02/03/2015
As atividades de exploração e produção de petróleo funcionam bem e devem continuar sob o domínio estatal, mas um novo modelo de negócios para a Petrobras precisa ser pensado, afirmam o ex-secretário de política econômica do governo Lula e diretor vice-presidente do Insper, Marcos Lisboa, e Samuel Pessoa, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e assessor econômico do candidato Aécio Neves nas últimas eleições. Afinados a ponto de um complementar a frase do outro, ambos entendem que a estatal deveria abrir mão da distribuição de combustível e do refino em nome de maior transparência e concorrência. A seguir, os principais trechos da conversa ocorrida na quarta-feira à noite, em São Paulo.
Valor: Qual a saída para a Petrobras?
Marcos Lisboa: Tanto no caso da Petrobras quanto no mais geral das contas públicas, o que se viu nos últimos seis anos é que temos avanços institucionais importantes a serem feitos. Nas empresas públicas, a concorrência ajudaria a evitar problemas. Uma empresa pública concorrendo com outras privadas não consegue pagar acima do preço de mercado ou vai ficar evidente que ela está pagando mais do que as demais. Acho também que o papel e a composição do conselho de administração da Petrobras deveriam ser revistos.
Valor: Mas o conselho também era formado por gente bastante respeitada pelo mercado…
Lisboa: Não era a maioria.
Samuel Pessoa: Concordo. Uma empresa perder bilhões durante três ou quatro anos em razão de controle de preços é uma insanidade. Acho estranho a CVM não ter feito nada porque, se há um controlador que está claramente prejudicando a empresa e os minoritários, usando a empresa para alcançar objetivos de natureza política, isso não pode ser permitido. Eventualmente tem uma questão tecnológica que justifica o fato de a Petrobras ser estatal. Pode-se dizer também que ter controle sobre petróleo, um insumo estratégico, também faz sentido. Mas não consigo ver controle de preço da gasolina nisso. Se o Tesouro quer subsidiar a gasolina, normal, desde que o subsídio apareça como despesa primária e o Congresso vote.
Valor: A oposição tem incorporado esse discurso?
Pessoa: Ela não pegou essa bandeira de forma muito incisiva, o que sugere que os políticos avaliam que esse é um assunto muito delicado. Como cidadão, olho e vejo que há tantos sinais que as coisas não estão funcionando, que acho que realmente tem algo muito profundo na sociedade brasileira que impede que essa questão seja facilmente comunicada.
Valor: A privatização da Petrobras seria a solução?
Pessoa: Eu entendo que a parte mais nobre da Petrobras – toda a parte de exploração e produção de petróleo – faz sentido continuar estatal, pois funciona bem. A menos que apareça alguém que queira pagar os “tubos” por isso, está tudo certo, tem transbordamentos tecnológicos para outros setores e outras cadeias produtivas. Mas eu acho que a gente poderia pensar em mudar o modelo de negócios dela. É o caso da BR Distribuidora. Também acho que seria melhor sair de uma parte grande da atividade de refino porque é preciso começar a introduzir competição nesse setor. Evidentemente, isso é mais fácil falar do que fazer e vai requerer muita regulação. Não é colocar o setor privado nessas áreas que vai funcionar. Se pode criar monopólios privados.
Lisboa: Eu concordo com o Samuel. Mas para mim tem uma questão anterior que é aquilo que permite que esses problemas tenham crescido de forma tão acelerada no Brasil nos últimos seis anos. É todo o descontrole da intervenção microeconômica ineficaz e incompetente que foi feita. Antes da discussão de ter mais ou menos Estado, seria benéfico para o país uma discussão sobre transparência. Isso permitiria à sociedade debater de forma democrática e informada se quer ou não a Petrobras em todos esses ramos. Não há razão social para que ela esteja envolvida em distribuição de gasolina, pelo contrário, o país pode perder dinheiro com isso. A empresa tem que parar de gastar tempo cuidando de levar gasolina daqui para lá para fazer a atividade nobre que é explorar petróleo.
Pessoa: E tem outras coisas malucas, como a Petrobras tomar conta de poços de petróleo em final de produção. Em geral, a empresa que faz isso não faz o pré-sal. Então, pega os poços e vende.
Valor: A Petrobras pode complicar a tarefa do Levy de entregar o superávit primário prometido?
Lisboa: O superávit já estava comprometido antes disso. Os números são muito piores do que a maioria dos analistas esperava há poucos meses. O tamanho do desafio é muito maior. E para agravar, as más noticias não terminaram: tem o resultado do PIB de 2014, por exemplo. O governo disse que não havia necessidade de austeridade, que havia recursos para todas as políticas públicas ampliadas nos últimos anos, mas eles se esgotaram. Há uma dívida crescente e o custo de não ter feito um ajuste moderado há alguns anos é a gravidade da crise atual, que não termina neste ano.
Valor: Quando a economia volta a crescer com mais força?
Lisboa: Acho que a economia brasileira não volta a crescer [nessas condições]. Em 1999 ou 2003, se fez um ajuste fiscal duro em um ano e voltou a crescer 3% ou até mais no outro, sobretudo após 2003. Não é isso agora. Nossa produtividade está estagnada ou até negativa. Isso quer dizer que é uma economia de baixo crescimento e que vamos crescer no ritmo do crescimento da população – que é 1% – ou um pouco mais.
Pessoa: Lembra muito a virada dos anos 1970 para os anos 1980. Eu era mais otimista do que o Marcos, mas meu otimismo foi por água abaixo por uma soma de coisas. Ver que o problema da produtividade é mais profundo. Que não é só desajuste macro, que a questão hídrica e energética não é só São Pedro. Vai ser difícil reverter.
Fonte: Valor Online – 27/02/2015