer solicitou estudos adicionais.
Governo Temer anuncia reformas microeconômicas (Foto: O Globo)
O governo Temer anuncia reformas na área microeconômica (Foto: O Globo)
Na coletiva, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, reforçou, mais de uma vez, que nenhuma medida pressupõe a criação de subsídios. “Não é um programa que usa recurso público”, afirmou. “O que fazemos é atacar o custo”, acrescentou. Nesse aspecto, o governo se afasta da gestão passada, da ex-presidente Dilma Rousseff, que abusou na concessão de subsídios e desonerações a setores específicos, agravando a crise fiscal.
Por outro lado, o mesmo governo decepeciona ao responder sobre o impacto que o conjunto de medidas terá sobre a economia. “É um conjunto enorme de medidas para dar um só número”, diz Meirelles. O mais perto do quantitativo a que a equipe econômica chegou é que o Produto Interno Bruto Potencial (PIB) passará de atuais 2% para mais de 3% “nos próximos anos” e que o PIB do quarto trimestre do ano que vem avançará 2,5% sobre o mesmo período deste ano.
Conheça as principais medidas do pacote de reformas.
Facilitar a regularização de dívidas com a Receita Federal
– Empresas e pessoas físicas poderão regularizar dívidas tributárias e previdenciárias com o governo vencidas até 30 de novembro de 2016.
– Empresas que tiverem prejuízo fiscal poderão usar os créditos desse débito para compensar suas dívidas fiscais.
O objetivo é reduzir a inadimplência e a alavancagem de empresas, para que voltem a contratar e investir. A medida lembra o Refis, o Programa de Recuperação Fiscal do governo federal, criado em 2000. Em coletiva, a equipe econômica rejeitou a comparação. “É diferente, pois não há redução de multa ou de juros. Permitimos apenas que o prejuízo possa ser utilizado como débito”, justificou o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid. Analistas também lembram que a dívida bancária, parte relevante dos passivos de pessoas físicas e jurídicas, ficou de fora da medida.
Facilitar o acesso ao crédito imobiliário
– Regulamenta a Letra Imobiliária Garantida (LIG), instrumento de captação para o crédito imobiliário.
O objetivo é ampliar a oferta de crédito de longo prazo para a construção civil, para que também volte a contratar. Atualmente, o setor emprega 13 milhões de pessoas, considerando empregos formais, informais e indiretos. Incentivar o crédito imobiliário foi medida recorrente em gestões passadas, sobretudo via redução de juros de bancos estatais para linhas específicas. No começo do ano, o ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa lançou um pacote de R$ 83 bilhões, dos quais R$ 10 bilhões seriam direcionados do FGTS para o financiamento imobiliário.
Incentivar a queda de juros
– Reduzir o prazo para que os bancos repassem recursos aos lojistas nas compras com cartões de crédito.
A expectativa é que, com a medida, os juros cobrados no cartão de crédito caiam, já que a demora gera um custo adicional no preço de produtos e serviços. Em dez dias, após alinhar com o Banco Central (BC), o governo deverá anunciar de que forma vai encurtar esse prazo. A ideia é abrir uma consulta pública em janeiro do ano que vem para posterior resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN). “Por enquanto, o anúncio só causou instabilidade no mercado, com a perda de valor de empresas de cartão de crédito na Bolsa”, afirma o sócio gestor da GGR Investimentos, Telemaco Genovesi.
Eliminar regras que tolhem o comércio
– Permitir a diferenciação de preços entre diferentes meios de pagamento, como boleto, dinheiro e cartões de crédito e débito.
– Universalizar as formas de pagamento, com todas as máquinas compatíveis com todas as bandeiras de cartões de crédito.
Na prática, são medidas já incorporadas e que, agora, seriam regulamentadas com uma Medida Provisória (MP). Ao regulamentar, o governo acredita que haverá uma maior competição entre os meios de pagamento, beneficiando consumidores e lojistas. Não há uma previsão concreta de quanto o setor seria beneficiado.
Simplificar regras contábeis, previdenciárias, tributárias e trabalhistas para empresas
– A ideia é criar um E-social (programa para o pagamento de direitos trabalhistas de empregados domésticos) para que empresas quitem, no mesmo ambiente, um total de 13 obrigações previdenciárias, tributárias e trabalhistas. Para isso, será criado um sistema que reúna dados da Receita Federal, INSS, Caixa e Ministério do Trabalho.
O objetivo é reduzir custos e o tempo gasto no pagamento de todas essas despesas. No cronograma do governo, o objetivo é fazer os primeiros testes com empresas em julho de 2017, para implementação obrigatória no mesmo mês do ano seguinte.
Facilitar o acesso a dados para o mercado imobiliário
– Implementar um cadastro nacional de imóveis, títulos e documentos, integrando cartórios de registros e de uso compartilhado por diversos órgãos da administração pública. A integração se daria pelo chamado Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter).
A ideia é diminuir o custo, para os setores público e privado, na obtenção de informações seguras sobre a propriedade de imóveis, móveis, títulos e documentos. Também visa a melhorar o registro da regularização fundiária, aumentando a segurança jurídica da propriedade e a proteção do crédito. A implementação está programada para dezembro do ano que vem.
Reduzir a burocracia para exportação
– Criar um portal único on-line para reduzir em 40% o tempo para procedimentos de exportação e importação.
– Integrar a certificação do chamado Operador Econômico Autorizado para facilitar procedimentos para entrada e saída de bens e serviços do país.
A medida deve reduzir o tempo de desembaraços das mercadorias que chegam e saem do Brasil. No entanto, é considerada tímida para cumprir o objetivo final do governo, que é aumentar a participação do Brasil no comércio internacional.
Reduzir a burocracia para empresas
– A ideia é integrar em todo o país o Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) com todos os órgãos de registro e licenciamento para abertura, alteração de dados e fechamento de empresas. O objetivo é reduzir o prazo de abertura ou fechamento de até 100 dias em grandes centros para cinco dias.
Essa é uma medida bem avaliada por analistas. A desburocratização é o ponto forte do pacote, pois é o que mais ataca a redução do chamado custo Brasil, que é o preço que se paga para produzir no país.
Facilitar o acesso ao crédito e a renegociação de dívidas com o BNDES
– Cinco medidas visam a redução de custos nas linhas de crédito para micro, pequenas e médias empresas (MPMEs). Entre elas a ampliação de R$ 90 milhões para R$ 300 milhões do limite para o enquadramento de MPMEs. No total, a ampliação de crédito esperada é de R$ 5,4 bilhões.
– Em outra frente, o governo trabalha para facilitar a renegociação de dívidas. A principal medida é a que permite o refinanciamento de todas as parcelas vencidas e prestes a vencer com recursos do BNDES contratadas por meio de agentes financeiros para empresas com faturamento até R$ 300 milhões. Empresas de maior porte poderão solicitar o refinanciamento obtido com recursos do Programa de Sustentação do Investimento (PSI).
Na avaliação de Feldmann, da FIA, nenhuma dessas medidas é exatamente nova. “Além disso, são ações que não deram certo e que o governo, agora, quer emplacar”, diz. Segundo ele, no que tange o BNDES, o ponto fundamental seria destravar mais crédito para a área de infraestrutura. “As medidas são mornas e não atacam os catalisadores fundamentais do crescimento, que são o consumo e o investimento”, diz.
Reduzir multa às empresas por demissão sem justa causa
– Alterar a Lei Complementar nº 110/2001 para eliminar, gradualmente, a multa de 10% sobre o saldo do FGTS nos casos de demissão sem justa causa. A redução será de 1 ponto ao ano durante dez anos. A medida seria instituída via Projeto de Lei Complementar.
O governo defende que ela reduz o custo do empregador, favorecendo a maior geração de empregos. No entanto, segundo analistas, ela também pode ter um efeito rebote. “Ao reduzir a multa na ponta da demissão, em vez de estimular o emprego, ela motiva o desligamento”, diz Sandro Cabral, professor do doutorado do Insper. A medida também lembra o Projeto de Lei 200/2012, aprovado em 10 de agosto de 2012. Ele estabelece que o valor da multa não deveria ser mais cobrado a partir de 1º de junho de 2013. A proposta foi vetada pela então presidente Dilma Rousseff, que temia uma redução de R$ 3 bilhões na arrecadação, o que poderia, em sua análise, comprometer programas sociais.
Melhorar a remuneração do FGTS para o assalariado
– Distribuição de 50% do lucro gerado pelo FGTS para os trabalhadores.
A ideia é fazer com que o rendimento do fundo se aproxime da poupança, hoje em cerca de 5% mais Taxa de Retorno (TR) ao ano. Atualmente, o rendimento é de 3% mais TR. O governo ressalta que a distribuição de lucros não altera a disponibilidade de recursos para programas de desenvolvimento urbano, como habitação, saneamento e mobilidade urbana. A mesma proposta consta em dois projetos que tramitam na Câmara, um de autoria de Alexandre Baldy (PSDB-GO) e outro de Carlos Marun (PMDB-MS).
Facilitar o acesso ao microcrédito
– Ampliação do limite de enquadramento no programa de R$ 120 mil para R$ 200 mil de faturamento por ano e a alteração de regras operacionais.
O programa tem baixo custo e é voltado para ações de investimento em pequenos negócios. No limite, pode ajudar a produção de autônomos. “Vale ressaltar, no entanto, que são poucos os bancos interessados em oferecer microcrédito, pois o lucro obtido é muito pequeno. O governo anuncia a medida, mas não garante mecanismos para que os operadores financeiros se comprometam com ela”, avalia Feldmann.
Fonte: Época – 16/12/2017