16/06/2013
Um dos riscos do investimento estatal na iniciativa privada é as empresas entrarem em uma crise financeira
Ao mesmo tempo em que aumenta o potencial de atração de novos empreendimentos e possibilita a geração de benefícios que vão além da maior arrecadação de impostos, a relação estreita entre o poder público e a iniciativa privada também pode vir acompanhada de vícios já existentes nas duas esferas.
O envolvimento de companhias que têm o governo como sócio em campanhas eleitorais, aponta o professor do Insper Sérgio Lazzarini, é um dos possíveis malefícios que podem surgir a partir desse tipo de relação FOTO: DIVULGAÇÃO
Em determinados casos, a combinação entre a influência do governo e o capital de grandes grupos econômicos criam um cenário favorável para que os investimentos feitos com dinheiro público possam não apenas ser desperdiçados, mas também usados para sustentar práticas que vão na contramão das promessas de desenvolvimento local e da melhoria de vida da população.
O envolvimento de companhias que têm o governo como sócio em campanhas eleitorais, aponta o professor do Insper Sérgio Lazzarini, é um dos possíveis malefícios que podem surgir a partir desse tipo de relação e exige cautela.
Favores
“Uma coisa que acontece é alguém falar: ‘você recebeu capital do governo do meu partido, então está na hora de retribuir com as doações para a campanha'”, ressalta Sérgio Lazzarini. O principal prejuízo desse fato, acrescenta o professor, é a dependência que pode surgir entre as duas partes, que se alimentam da troca de favores.
A distribuição de cargos, em grandes empresas, a partir de indicações políticas – e não devido a critérios baseados na competência – também é uma preocupação de especialistas quanto à influência do governo.
Crise na empresa
Conforme o professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), Thiago Borges, outro risco do investimento estatal na iniciativa privada é a possibilidade de as empresas entrarem em uma crise financeira, demandando elevados recursos para serem socorridas, ou mesmo acabarem falindo.
Mesmo sendo sócio, ressalta Borges, o governo não possui obrigação real de socorrer uma empresa que esteja dando prejuízo, caso considere inviável fazer novos investimentos.
Auxílio evita prejuízos
“Muitas vezes a recomendação é que se deixe que o mercado selecione a empresa. Até porque (caso o governo interferisse), você criaria uma concorrência desleal com as outras empresas, já que você teria um agente muito mais forte, com muito mais recursos, para bancar essa situação de déficit”, destaca Thiago.
O professor salienta, entretanto, que, em determinados casos, o auxílio do governo pode impedir um prejuízo ainda maior aos cofres públicos, uma vez que, dependendo do porte da companhia, uma situação de falência implicaria em diversos outros danos. “Se é uma empresa muito grande, se ela emprega muita gente, é outra situação. Se ela quebra, gera um problema nacional”, afirma.
Thiago ressalta que há ainda o risco de os empreendimentos acabarem se acomodando com a ideia de terem o poder público como parceiro, preocupando-se menos com concorrentes e deixando de investir em pontos como inovação, capacitação e redução de custos.
Inércia
Uma vez que a participação do governo como sócio está ligada à expectativa de que os empreendimentos contemplados tragam, além de retorno financeiro, benefícios como a geração de empregos e também a atração de outras empresas, essa inércia acaba sendo uma das ameaças às intenções iniciais da administração pública.
Essa situação, diz Thiago Borges, também prejudica as empresas concorrentes que não contam com o mesmo apoio. (JM)
Opinião do especialista
Representação tem de ser ponderada
Alcântara Macêdo
Economista
Nesse tipo de relação entre o Estado e a iniciativa privada, é fundamental que o governo possua um assento no conselho de administração da empresa, já que precisa acompanhar os projetos e ter certa participação no planejamento da companhia. Entretanto, caso o poder público tenha um número elevado de ações e, consequentemente, maior representatividade na empresa, há o risco de componentes políticos interferirem na atuação do empreendimento.
Se, em vez de um assento no conselho de administração, o Estado tiver uma diretoria, com vários membros, esse espaço pode vir a ser utilizado para o preenchimento de cargos a partir de indicações ligadas às relações entre os partidos políticos, o que seria bastante prejudicial.
Concorrência
“Muitas vezes a recomendação é que se deixe que o mercado selecione a empresa.”
Thiago Borges
Professor do Insper
Ter o Estado como sócio gera mais garantias
Embora seja fundamental para oficializar a parceria entre governo e iniciativa privada, os recursos aplicados pelo poder público na compra de ações nem sempre são o principal fator que leva investidores a formar sociedade e optar pela instalação em determinado local. Além da quantia necessária para concretizar o empreendimento, a segurança de estar participando de um negócio aguardado pelo governo local e a maior celeridade em processos burocráticos também são determinantes para a escolha.
No caso da Silat, o aporte de R$ 30 milhões por parte do governo do Estado não foi o principal atrativo para que a empresa, de propriedade do grupo espanhol Hierros Añon, se instalasse no Ceará FOTO: VIVIANE PINHEIRO
Tendo o governo como sócio, diz o professor do Ibmec Thiago Borges, as empresas podem usufruir de outras vantagens, que variam conforme o porte e os interesses da companhia. “São benefícios indiretos, de negociação, de viabilização do próprio empréstimo, de aquisição de linhas de crédito mais barata”.
Thiago diz que é interessante para a iniciativa privada saber que, em determinados casos, pode contar com o apoio do poder público em momentos de crise, como dificuldades financeiras.
Interesse
No caso cearense, frisa o diretor de atração de investimentos da Agência de Desenvolvimento Econômico do Ceará (Adece), Cláudio Frota, o objetivo da participação em ações é “sinalizar o interesse” do Estado na existência do empreendimento. “Ele (o investidor) vai saber que vai haver um empenho do Estado no desenrolar das questões de meio ambiente e em questões mais complicadas de sociedade. Ele vai saber que tem realmente o Estado como parceiro seu na implantação daquele negócio”.
Esse “apoio simbólico” do governo acaba sendo elemento relevante sobretudo para grandes grupos que conseguiriam um volume elevado de recursos com a própria iniciativa privada, sem a necessidade de aporte financeiro por parte do poder público.
Fonte: Diário do Nordeste Online – 16/06/2013