04/04/2022
Insper Agro Global e Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) retomam seu Ciclo de Debates reunindo especialistas e lideranças do mercado
Tiago Cordeiro
Depois do auge nos anos 1990, a globalização entrou em um processo de enfraquecimento, que alguns chamam de um processo de “desglobalização”. O conflito entre a Rússia e a Ucrânia é, ao mesmo tempo, um sintoma desse novo momento e um incidente capaz de fortalecer o processo de distanciamento entre as nações. A pandemia da covid-19 fez com que vários países buscassem autossuficiência em diferentes áreas, com destaque para a produção de alimentos. O conflito coloca em xeque cadeias importantes desse mercado, especialmente no que diz respeito ao acesso a fertilizantes.
Foi esse o pano de fundo do primeiro debate realizado em 2022 pelo Insper Agro Global e pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). Realizado presencialmente no Auditório Steffi e Max Perlman, do Insper, e com transmissão simultânea e gravada no YouTube, o evento “Geopolítica e Desafios do Agro Brasileiro em Tempos Turbulentos” foi organizado em dois painéis. Deles participaram seis especialistas e lideranças, que interagiram com Marcos Sawaya Jank, coordenador do Insper Agro Global e do Núcleo Agro do Cebri, e Julia Dias Leite, presidente do Cebri.
Ao longo do ano, os debates, realizados trimestralmente, seguirão esse formato: dois painéis, totalizando duas horas de programação. “Estamos inaugurando um formato híbrido. Eu mesma estou no Rio de Janeiro”, explicou Julia. “O próximo evento será realizado no final de junho e vai abordar políticas para a inserção do agronegócio do Brasil no mundo”, complementou Jank.
O coordenador do Insper Agro Global abriu o debate mencionando que, à parte o recorde histórico de 120 bilhões de dólares nas exportações do agronegócio brasileiro em 2021, o momento tem sido de grandes incertezas.
“Vivenciamos a alta dos insumos, especialmente os fertilizantes. Os tempos são de crise no multilateralismo, em diferentes frentes, incluindo a Organização das Nações Unidas e a Organização Mundial do Comércio. Uma série de países vem impondo restrições a suas exportações, incluindo Argentina, Hungria e Sérvia. E agora enfrentamos o conflito da Rússia com a Ucrânia, que cria riscos para a segurança alimentar global.”
O primeiro painel, dedicado ao tema “Mercados e Geopolítica do Agro Brasileiro na Eurásia”, contou com a presença de André Corrêa do Lago, embaixador do Brasil na Índia, que participou por vídeo, às 2h30 da manhã de Nova Déli. “A Índia é o segundo país mais populoso do planeta e caminha para se tornar a terceira maior economia do mundo. Seis anos atrás, seu Produto Interno Bruto era menor que o do Brasil. Hoje, é o dobro”, destacou.
O país é uma potência em expansão, com uma classe média ascendente e a necessidade de crescer 8% ao ano para sustentar a urbanização e a mudança de padrão financeiro de parte expressiva de sua população. No plano geopolítico, é parceira antiga da Rússia. Mais recentemente, vem recebendo investimentos altos do Japão.
“A segurança alimentar, que era uma questão crucial para o país, está hoje mais bem equacionada, mas há espaço para o Brasil ampliar suas exportações à Índia, já que as relações diplomáticas entre as duas nações se desenvolvem sem incidentes”, disse Corrêa do Lago. O fato de cerca de um terço dos cidadãos indianos ser vegetariano abre margem para o fornecimento de proteínas de origem vegetal. “Com esforço, pesquisa, inteligência e informação, podemos ser extraordinários fornecedores da Índia”, afirmou.
Por sua vez, Larissa Wachholz, ex-assessora da ministra da Agricultura para assuntos de China e senior fellow do Cebri, abordou o momento vivido pelo país asiático. “Não concordo com os analistas que dizem que a China se beneficia com o conflito da Rússia. A turbulência internacional traz mais riscos do que oportunidades para o país, que é o principal parceiro econômico de mais de 130 nações.” Por outro lado, disse ela, a posição de proximidade, tanto da Rússia quanto da Europa, coloca Pequim em condições de fazer a mediação do conflito.
O comércio entre o Brasil e a China não deverá ser impactado pelo conflito, na avaliação de Larissa. “O Brasil é fornecedor de aproximadamente 20% de tudo o que a China compra no agronegócio. É uma posição que ninguém nos tira facilmente. mas deveríamos ter, sim, uma preocupação de médio prazo em relação à aproximação da China com a Rússia. Os russos têm um potencial agrícola muito grande, ainda não explorado, mas que pode ser desenvolvido em reação às sanções econômicas que impactam Moscou”, afirmou.
Em relação ao acesso a insumos, o Brasil nem sempre foi dependente de importações. “Consumimos mais de 45 milhões de toneladas, e 85% é importado”, avaliou o consultor David Roquetti Filho, ex-diretor executivo da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda). “Chegamos a importar apenas 30% até que, a partir de 1997, os fertilizantes importados passaram a contar com isenção de impostos, o que desestimulou a produção local”, disse.
O cenário atual, segundo ele, é “preocupante, mas não deve gerar pânico”. “Apesar de 63% de tudo o que importamos de fertilizantes vir da Eurásia, as informações que temos até agora apontam que as fábricas de fertilizantes da Ucrânia não foram destruídas. A questão é saber quando essa guerra vai acabar.”
A segunda parte do evento, o painel “Desafios da Pauta Exportadora do Agro Brasileiro: Diversificação e Diferenciação”, contou com a presença de Flávio Bettarello, ministro-conselheiro da Embaixada do Brasil em Madri e ex-secretário adjunto de comércio e relações internacionais do Ministério da Agricultura e Pecuária, de Luiz Roberto Barcelos, sócio-diretor da Agrícola Famosa e diretor institucional da Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), e de Sueme Mori Andrade, diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Os três conversaram sobre questões de longo prazo que, se solucionadas, podem ampliar ainda mais o poder exportador do agronegócio brasileiro. “A pandemia trouxe de volta a questão da importância do abastecimento de alimentos, que voltou à tona com o episódio da Ucrânia. Esse cenário aumenta a dificuldade para explorar novos mercados, com paciência, perseverança e priorização, adaptando os produtos ao gosto dos consumidores”, disse Bettarello.
Um caminho para a diversificação passa pela exportação de frutas. “É um mercado global de 140 bilhões de dólares, e só agora o Brasil chegou ao primeiro bilhão em exportações”, comentou Barcelos. “O potencial é enorme, na lucratividade e na geração de empregos, em regiões mais pobres como o semiárido nordestino. A semente de melão, por exemplo, tem valor agregado maior do que a soja.”
O diretor da Abrafrutas lembrou que o Peru, que em 2000 exportava 100 milhões de dólares, hoje já exporta 3 bilhões de dólares. “Os peruanos aprenderam a exportar uvas no Vale do São Francisco. O Brasil, que já é o celeiro do mundo, tem potencial para ser também o pomar do mundo. Mas precisa priorizar os investimentos na fruticultura”, afirmou.
Diversificar a pauta de exportações é uma necessidade, de fato, concordou Sueme Mori. “Apenas 7 mil empresas do agro no país são exportadoras. Vender para o exterior demanda um esforço no reconhecimento do mercado, e muitas vezes demora para o retorno dos investimentos se manifestar. Mas a internacionalização do agronegócio, especialmente dos pequenos e médios, é possível e desejável.”