29/09/2014
Sempre que um estudo sobre gestão de fundos de ações é realizado, os ânimos se acirram entre os defensores das gestões ativa e passiva. Uma pesquisa do Insper finalizada em abril e divulgada com exclusividade pelo Valor adiciona combustível nessa fogueira. O levantamento, feito para a dissertação de mestrado do economista Daniel Kanai, sob orientação do professor Ricardo Dias de Oliveira Brito, analisou o desempenho de 1.097 carteiras entre junho de 2000 e junho de 2013. Resultado: apenas 10% dos portfólios geraram retornos acima do referencial adotado. E, segundo os pesquisadores, mesmo assim, na maioria dos fundos com desempenho superior à média, a taxa de administração simplesmente “consumiu” esse ganho superior ao “benchmark”, conhecido no jargão do mercado como “alfa”.
E tem mais. O estudo indica ainda que metade das carteiras analisadas gerou um alfa negativo. Ou seja, o resultado indica uma falta de habilidade da gestão nesses casos, segundo os pesquisadores, pois, descontado o efeito acaso, a atuação ativa piorou o desempenho esperado nas simulações.
Conforme o levantamento conclui, “na média, a gestão ativa não agrega valor para os investidores [em relação] aos retornos de uma carteira passiva do modelo de três fatores [referencial adotado nas comparações]”.
Kanai afirma que “olhando de forma consolidada é quase um jogo de zero a zero [a geração de alfa na gestão ativa]”. No estudo, Kanai adotou como sistema para a avaliação do desempenho das carteiras o método desenvolvido pelo ganhador do prêmio Nobel de Economia, Eugene Fama, junto com Kenneth French. O modelo de precificação de ativos de Fama e French, conhecido como três fatores, considera além do beta, ou seja, o referencial passivo dado, por exemplo, por um índice de mercado – no caso da dissertação foi usado o IBrX 100 -, as influências do tamanho das empresas e o efeito do “book-to-market”, a diferença entre os valores contábil e de mercado das companhias.
O ajuste ao risco na pesquisa também levou em conta o custo de oportunidade dos juros, por meio da curva de contratos de swap pré DI de 30 dias. “A ideia é medir o retorno da estratégia dos fundos em relação ao que o mercado está conseguindo [beta], mas também relativamente ao fato de que o gestor está usando estratégias baseadas em valor ou em tamanho [das empresas]”, explica Brito.
E, para evitar o efeito sorte ou acaso nos retornos, Kanai replicou para cada fundo analisado resultados positivos conseguidos pela gestão para períodos aleatórios por meio de simulações. Assim o levantamento obteve os alfas esperados e pôde compará-los aos efetivamente realizados. Outro cuidado da pesquisa do Insper foi evitar o “viés de sobrevivência” de estudos anteriores, nos quais eram avaliadas apenas as carteiras ainda ativas. “Os fundos que continuam a existir são naturalmente os bem-sucedidos e portanto tendem a ter histórico mais positivo do que os que fecharam”, diz Kanai. No entanto, observa o pesquisador, os investidores aportaram recursos e, eventualmente, perderam dinheiro em fundos que já fecharam. Por isso, para ter uma fotografia mais acurada da performance da indústria, o estudo considerou todas as carteiras abertas ao longo do período analisado, bem como aquelas que fecharam entre 2000 e 2013.
Entre as conclusões, o estudo aponta a taxa de administração como uma das principais vilãs do retorno dos fundos. “Os gestores conseguem adicionar valor à gestão ativa, considerando o patrimônio agregado investido em fundos de ações. Porém, esse retorno adicional é consumido pelas taxas de administração cobradas dos investidores pelos fundos”, escreve Kanai. Brito, do Insper, observa que, além do custo, o efeito da taxa se faz sentir porque “quem cobra mais tem de assumir mais riscos para bater o benchmark”. Conforme o professor do Insper, os resultados mostram que investir em fundos de ações pode ser desafiador ao exigir uma avaliação ampla do trabalho do gestor. “Tem uma minoria que consegue [gerar alfa], mas também tem um grupo que consegue gerar perdas maiores, ou seja, perder mais que a má sorte. Investir na indústria de fundos ativos não parece uma coisa fácil e não parece que vai resultar num ganho óbvio”, afirma Brito. Nos Estados Unidos, a discussão gestão ativa contra passiva ganha munição duas vezes ao ano com a pesquisa realizada pela Standard and Poor”s, chamada Spiva (S&P Indices Versus Active). Trata-se de uma comparação entre os desempenhos dos índices S&P ante a média dos fundos mútuos de ações ativos. O relatório compara os índices com a média dos retornos de fundos de características semelhantes aos da composição de cada indicador. O S&P 500, por exemplo, é correlacionado às carteiras com empresas de maior capitalização de mercado, as large caps, enquanto o S&P Small Caps 600 se contrapõe aos fundos que investem em companhias de menor liquidez.
Nos dois casos, o levantamento mostra no curto prazo um número significativo de portfólios com ganhos acima do respectivo benchmark. No período de um ano terminado em junho de 2014, 40,22% dos fundos bateram o S&P 500 e 27,21% dos gestores conseguiram superar o S&P Small Caps 600. Quando o intervalo de tempo sobe, cai expressivamente o número de carteiras vitoriosas. Em cinco anos, apenas 13% dos portfólios ganharam do S&P 500 e 12,13% venceram o S&P Small Caps 600. De acordo com o professor Ricardo Brito, efeito parecido ocorre no levantamento do Insper. Segundo o especialista, os fundos que exibem retornos mais altos têm menos tempo de existência [cerca de um terço da vida das carteiras que apresentam o pior desempenho], o que quer dizer que talvez eles não sejam tão habilidosos.
Em sua opinião, fundos com pouco tempo de mercado são mais difíceis de serem avaliados. “Fazendo uma analogia com o futebol, um jogador jovem pode jogar muito bem em uma partida, mas tem de ser observado em várias para saber se vai ser um novo Neymar.” Na percepção de Daniel Ávila, diretor da Vérios, dona do site Comparação de Fundos, opor as gestões ativa e passiva é uma visão pouco produtiva em termos de filosofia de investimento. Em sua avaliação, um portfólio diversificado deveria abraçar as duas estratégias. A grande questão, de acordo com Ávila, é encontrar o que ele classifica como “as ilhas de excelência no mercado”. Nesse sentido, ressalta, para selecionar bem os gestores, mais que verificar o histórico, o investidor precisa conhecer a proposta e ver se seus interesses se alinham com os do fundo. O diretor de renda variável da Franklin Templeton, Frederico Sampaio, vê com ressalva os resultados do estudo do Insper. Na experiência prática do gestor, muitas casas têm carteiras que geram alfa. “A gente mesmo tem um histórico de apresentar resultados significativos acima dos índices”, afirma. Sampaio cita como exemplo o fundo de ações mais antigo da Franklin, de 1999. Segundo ele, a carteira até 22 de setembro havia acumulado um retorno de 2.476% ante 672% do Índice Bovespa no período. Sampaio ressalta ainda que se o fundo consegue ter performance consistentemente acima do índice se deve ao trabalho do gestor. Mas, para isso, é importante avaliar o histórico no longo prazo. “Ninguém consegue prometer performance de curto prazo, mas no longo prazo fica bem nítido o trabalho de gestão”, afirma. Dos sobreviventes, metade bate IBrX Uma das formas mais simples de se medir o “alfa”, ou seja, o ganho acima do mercado gerado por uma carteira é justamente comparar o retorno em relação ao índice de referência.
A pedido do Valor, a Vérios, dona do site Comparação de Fundos, fez um levantamento em período semelhante ao analisado pelo economista Daniel Kanai no estudo do Insper. Com o objetivo de obter uma visão quantitativa dos portfólios existentes, com pelo menos cinco anos de histórico, que têm obtido resultados acima do benchmark, a pesquisa desconsiderou os fundos fechados ao longo do período analisado, de janeiro de 2000 a agosto de 2014.
O levantamento considerou apenas as carteiras com patrimônio líquido a partir de R$ 10 milhões e mais de dez cotistas. Do total de 2.218 fundos analisados, foram selecionadas 327 carteiras, conforme os filtros utilizados. Se usado como benchmark o IBrX 100, composto pelas cem ações mais negociadas na bolsa brasileira em termos de número de negócios e volume financeiro, os resultados indicam equilíbrio entre os gestores que conseguem gerar o alfa e aqueles menos eficientes.
Pouco mais da metade da amostra de fundos ativos bate o referencial. São 165 carteiras com geração de alfa positivo, ou 50,45%, ante 163 com resultados negativos em relação ao índice, grupo que representa 49,55% do total. O melhor resultado anualizado obtido por uma carteira alcança um retorno 20% acima do IBrX, enquanto o pior chega a -18% em comparação ao indicador. Quando usado como referencial o Ibovespa, índice baseado em critérios de liquidez, o cenário muda radicalmente. Dos 327 fundos avaliados, nada menos que 74,3% ou 243 superaram o indicador. Apenas 25,7% perderam do benchmark ao longo do tempo de existência dos fundos. Na avaliação do sócio da Vérios, Daniel Resende, o levantamento mostra a existência de gestores que são capazes de gerar alfa. “A principal questão para o investidor é fazer um trabalho de seleção desse gestor”, afirma. Segundo Resende, o mercado “tem muitas carteiras cujo único benefício é a facilidade comercial, nas quais o cliente acha mais fácil investir por ter uma relação com o banco”. Em geral, são fundos com taxas muito altas e eficiência questionável em termos de gestão ativa, ressalta. Para o sócio da Vérios, os produtos dos grandes bancos “acabam distorcendo o mercado”. Além da comodidade, outro erro comum de investidores é se equivocar com o “timing” de entrada. “Muita gente investe só depois que o fundo teve um retorno muito alto. Isso pode gerar frustração em massa se o fundo não repetir o resultado. São poucos os que conseguem aproveitar esses movimentos.”
Fonte: Valor Econômico – 29/09/2014