16/07/2014
A falta da cultura da poupança dos brasileiros é uma unanimidade entre especialistas quando o tema é a dificuldade para se equacionar o sistema de aposentadoria no país. Paradoxalmente, um dos problemas que leva a isso é o excessodeotimismo. Com a crença da população de que tudo vai dar certo, perde força a ideia de que são necessários esforços para garantir o futuro. Ao mesmo tempo em que os mais jovens não economizam, os idosos de hoje estão super endividados. Apenas no crédito consignado, com desconto em folha, os beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) devem mais de R$ 71 bilhões aos bancos.
A confiança dos brasileiros de que sempre poderão contar com o Estado para lhes dar suporte na velhice está presente em uma pesquisa realizada em 15 países, com 16 mil pessoas. Na questão aposentadoria, são o segundo povo mais otimista. Entre zero e 10, os entrevistados no país dão nota 6,8, atrás apenas da Índia, com sete. É forte a crença de que dias melhores virão. A economia estará mais sólida a longo prazo na opinião 69% dos ouvidos aqui, ante 28% da média internacional.
O detalhamento da pesquisa, realizada pela seguradora Mongeral Aegon, mostra que a tranquilidade tupiniquim não se assenta sobre bases sólidas: 47% dizem ter um projeto para se aposentar, mas somente 22% contrataram algum plano financeiro.
São muitas as razões para esse comportamento, incluindo as históricas, aponta o secretário de Previdência Complementar do Ministério da Previdência, Jaime Mariz. “As pessoas contam com o Estado. Isso vem desde os nossos colonizadores. Os que ajudavam a coroa ganhavam um benefício para toda a vida”, explica.
Crise global
Na Europa, onde estão sete dos 15 países que participaram da pesquisa da Mongeral, os efeitos da crise global são fortes, o que ajuda as pessoas a se preocupar em mais com o futuro. As aposentadorias diminuíram, devido à queda dos juros e os cortes de gastos do setor público. “Isso afeta não só os mais velhos, mas toda a família. Os mais jovens percebem que não será fácil para eles mais tarde”, alerta Andrea Levy, assessor da Mongeral e responsável pelo levantamento no Brasil. Aqui, o quadro de quase pleno emprego que vivemos atualmente dá a ideia inversa, de prosperidade, ainda que o crescimento econômico tenha sido pífio nos anos recentes.
Muitos dos brasileiros que têm projetos para se aposentar, conta Andrea Levy, baseiam-se em metas irrealistas.“É o caso de um motorista de táxi, que tem um terreno na praia e planeja abrir uma pousada mais tarde. Ele nunca trabalhou com isso e não sabe se vai dar certo.Mais: não pode ter a certeza de que terá saúde suficiente para exercer tal atividade”, explica.
Apenas 24% dos brasileiros acreditam que vão parar de trabalhar completamente quando começarem a receber os benefícios do INSS. A expectativa de continuar na ativa por mais algum tempo é apontada por 51% dos entrevistados. Embora esse resultado demonstre alguma dose de realismo, também embute problemas. De novo, conta-se com a sorte. Quem acha que poderá continuar trabalhando não precisa poupar. E deixa de perceber que não há garantias de que terá condições físicas para isso.
Entre os que realmente conseguem se aposentar e seguir trabalhando, há outro equívoco. “Esse seria o momento ideal para guardar algum dinheiro, pois a pessoa tem duas fontes de renda. Mas o que se vê é que os recursos acabam sendo direcionados para o sustento da família”, relata a economista Ana Camarano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Além de gastar tudo o que recebem com os dependentes, muitos aposentados se endividam. Dados do Banco Central indicam que o volume de empréstimo consignado concedido a aposentados e pensionistas do INSS aumentou de R$ 63,4 bilhões, em junho do ano passado, para R$ 71,2 bilhões em maio deste ano, uma alta de 12,4%.
O professor de finanças Ricardo Rocha, do Insper, afirma que falta aos brasileiros ambição para poupar. “Não se trata apenas de achar que será preciso ter dinheiro para comprar remédios. É preciso pensar mais alto, em viajar, em ter conforto, em realizar projetos mais tarde, mesmo antes de ficar velho”, diz.
Planejamento
Jaime Mariz, da Previdência, sonha com o dia em que todas as escolas brasileiras, do ensino fundamental ao superior, terão cursos de planejamento financeiro. Por enquanto, isso ocorre apenas em projetos-piloto. Sem a criação de uma cultura poupadora, prega-se no deserto. “Infelizmente, o brasileiro não valoriza a previdência privada. Os sindicatos não reivindicam isso e as empresas não oferecem”, lamenta.
Sem a obrigatoriedade de uma aposentadoria complementar, os planos de previdência privada fechados, aqueles acessíveis apenas a determinados grupos, com ou sem patrocínio do empregador, crescem lentamente. De 2,13 milhões de participantes ativos em 2008, passou-se a 2,43 milhões em 2009, uma elevação de 16,9% em cinco anos. O Brasil tem 91,2 milhões de pessoas ocupadas, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “O crescimento da previdência privada seria bom não só para as pessoas envolvidas, mas para todo o país, pois permitiria o aumento da taxa de poupança e dos investimentos”, argumenta Rocha, do Insper.
Mariz defende uma mudança na Constituição que torne obrigatório “um segundo pilar” de aposentadoria, no sistema de capitalização. Diferentemente da repartição, nesse caso há uma contribuição fixa,um benefício a ser calculado a partir do montante que a pessoa consegue acumular. É assim que funciona nos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE),que reúne as nações mais ricas do planeta. Ele acha, porém, que não é possível contar com avanços por ora. “Emanos eleitorais não é possível contar com qualquer avanço nas discussões sobre aposentadoria”, diz. Em 2015, porém, ele acha que a reformado sistema previdenciário será um assunto inescapável.
Fonte: Correio Braziliense – DF – 13/07/2014