30/11/2012
Quando o Insper (que, na época, se chamava Ibmec São Paulo) fez seu primeiro vestibular, em 1999, para os cursos de economia e administração havia um detalhe, no mínimo, preocupante: a faculdade não existia, ou melhor, não havia o local físico para instalar os alunos. Claudio Haddad, o presidente da instituição, dá boas risadas quando se lembra da correria que foi arrumar um prédio e reformá-lo em 45 dias. “Tínhamos 130 inscritos no vestibular para as 50 vagas de economia e as outras 50 de administração. Ou seja, quem não zerou na prova, praticamente entrou”, conta ele, que, em seguida, precisou fazer uma reunião com os pais dos jovens aprovados (no hotel Renaissance, em São Paulo) para convencê-los de que valia a pena embarcar naquela empreitada, uma nova forma de ensino superior no Brasil.
O Insper, atualmente instalado em um moderno prédio na Vila Olímpia, rompeu de uma só vez com uma série de conceitos de educação arraigados no Brasil. A começar por trazer para cá práticas internacionais na área, o que sempre foi considerado algo impossível de funcionar por aqui. O currículo dos cursos foi totalmente reformulado e passou a contar com apenas cinco matérias por semestre. Também foi a primeira universidade do país a usar laptops, em 1999. Uma das decisões mais polêmicas, porém, foi a ordem de o aluno só fazer estágio no último ano da faculdade. No começo, foi uma chiadeira. Os alunos alegavam que ficariam em desvantagem ao sair da faculdade em relação aos que fizeram estágio ao longo do curso. Bobagem. “Provamos o contrário, já que nosso índice de formandos empregados é de 98%”, afirma Haddad. Mas a maior novidade talvez esteja no desenho da universidade, que não tem fins lucrativos e segue o mesmo modelo das grandes instituições de ensino superior do mundo, como Harvard, Yale, Stanford.
Harvard, aliás, é mais do que uma fonte de inspiração – é uma parceira de verdade. “Consegui até algumas plantas das salas de aula deles para replicar aqui”, conta Haddad. As salas são em formato de anfiteatro, com lousas eletrônicas e uma acústica que faz a voz do professor alcançar a turma do fundão. Cada aluno está identificado com seu nome escrito bem grande à sua frente. O objetivo é deixar a aula mais participativa. Foi exatamente isso o que Haddad viveu quando fez seu doutorado em economia na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, uma das mais prestigiadas do mundo, na década de 1970. Assim que se formou em engenharia mecânica e industrial pelo IME (Instituto Militar de Engenharia), casou e mudou. Partiu com a mulher para Chicago aos 24 anos. Foram tempos de dureza. “A grana era curta e minha mulher nos sustentava com seu emprego de secretária”, lembra ele. “Brinco, dizendo que ela foi um bom investimento.” Em 2010, os dois completaram 40 anos de casados.
Com uma vitalidade que faz os seus 66 anos parecerem muito menos, o carioca Claudio Haddad caminha pela universidade cumprimentando alunos e funcionários enquanto cita as inúmeras conquistas do Insper ao longo dos últimos anos. Em 2012, em sua sexta participação no ranking do renomado jornal inglês Financiai Times, o Insper se consolidou como uma das 30 melhores escolas de negócios do mundo, na 27″colocação. Entre as escolas da América Latina, ocupa a terceira posição. Em avaliação divulgada pelo Ministério da Educação (MEC), no ano passado, foi uma das 27 instituições de ensino superior com IGC (Índice Geral de Cursos) igual a 5 (nota máxima) no país, ficando em sétimo lugar entre todas. “E os dois primeiros colocados da Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia (Anpec), em 2010, eram do Insper”, diz Haddad, todo orgulhoso.
Uma das principais preocupações dele é a pecha de “escola de ricos” que o Insper carrega. Com uma mensalidade de R$ 3 mil fica difícil pensar de outro jeito. Mas o que poucas pessoas sabem é que a escola tem um programa de bolsas que oferece pagamento integral para quem passou no vestibular e não tem condições financeiras para pagar o curso. “Tem gente que não presta vestibular aqui porque não sabe disso”, afirma. Entre 2005 e 2006, Haddad arrecadou R$ 14 milhões para o Fundo de Bolsas. Desde 2004, o programa de bolsas apoiou mais de 200.
O Resolução Eficaz de Problemas (REP), um programa pioneiro de graduação em escolas de negócios do mundo (Harvard tem algo semelhante, mas para alunos de pós-graduação), é uma das grandes novidades do Insper. A ideia é a seguinte: colocar alunos do sexto período de administração para resolver problemas reais dentro das empresas. Criado em 2011, o REP conta com a parceria de 28 grandes companhias, como Ambev, para apresentar aos estudantes questões que precisam de soluções. “Já tivemos alguns casos em que o aluno apresentou sua sugestão para o CEO da empresa”, conta Haddad. O REP tem um tutor para cada grupo, formado por cinco estudantes, que passa quatro meses nas empresas parceiras estudando problemas concretos. Os projetos valem como uma disciplina e a grade curricular foi adaptada para que os alunos pudessem de fato ir a campo, sem prejuízo em relação às demais matérias. “A experiência, inédita em escolas de negócios, traz um grande diferencial ao nosso curso de administração”,afirma Haddad.
Alunos da graduação com subsídio de 100%. “Queremos ser uma escola que dá oportunidade a todos, independentemente da renda”, afirma.
Entre as características que fazem o modelo das universidades americanas dar certo está o envolvimento dos ex-alunos com o projeto de perpetuação da entidade. “Eu digo para eles: vocês são os donos. O Insper foi feito para a sociedade.” Por isso, as doações de ex-alunos são fundamentais. No ano passado, 38 ex-alunos participaram do Fundo de Bolsa; este ano já são 120. A média de doação é de R$ 200 por ano.
No projeto de expansão (uma nova torre foi erguida no terreno ao lado) que aumentou de 23 para 43 o número de salas de aula, foram arrecadados R$ 10 milhões. E Haddad quebrou mais um paradigma. Quem disse que o empresário brasileiro não faz doações? Para os novos cursos de engenharia (mecânica, computação e mecatrônica) que começam a funcionar em 2015, a meta é arrecadar R$ 80 milhões. “Já arrecadamos 90% desse valor”, comemora. No começo, ele ficava meio sem graça de captar fundos para o Insper. “Não é fácil sair pedindo dinheiro”, diz ele. Contou com uma ajuda preciosa para vencer o constrangimento inicial. E o auxílio veio diretamente de Harvard. Howard Stevenson, professor da secular universidade americana, é especialista em captação de recursos e o maior arrecadador de fundos de Harvard, e faz parte do Conselho Deliberativo do Insper – junto com nomes como Jorge Paulo Lemann e Pedro Moreira Salles, além do próprio Haddad. “Stevenson foi minha grande inspiração nesse processo. Aprendi muito com ele.”
Parece que sim. Basta dar uma volta pelo Insper para enxergar a presença dos grandes comandantes do mundo dos negócios no Brasil. Nomes como Amador Aguiar, fundador do Bradesco, José Ermírio de Moraes Filho, do grupo Votorantim, e Olavo Setubal, criador do Itaú, estão estampados nas salas de aula que são patrocinadas por suas empresas e famílias. Um dos grandes doadores do Insper, Marcel Telles, assina a biblioteca. A lista de amigos do Insper, pessoas ou empresas que contribuíram para a construção do campus, em 2006, contém boa parte do PIE brasileiro: José Olympio Pereira, Roberto Egydio Setubal, Pedro Moreira Salles, Mareel.
Já foram arrecadados 90% dos R$ 80 milhões necessários para implantar os novos cursos de graduação de 2015 Telles, Carlos Alberto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e empresas como Itaú, Suzana, Camargo Corrêa, Votorantim, Gerdau.
A maior sala de aula é a Jorge Paulo Lemann, resultado de uma doação de 20 ex-associados do mítico Garantia – o banco de investimentos que revolucionou a cultura corporativa no país -, para homenagear seu fundador. Ao lado do nome do patrono da sala “há sempre uma pequena biografia. A de Lemann faz o maior sucesso entre a moçada, pois ele fez questão de colocar: “foi surfista até os 17 anos”.
A presença do Garantia no Insper vai muito além das doações de seus três principais sócios, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beta Sicupira (patrono da sala que leva o nome de Vicente Falconi, um dos principais consultores de empresas do Brasil). Parte da cultura do Garantia – como meritocracia, formação de líderes e foco nos resultados – foi traduzida para o ambiente acadêmico do Insper. “Aprendi muitíssimo no Garantia”, diz Haddad. Ele foi superintendente do banco de 1983 a 1998, quando a instituição, baqueada pela crise financeira asiática de 1997, foi vendida para o Credit Suisse. Pouco antes, Haddad levou um susto. Teve uma pericardite, inflamação da membrana do coração. Ele estava no meio de um almoço de negócios com executivos da France Telecom no restaurante Pré Catelan, Paris, quando desmaiou. Foi parar na UTI do Hospital Americano. “Eu tinha 51 anos e comecei a repensar a minha vida”, lembra.
Haddad era professor da Getulio Vargas-Rio quando foi convidado por Lemann para trabalhar no Garantia. “Decidi que não queria mais ser acadêmico, que queria ganhar dinheiro. Minha filha mais velha tinha acabado de nascer e minha casa ainda tinha almofadão na sala e estante feita de tijolos”, conta. Entre 1980 e 1982, ele trabalhou no Banco Central. Foi o primeiro diretor de dívida pública do banco. “A experiência foi muito boa, mas não dou para trabalhar no governo.” Voltou para o Garantia no qual ficou até a sua venda e, em 1999, decidiu voltar para o ramo da educação. Filho de professores – o pai, Chafi, era professor catedrático de matemática na UFRJ, e a mãe, Gilda, dava aulas de inglês, Haddad enxerga a influência dos pais em sua decisão.
Com duas filhas e três netos, hoje ele se cuida. Faz academia, pilates e alongamento. Já jogou tênis e se arriscou na fotografia. Nos finais de semana, quando consegue, foge para seu refúgio em Itu, no interior de São Paulo. Gosta de jantar com a mulher no Parigi ou no Freddy. Em Paris, cidade que frequenta há muitos anos, divide-se entre bistrôs pequenos e charmosos e restaurantes estrelados como o Le Cinq. Haddad é do tipo que lê vários livros ao mesmo tempo – um dos últimos de sua lista foi Why Nations Fail, de Daron Acemoglu e James A.Robinson.
Fonte: Revista Poder Joyce Pascowitch, Novembro de 2012