Adotada com o processo tradicional de usinagem, a impressão 3D pode eliminar a armazenagem de peças de reposição na indústria, diz o professor Alex Bottene
Leandro Steiw
A manufatura aditiva, feita com a impressão 3D, tem potencial para revolucionar o processo de fabricação de peças na indústria. O estoque digital é um dos conceitos pesquisados pelo Insper em parceria com a Faculdade de Tecnologia de São Paulo (Fatec) e as empresas Braskem, Romi, BirminD e GRV Software. “O uso combinado da manufatura aditiva com a usinagem, a manufatura tradicional da indústria metalomecânica, é um tema muito novo”, diz Alex Bottene, coordenador do TechLab, o laboratório de engenharia industrial do Insper. “Esse processo de fabricação, chamado manufatura aditiva híbrida, é capaz de transformar o produto da forma digital para a forma física com apenas uma máquina.”
A ideia é substituir a armazenagem de peças de reposição por estoques digitais, ou seja, guardar os projetos de design em arquivos de computador e só fabricá-los quando as peças forem necessárias. O benefício está na redução de custos, de inventário e de tempo de manutenção, entre outros. Assim, a empresa pode transferir o investimento habitual em estocagem para dedicar mais tempo aos seus produtos. Um dos principais atributos da impressão 3D é a liberdade de design. Protótipos difíceis de produzir por usinagem saem facilmente do papel, independentemente da complexidade de formas.
Os resultados preliminares de experimento feito no TechLab, mostram que a combinação do processo de manufatura ativa à usinagem, em um mesmo equipamento, obtém determinada peça ao custo unitário de 18,53 reais, em 36 minutos e usando 62 gramas de matéria-prima. Na usinagem tradicional, peça similar custaria 29,17 reais, em 16 minutos e com 372 gramas de material. Feita somente em impressão 3D, a peça custaria 20,83 reais, em 6 horas e com um grama de material. Portanto, na comparação com as duas tecnologias separadas, a manufatura híbrida reduziria o consumo médio de matéria-prima, com produtividade considerável e mantendo a precisão dimensional da peça.
Engenheiro de produção, Bottene explica que os quatro principais pilares de decisão num processo de manufatura são custo, qualidade, produtividade e flexibilidade. “O ideal é tentar ganhar em todos, mas não existe processo que ganhe em todos. Cada um tem a sua vantagem”, afirma. “A usinagem pode ser considerada referência de vantagem em todos os quatro pilares. Consegue-se tirar uma peça com relativo custo, qualidade e produtividade. E alterar o processo para mudar o produto não exige tanta troca de ferramentais. É um bom meio-termo. A manufatura aditiva pode contribuir com maior flexibilidade.”
Cultura organizacional
A manufatura híbrida harmoniza, num mesmo equipamento, as diversas formas de remover material de cavacos para a fabricação de peças industriais, agilizando o processo e diminuindo as dificuldades técnicas. “Se máquina de usinagem está disponível em todos os setores da empresa, isso significa que existe uma plataforma de máquina que pode suportar — e muito bem — um cabeçote de impressão 3D”, diz Bottene. “Não estamos inventando nada. O centro de usinagem já é uma combinação de máquinas convencionais que entraram numa plataforma única.”
O conceito de estoque digital está diretamente relacionado com a indústria 4.0. “A digitalização de uma empresa começa com a mudança da cultura organizacional. Afinal, somos digitais, temos redes sociais, e-mails, smartphones, computadores. Os equipamentos das empresas também, porque computadores e sensores estão interligados”, afirma o professor da disciplina Design para a Manufatura, dos cursos de Engenharia Mecânica e Mecatrônica do Insper. “O fundamental é entender que o potencial da digitalização já está no nosso dia a dia e usá-la a nosso favor, para criar novos negócios.”
A transformação do passado analógico para o futuro digital não está restrita ao porte da empresa, segundo Bottene. “Os tipos de equipamentos que uma pequena, uma média e uma grande empresa têm não são necessariamente iguais. Então, as dificuldades de implantar a digitalização serão diferentes de uma para outra”, afirma. “As culturas, os equipamentos e a dimensão podem ser diferentes, mas os potenciais serão os mesmos. A indústria 4.0 funciona em qualquer tipo de empresa. O resultado final será bom em todos os casos.”
Para Bottene, a manufatura aditiva está no estágio de amadurecimento pelo qual passou a usinagem até se consolidar em todos os setores industriais: desenvolvimento de materiais, de ferramentas e de máquinas. “Queremos mostrar a possibilidade de juntar as características positivas do processo de manufatura aditiva — liberdade de criação e flexibilidade — com as qualidades da usinagem de remoção rápida e precisa de material. Esse é o grande desafio da hibridez.”