05/01/2015
Basta uma simples busca na internet. Em grande parte dos resultados obtidos com o acrônimo “Forex” aparecem termos como “fique milionário” ou “enriqueça rapidamente” junto a ofertas de captação de investimentos. Mas também surgem com certa frequência temas bem menos atraentes, entre os quais fraude, golpe e pirâmide.
Formado pelas primeiras sílabas das palavras inglesas “foreign” e “exchange”, ou seja, câmbio estrangeiro, em uma tradução literal, o nome designa um mercado internacional de troca de moedas que, segundo o Banco Internacional de Compensações (BIS), instituição considerada o banco central dos bancos centrais, movimenta diariamente US$ 5 trilhões, conforme o dado mais recente disponível, relativo a outubro de 2013.
O mercado em si é legalizado e amplamente usado por agentes financeiros e investidores institucionais de todo o mundo. O problema é que a volatilidade extrema e, portanto, o enorme potencial de ganhos – assim como de perdas ainda maiores – tornam o segmento um terreno fértil para oportunistas e fraudadores.
Neste ano, apenas uma empresa, a Secure Investments, sediada no Panamá, provocou perdas estimadas em mais de US$ 1 bilhão com vítimas espalhadas por 11 países. Disfarçadas de corretoras legais, essas empresas de fachada atraem pessoas com promessas de retornos fabulosos, de até 60% ao mês. O argumento torna-se convincente, porque, de fato, negociações no mercado Forex podem resultar em lucros tão elevados quanto os prometidos. Além da forte oscilação do câmbio, as operações permitem alavancagem que, mesmo para pessoas físicas, começa em cem vezes o valor investido e pode alcançar até 1.200 vezes.
Os recursos captados pelas falsas corretoras são em geral desviados. Alguns esquemas usam o sistema de pirâmide financeira, na qual parte dos valores que entram é usada como retorno para os primeiros investidores (que estão no topo), com o objetivo de manter a fraude mais tempo no ar e conseguir mais dinheiro.
Os golpes, na verdade, não são novos. De 2005 a 2014, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu 169 processos contra operações ilegais de Forex no país. Segundo a autarquia, por aqui não existem corretoras habilitadas para intermediar investimentos nesse mercado nem instituições autorizadas a captar clientes, o que inclui operadores estrangeiros. Ou seja, qualquer oferta de aplicações do gênero destinadas a brasileiros é irregular.
“No momento, não existem empresas autorizadas a operar Forex no Brasil”, ressaltou a CVM, em resposta a questionamentos feitos pela reportagem do Valor. “Mesmo o intermediário estrangeiro, se ofertar valores mobiliários a residentes no Brasil, deverá ter registro de entidade integrante do sistema de distribuição de valores mobiliários ou, alternativamente, contratar uma instituição local, registrada junto à CVM, para conduzir a oferta”, complementou a autarquia.
Embora a captação de clientes possa ser considerada irregular, o investimento por brasileiros nesse mercado é perfeitamente legal, desde que realizado diretamente lá fora, ou seja, é possível a quem tem conta em instituição estrangeira habilitada a operar Forex. “O investidor pode enviar recursos para sua conta no exterior, o que é perfeitamente legal. Se quiser operar nesse mercado é só abrir uma conta em uma corretora habilitada no exterior e negociar diretamente a partir do próprio computador, por meio de um home broker“, explica o professor de economia do Insper, João Luiz Mascolo.
Além das falsas corretoras, a operação no mercado internacional de câmbio embute riscos inerentes ao perfil especulativo do Forex: a alta volatilidade e a alavancagem. Conforme o sócio-diretor da corretora de câmbio Graco Exchange, Leandro Gomes, a taxa de alavancagem padrão nesse mercado se situa em 100 vezes para 1. Mas pode alcançar 1.200 para 1 de acordo com o volume da operação, pondera o especialista. No caso da margem mais praticada, isso significa que cada dólar investido representa US$ 100 dentro da operação.
A negociação de um par dólar/euro de US$ 100 mil, por exemplo, que equivale a apostar na valorização da moeda americana, pode ser feita com depósito de apenas US$ 1 mil. Se o lote resultar em um retorno de 0,5%, o investidor vai embolsar US$ 500, ou seja, um ganho de 50%.
O risco de perda é igualmente alto, se a variação for negativa. “A alavancagem torna a margem de ganho muito grande, mas sempre que alguém ganha, alguém perde, não tem mágica, então o risco é muito alto”, afirma Gomes.
A possibilidade de ganhos elevados e rápidos, no entanto, costuma ofuscar os riscos. E o perfil especulativo do mercado costuma atrair gente que gosta de apostar. “O pessoal que opera no Forex não dorme. Parece até um jogo, conheço gente que ficou viciado nessas operações como um jogo”, conta Gomes.
Conforme Alejandro Rebelo, sócio da XP Securities, corretora americana do grupo XP Investimentos, as características do Forex atraem muitos investidores individuais em vários mercados no mundo. “Os americanos, canadenses, europeus e asiáticos são muito ativos. Na Ásia tem casa do tipo lan house para operar moedas. E são muito acessadas por muitas pessoas físicas”, diz.
Segundo Rebelo, nos mercados de moedas mais desenvolvidos, como o dos EUA, a regulação e os próprios mecanismos de segurança incorporados pelos agentes de mercado atenuam os riscos. “Como a capacidade de perda é muito grande, aqui nos EUA, as plataformas têm proteções; algumas, por exemplo, impedem perdas acima da garantia depositada.” O sócio da XP Securities cita ainda seguros contratados pelas corretoras para cobrir eventuais rombos em operações.
Na avaliação de Mascolo, do Insper, como as moedas se movem em função dos eventos macroeconômicos dos países, “os perigos são se alavancar além da conta, não conhecer os mercados e não ter um controle de risco adequado“.
Falsa corretora causa prejuízo bilionário
Em seu site, a Secure Investment, uma empresa de atuação supostamente global com sede no Panamá e escritórios em Hong Kong, Londres e Sidney, afirmava negociar mais de US$ 4,8 bilhões por dia para mais de 100 mil investidores de 140 países no mercado Forex. E mais: dizia tomar as decisões de negócios para os investidores e, com isso, garantir o principal. Parecia um negócio à prova de falhas, afinal, mesmo que as operações não resultassem em ganhos de até 250% ao ano, conforme prometido pelo portal, a aplicação original estaria protegida.
O apelo da proposta, conforme noticiou a “Bloomberg”, seduziu centenas de pessoas em 11 países que podem ter perdido mais de US$ 1 bilhão entre 2013 e 2014, segundo investigações de autoridades americanas. O site simplesmente saiu do ar e seus responsáveis desapareceram após tentativas de resgate de investimentos.
O esquema montado pela Secure Investments envolvia até a contratação de call centers em Hong Kong, Austrália, Canadá, Reino Unido e nos EUA para manter a fachada de firma de investimentos.
No Brasil, não houve registro de nenhum golpe desse porte, mas, desde 2005, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) já abriu 169 processos contra operações ilegais de Forex. Na decisão mais recente, datada de 11 de novembro, o colegiado da autarquia condenou sete pessoas por intermediação irregular de operações no mercado Forex. Segundo o despacho, “eram pessoas muito simples perpetuando uma estrutura irregular de pirâmide”. O grupo operava por meio dos sites forexbrasil.net e fx-br.com, com promessas de retornos de 20% ao mês. As contas do esquema teriam recebido depósitos de R$ 130 mil, conforme o documento da CVM.
Em um dos casos mais conhecidos, a empresa MDD mantinha um site no qual sugeria ser uma corretora de Nova York, mas, “na verdade, tratava-se apenas de uma pessoa operando de um notebook a partir de uma residência na cidade Campos de Goytacases, no Rio de Janeiro”, conforme relato da própria CVM.
O caso foi julgado pela autarquia em 2009, como conclusão de um processo resultante de reclamações recebidas em 2005. Segundo o órgão, “na ocasião, foram realizadas inspeções no local que comprovaram que a dita empresa desenvolvia atividade de captação de recursos provenientes da poupança popular, com promessa de rendimentos de até 3% ao dia”.
Os proprietários da MDD receberam multa de R$ 95 mil, correspondente a 10% dos recursos captados no esquema, conforme os documentos do processo, o que resulta em um montante identificado pela investigação de quase R$ 1 milhão.
Outros processos da CVM relatam casos como os da TeleTrade, que captava clientes por meio do site teletrade.br.com, da Ava FX, que mantinha operação irregular por meio do portal avafx.com, e da NordFX, também citada como “não autorizada a captar clientes residentes no Brasil”.
Na avaliação do professor do Insper, João Luiz Mascolo, para se prevenir contra ofertas irregulares, é preciso “olhar a placa“, isto é, verificar as credenciais da instituição, como quem é o banco custodiante e se a casa está registrada no órgão regulador do país-sede, além de ater-se às grandes e tradicionais corretoras lá fora.
Contexto
O Forex ou FX, como é conhecido no exterior, é um mercado de balcão organizado internacional, ou seja, um ambiente descentralizado, sem local físico e autorregulado, criado para negociações de moedas por meio de derivativos e contratos de câmbio. De acordo com relatório do BIS, as operações são feitas na maioria por instituições financeiras, bancos centrais, fundos soberanos, hedge funds, fundos de pensão, seguradoras e gestoras de recursos, que respondem por 91% das transações. Outros 9% são movimentados por empresas, órgãos governamentais e pessoas físicas por meio de corretoras.
O FX funciona 24 horas. “É um mercado que não fecha: abre na Europa, depois na Ásia, depois nos EUA e assim sucessivamente“, afirma o professor de economia do Insper, João Luiz Mascolo. Segundo o especialista, o Forex se desenvolveu, entre outros interesses, por conta da grande demanda global por hedge, ou seja, proteção contra as oscilações das moedas. “Uma consequência da globalização é que, por exemplo, você tem uma empresa no Brasil, exporta para os EUA e importa uma máquina da Europa, então a companhia tem um passivo em euro e recebimento em dólar. É uma necessidade de hedge muito grande no mercado internacional“, explica.
A negociação é baseada em pares de moedas, por exemplo, dólar/euro. De acordo com um boletim sobre Forex da CVM, “quando alguém faz uma operação nesse mercado, não está comprando uma determinada divisa, mas uma taxa de câmbio entre duas moedas. Graças à flutuação nessas taxas, podem ser estruturadas estratégias de investimento que podem resultar em lucros ou em prejuízos”.
Um dos principais atrativos é a alavancagem, que tem margem padrão de 100 vezes para 1, mas pode superar 1.000 para 1. Segundo a CVM, “a margem permite ao investidor fazer uma operação com o valor de referência de US$ 100 mil, por exemplo, depositando apenas US$ 1 mil”.
Fonte: Valor Econômico – 29/12/2014