08/02/2022
Projetos desenvolvidos na disciplina Química Tecnológica Ambiental estudam a poluição do Rio Pinheiros e o potencial das células solares
Leandro Steiw
Os alunos de Engenharia de Computação do Insper escolheram: eles gostariam de estudar sustentabilidade e tecnologia de células solares na disciplina Química Tecnológica Ambiental (QTA). Era 2019, a disciplina QTA precisava ser reformulada e os professores Paulina Achurra e Robson Raphael Guimarães desenvolveram junto a alunos dois novos projetos para motivar os estudantes do quinto semestre de Engenharia de Computação. O primeiro foi o monitoramento da qualidade das águas do Rio Pinheiros, para decifrar a turbulenta relação da capital paulista com seus rios e córregos. Já o segundo tema coincidiu com a formação de Guimarães, que havia pesquisado células solares sensibilizadas por corantes em seu doutorado na Universidade de São Paulo (USP) e continua pesquisando o tema.
A localização dos rios e córregos é intuitiva, porque praticamente todos os cursos de água de São Paulo estão cobertos por concreto ou asfalto. “Pense numa avenida. A 9 de Julho é um córrego; a 23 de maio, também; a Juscelino Kubitschek… e por aí vai”, diz a professora Paulina Achurra. Os professores mapearam, da nascente à foz no Pinheiros, dois córregos que escoam nas proximidades do campus do Insper, na Vila Olímpia: o do Sapateiro, que passa pelo Parque do Ibirapuera, e o Uberaba, que passa perto do Insper (sabia disso?).
“Começamos a identificar o percurso e ver que pontos de acesso existiam. Percorremos a pé, entrevistamos pessoas que moram nesses lugares há 30, 40 anos, e contavam como a cidade havia mudado, e contatamos a Fundação SOS Mata Atlântica”, relembra Paulina Achurra, PhD em Engenharia Química pela Universidade Stanford. Foram criados dois pontos de coletas da SOS que são mantidos pelo Insper e que, desde então, envolvem alunos interessados em pesquisas no Rio Pinheiros. “Nosso objetivo era conectar o conhecimento técnico com o mundo real, políticas públicas e técnicas de laboratório”, diz Paulina.
Em 2019, o governo do estado estava lançando o programa Novo Rio Pinheiros, com ampla exposição na mídia. Os professores imaginaram se os alunos seriam capazes de avaliar essa política de revitalização, considerando a repercussão na época, como cidadãos. “Rapidamente, percebemos que não. Então, seria um bom tema. Começamos mostrando qual era a proposta do plano e por que era diferente das propostas anteriores de despoluição”, diz a professora.
Segundo ela, uma das diferenças é a remuneração por resultado. No passado, a empresa era remunerada pela tubulação instalada. Se, por diversas razões, a construção não conseguia avançar, jogavam-se as águas no córrego mais próximo. Assim, mesmo com muitos investimentos, as melhoras nem sempre eram observáveis. “No programa atual, uma métrica importante da remuneração da empreiteira é que, na chegada desse córrego ao rio Pinheiros, existe um valor técnico que precisa ser cumprido (demanda bioquímica de oxigênio (DBO) <= 30 mg O2/ml). Não importa se foi enterrada uma grande quantidade de tubulação a montante. Se não melhorou a qualidade da água na chegada ao Pinheiros, não se cumpriu o plano”, observa.
Conhecida a bacia hidrográfica do Rio Pinheiros e identificados os dois pontos de monitoramento, os alunos verificaram se esse parâmetro técnico tem mudado e melhorado no tempo. “Como existe uma base de dados muito boa, pudemos ver o histórico desses parâmetros e comparar com os nossos dados”, diz Paulina. “Quando a prefeitura e o estado dizem que vão limpar o Pinheiros, estamos falando de limpar o rio ou estamos falando de outra coisa? Afinal, estamos falando simplesmente de retirar uma parte do esgoto, mas ainda estamos longe de despoluir o Pinheiros”, afirma. “Então, vamos a campo com os alunos para colher amostras do rio.”
O caminho está aberto para a apresentação de diversos conceitos de química. Em campo, medem-se temperatura, pH e oxigênio dissolvido. Depois, em laboratório, os outros seis parâmetros do Índice de Qualidade das Águas (IQA), que são coliformes fecais, demanda bioquímica de oxigênio, nitrogênio, fósforo, turbidez e resíduo total. Com o conjunto desses nove parâmetros, é possível obter um índice de qualidade de água e avaliar se a condição da água está ótima, boa, regular, ruim ou péssima. “Relacionamos a parte científica dos fenômenos físico-químicos que ocorrem na água, e a importância deles para o meio aquático, a questões de políticas públicas, como saneamento básico”, diz o professor Robson Raphael Guimarães.
As surpresas não terminam na margem do rio. Confrontados com a resolução Conama 357/2005, que qualifica os corpos de água, os alunos descobrem que o Pinheiros se enquadra na classe 4, destinada apenas à navegação e à harmonia paisagística. Consumo humano (mesmo com tratamento), prática de esportes como natação e mergulho, irrigação de plantas, pesca e dessedentação de animais estão proibidos. “Então, levamos outro choque: a água do Rio Pinheiros não serve para nada, é classe 4, sem funcionalidade”, complementa Paulina Achurra. “Falamos que, se eles não se importarem com sustentabilidade, os nossos governantes não vão se importar. Como cidadão, é importante formar uma opinião, para escolher representantes que vão defender esses temas.”
Segundo Robson Raphael Guimarães, a partir do momento que os estudantes têm acesso às leituras que são disponibilizadas e aos assuntos que são abordados na aula, eles começam a pensar nas questões envolvidas na política de águas em São Paulo. Além disso, os rios e os córregos deixam de ser invisíveis, escondidos em canais fechados, quando se faz a coleta de amostras na ciclovia do Rio Pinheiros. “Você tem outro olhar sobre o rio, percebe que existe um rio em São Paulo que está muito poluído”, lamenta Guimarães. “O projeto de QTA deixa a impressão de tornar os córregos e os rios visíveis. Essa nossa relação distante com o rio muda. Isso é uma característica bem marcante da disciplina.”
O módulo de células solares também está conectado com o meio ambiente. No doutorado em Química, Guimarães pesquisou a otimização da eficiência das células solares. Particularmente, um tipo muito fácil de fabricar e que é muito didático quando usado para ensino de conceitos de conversão de energia e de princípios e fundamentos de funcionamento da célula solar. Os resultados foram adaptados para a disciplina Química Tecnológica Ambiental. “Começamos com o contexto de energia no mundo, que está relacionado com o uso de combustíveis fósseis, a emissão de dióxido de carbono, o crescimento exponencial de demanda energética”, explica o professor.
Introduzido o tema das energias renováveis, a disciplina aborda a fabricação das células solares e as técnicas de caracterização, nas quais são obtidos parâmetros de eficiência, de voltagem e de corrente elétrica. “Os alunos trabalham conceitos que aprenderam em física, na área de eletricidade, no próprio Insper”, diz Guimarães. Para aplicar todos os conceitos, o desafio é montar um sistema autônomo de geração e armazenamento de energia para alimentar um dispositivo de baixo consumo, como relógios digitais. “Eles têm que fazer os cálculos de quanta energia está sendo gerada pelas células solares, conectá-las em série ou em paralelo e bolar um sistema de armazenamento para manter esse sistema de baixo consumo funcionando continuamente somente com a utilização de energia solar”, conta o professor.
Os alunos também precisam fazer conexões da tecnologia com o mundo real, aprender sobre a cobertura da rede eléctrica no Brasil e pensar as características de um sistema de geração e armazenamento em locais sem distribuição de energia. Tudo calculado conforme as normas técnicas. Guimarães esclarece: “O dimensionamento de células solares numa cidade é diferente de um sistema isolado, porque numa cidade há a possibilidade de injetar diretamente na rede o excedente de energia gerado. Então, o armazenamento envolve bastante a questão de termodinâmica, de conservação de energia. Existe uma parte química que entra nos próprios princípios de funcionamento da célula solar. Fala-se do corante, de estado fundamental, de estado excitado, de recombinação de elétrons, de diversos conceitos que os alunos trabalharam previamente. E depois esses conceitos são trabalhados no laboratório durante a fabricação, a caracterização e a aplicação das células solares”.
O apogeu desse processo ocorre quando os grupos põem para funcionar as células solares que eles construíram e planejaram a energia gerada pelo sistema baseados nos seus próprios cálculos. “No último laboratório, um grupo de alunos colocou o sistema de célula solar com luz sendo incidida para rodar uma ventoinha. E eles ficaram surpresos que funcionou de verdade”, recorda Guimarães. Para as próximas turmas, uma das ideias da professora Paulina é levar essas células fabricadas em aula para uma comunidade e abastecer um ponto de luz — algo plenamente possível dependendo da quantidade de peças montadas.
As células solares são avaliadas em termos econômicos e em relação a outras tecnologias de geração de energia. Com o auxílio de tabelas, os alunos calculam e comparam os resultados de energias fotovoltaicas e de outras fontes. “Aprende-se que é uma questão de custo inicial (uma das principais barreiras para o uso de células solares), porque ao longo do tempo e do ciclo de vida do sistema fotovoltaico, as células solares são hoje economicamente viáveis”, diz Guimarães. “São informações importantes para desmitificar a tecnologia e empoderar os alunos com esses conceitos, para que eles se sintam instigados até a instalar uma placa solar na própria casa ou no escritório, quando forem profissionais.” Depois de estudar córregos e energia solar nas aulas de química, os futuros engenheiros de computação até poderiam encontrar um desafio na canção que rendeu um Oscar ao compositor uruguaio Jorge Drexler: “Acredito ter visto uma luz do outro lado do rio”.
Amanda Rosa do Carmo
“Conhecia o plano do Novo Rio Pinheiros de forma bem superficial antes da atividade em aula, de modo que meu conhecimento se restringia ao fato de que, em alguma medida, a qualidade da água seria melhorada. Quanto à atual situação do rio, sabia apenas que suas águas estavam em um estágio elevado de poluição, nos impossibilitando contato direto com a água e afetando seres vivos locais. Ao escutar sobre o projeto, expressões como ‘despoluição do Rio Pinheiros’ ajudaram a confundir. A priori, imaginei (mesmo um pouco cética) que o objetivo do projeto fosse realmente despoluir, tornar a água consumível.
As aulas, deste modo, possibilitaram ter um maior conhecimento quanto ao projeto, bem como sobre o estado do rio. Por exemplo, aprendemos sobre os nove parâmetros que são aplicados para determinar a qualidade da água. Em laboratório, colocamos o conhecimento em prática, medindo os parâmetros coliformes fecais, nitrogênio, DBO, turbidez, fósforo e sólidos totais.”
Andresa Bicudo
“Conhecia superficialmente, mas aprendi muito mais durante o projeto. Sobre a situação do rio, eu pensava que fosse precária, mas sem muito embasamento também, embora imaginasse que a água não poderia ser aproveitada para consumo.”
Arthur Alegro de Oliveira
“Como cidadão paulistano, a situação do Rio Pinheiros é não só de conhecimento geral como também é mais um dos contrastes sociais dentro da longa lista que a cidade de São Paulo possui. De um lado, o Rio Pinheiros com níveis altíssimos de contaminação, acompanhado por uma ciclovia ao longo de sua margem, a qual muitos evitam devido à sua proximidade com o rio, e a linha Esmeralda da CPTM, que, embora tenha papel importantíssimo no transporte de milhões de trabalhadores diariamente, definitivamente não proporciona uma viagem agradável, principalmente em dias quentes, nos quais a água que evapora do rio exala um desagradável odor que se estende por vários quarteirões.
Não é intuitiva a ideia de usar a água do Rio Pinheiros, independentemente do propósito, mas durante o desenvolvimento do projeto pudemos entender como conduzir análises de qualidade da água e, observando cada um dos fatores que a compõem, debatíamos quais aplicações poderiam ser adotadas supondo que determinados fatores estivessem dentro de limites aceitáveis. Por meio desse exercício, ficou claro o desafio de se realizar a correção da água do rio para níveis considerados próprios para a ingestão humana. Entretanto, corrigindo apenas alguns destes índices, poderíamos tornar as águas do Rio Pinheiros navegáveis, uma vez que não se transmitiriam doenças, e, em um estágio posterior, a correção de elementos químicos dissolvidos (tais como nitrogênio, fósforo e potássio) garantiria a sua usabilidade como água de irrigação, atendendo a demandas de paisagismo ao longo do percurso do rio e, talvez, até de outras localidades.”
Enrico F. Damiani
“Antes das aulas de QTA, eu desconhecia o plano do Novo Rio Pinheiros. Quanto a situação do rio, apesar de imaginar, não sabia o quão ruim ele se apresenta. Me deparava, somente, com o cheiro e os resíduos flutuantes em seu leito. Acredito que, devido à poluição que o rio demonstra ter, é de se imaginar que as suas águas não sejam aproveitadas para consumo. Entretanto, espero que, no futuro, por meio do real tratamento das águas (além da melhora de poucos parâmetros estipulados pelo plano, como o DBO), o rio ultrapasse um papel de navegação e paisagismo.”
Luca Cazzolato Machado
“Eu não conhecia o plano do Novo Rio Pinheiros antes da atividade realizada em aula, assim como também não conhecia a situação atual do rio. Particularmente, sabia meramente de sua existência, uma vez que moro longe da região sul de São Paulo. Moro na Zona Leste e frequento pouco a área do Rio Pinheiros. Não imaginava que as águas que saem do Rio Pinheiros não podiam ser aproveitadas para consumo. Fiquei sabendo que elas serviam apenas para navegação e paisagismo por meio da matéria de QTA. No entanto, eu imaginava que, se houvesse um projeto de limpeza e restauração do rio, as águas poderiam ser sim aproveitadas para consumo. Na disciplina de QTA, foi revelado que ainda demorará um tempo até que as águas possam ser utilizadas para consumo.”
Amanda Rosa do Carmo
“A respeito de células solares, sabia que são uma fonte alternativa renovável para geração de energia, usada em casas, automóveis e até mesmo em sondas espaciais. Tinha conhecimento também de que o acesso, no Brasil, a esse tipo de geração de energia é limitado. Todavia, meu conhecimento a respeito do funcionamento e tipos de células era muito pouco. Tinha consciência de alguns materiais que eram de importância para o funcionamento, como o silício, comum em modelos de placas fotovoltaicas. Nunca havia imaginado a possibilidade de fazer uma célula com corante em laboratório.
Aprendi de forma muito abrangente como uma célula solar sensibilizada por corante funciona, desde a conversão de energia, de modo a se obter energia elétrica, até fatores externos que influenciam no resultado, como a irradiância específica do local em que ela ficará e a forma que será posicionada, de modo que receba a maior quantidade de raios solares possível. Considero também o processo de construção da célula muito interessante.”
Andresa Bicudo
“Eu já sabia que as células solares são uma ótima opção para a produção de energia, mas não sabia que podíamos criar uma tão compacta e ‘simples’ (em termos de materiais e tecnologia) como fizemos. O projeto das células solares foi muito interessante do ponto de vista da tecnologia e também do empreendedorismo, já que exercitou a capacidade de criação de sistemas complexos e que resolvem problemas de maneira inovadora e mais barata.”
Arthur Alegro de Oliveira
“Como estudantes de Engenharia, é natural pensarmos em células solares como fontes energéticas que alimentam outros dispositivos, mas a complexidade na produção de células fotovoltaicas (a modalidade mais difundida de células solares) nos distancia de efetivamente construir uma. Talvez o grande diferencial da disciplina seja exatamente este: conhecer outras modalidades de células solares e, utilizando-se de tecnologias mais simples de serem produzidas (tais como a de sensibilização por corantes), poder construir um modelo funcional em menor escala.
O trabalho com células solares contribuiu não só para o conhecimento técnico como também para a ampliação de horizontes em relação ao tema, compreendendo que existem outras tecnologias capazes de converter energia luminosa em energia elétrica. Ao mesmo tempo, nos aproximou da vanguarda científica, entrando em contato com pesquisas ainda em desenvolvimento, mas que apresentam resultados notáveis.”
Enrico F. Damiani
“Eu tinha um conhecimento superficial sobre células solares, não sabendo realmente como funcionavam. Achei muito interessante que, mesmo sendo de grande complexidade teórica, elas poderem ser construídas com relativa facilidade, por alunos de graduação. O trabalho com célula solar me acrescentou um conhecimento teórico e prático. Acho que o grande diferencial é poder colocar tudo o que vemos nas aulas teóricas na construção delas. E não somente isso, mas também montar circuitos e vê-las atuando.”
Luca Cazzolato Machado
“Antes da disciplina, eu sabia pouco sobre células solares. Já havia estudado em disciplinas anteriores do que era feito uma célula solar (algumas são feitas de silício), porém não estudei a fundo seu funcionamento. Não imaginava também que seria possível criar uma célula solar caseira em um laboratório e que fosse capaz de alimentar ou movimentar um dispositivo mesmo que pequeno. Fiquei surpreendido com a possibilidade e a infinidade de usos que poderiam ser dados às células, como em janelas de estabelecimentos, por exemplo.
O trabalho com a célula solar me despertou interesse em sustentabilidade e em energias renováveis e limpas como a solar. Saber sobre o seu funcionamento, a sua importância e o uso tanto nacional quanto mundial desmitifica um pouco da energia solar. Estudar suas vantagens e desvantagens e facilidades de aplicações me faz ter interesse em aderir em breve ao uso de energia solar.”