A distribuição dos recursos é um campo aberto a erros de interpretação, pois se trata de um espaço de conflito entre diferentes prioridades e visões de sociedade, diz a professora Mariana Almeida
Leandro Steiw
O orçamento da União prevê gastos de 4,7 trilhões de reais em 2022. Para o cidadão, não é tarefa simples acompanhar a distribuição dos recursos públicos e quantificar como o destino desse dinheiro atrela-se às políticas dos governos. Por lei, as informações são públicas, mas a falta de transparência nas emendas de relator, por exemplo, chegou a originar a expressão “orçamento secreto” para se referir às verbas que o governo usa para garantir o apoio de deputados e senadores no Congresso.
Segundo Mariana Almeida, o orçamento público adota uma linguagem muito própria, o que se torna uma barreira para quem deseja acompanhar o planejamento e a gestão. Além disso, é necessário discernir e organizar a grande quantidade de informações disponíveis sobre receitas e despesas. Outro motivo que dificulta essa primeira aproximação é a característica dinâmica do orçamento. “O orçamento público é um espaço de conflito, no qual as pessoas estão disputando prioridades, interesses diversos, visões de sociedade diferentes. Muitas vezes, interessa para um grupo fazer uma determinada leitura dos dados que não seria a mesma se viesse de pessoas com interesses diversos. Ou seja, não é só técnico”, diz Mariana, doutora em Economia do Desenvolvimento.
O obstáculo da linguagem é bastante fácil de ultrapassar, na avaliação de Mariana, que é docente do curso Planejamento e Acompanhamento de Orçamento Público do Insper, cuja próxima turma começa em setembro. “Gestores que não são da área do orçamento, mas que trabalham com isso, vencem essa barreira com uma dedicação não tão grande, porque conseguem entender de onde vem a lógica da construção dessa linguagem”, comenta a professora. Esforço similar pode abrir caminho para outros profissionais decifrarem o jargão.
Análises detalhadas da distribuição dos recursos, porém, requerem um pouco mais de dedicação. “Uma vez compreendida a linguagem, ler os grandes números e compreender quem gasta e como gasta esses valores é relativamente simples. Quando se vai para o campo da análise, serão exigidos outros conhecimentos que ajudem a interpretar a informação e conectá-la com o contexto geral da política pública”, explica Mariana. “Como em qualquer área, se quisermos mergulhar, temos que trazer sempre um conjunto de competências distintas, mas acredito que o orçamento público se acopla a vários interesses. Conhecê-los enriquece um pouco mais aquilo que se faz dentro do interesse público.”
Para Mariana, um dos objetivos do curso de orçamento público é orientar a interpretação da enormidade de dados existente. “Qualquer evidência é passível de interpretação. Existe também um processo de entendimento do que a informação nos diz para, a partir disso, conseguir procurar informações adicionais. A explicação de um fenômeno nunca está só num dado isolado. O dado nos conta uma história, e o que fazemos no curso do Insper é mostrar qual é o tamanho da história que você consegue extrair do orçamento público. Porque leituras parciais das informações são algo comum de acontecer, seja na mídia, seja nos governos, seja em audiências públicas de orçamento.”
Outro programa em que Mariana atua como docente é o primeiro Curso Veja de Jornalismo Avançado, que aborda o tema Finanças Públicas e Gestão Fiscal: O Que Jornalistas Precisam Saber. Realizado em parceria com o Insper, o curso, que se inicia em 21 de maio, tem o objetivo de ensinar os profissionais a serem precisos na leitura do orçamento público. “O que acontece no dia a dia da execução orçamentária não é só o que está bonitinho na letra da lei. A vida real da execução acaba abrindo espaço para confusão e, às vezes, para menos transparência”, explica Mariana. “Entender como isso acontece vale a pena para não cair naquelas armadilhas da má interpretação.”
Economista de formação, Mariana dedica-se ao tema do orçamento desde que começou a atuar com projetos de desenvolvimento pela área pública, mais intensamente na prefeitura de São Paulo, onde foi subsecretária de Planejamento e Orçamento. Posteriormente, trabalhou com o orçamento na Secretaria Municipal de Saúde. No Insper, ela atua também como professora do Programa Avançado em Gestão Pública (PAGP).