29/10/2013
Empresa ensina como conquistar a China
Fabricante de softwares educacionais estudou durante quatro anos peculiaridades do país
Uma empresa brasileira fabricante de softwares educacionais está apontando novos caminhos para a conquista do imenso e pouco conhecido mercado chinês. A companhia estudou quatro anos desde os costumes chineses até os caracteres complexos de sua linguagem, para só depois traduzir e lançar seus cursos em 3D. Não se trata apenas de uma nova rota de negócio ou mais um ponto de venda no exterior: a empresa P3D, fundada em São Paulo há uma década, pretende abrir IPOs na China e instalar lá sua própria fábrica. Numa joint-venture com um parceiro chinês, a empresa estima que estará abrindo o capital em três a quatro anos. “Foram necessários quatro anos depois da primeira visita e pelo menos US$ 300 mil para chegar a um produto que pudesse entrar no mercado chinês”, diz Mervyn Lowe, diretor-executivo da P3D. O parceiro chinês exigiu que os textos fossem traduzidos para os caracteres locais e situações e animais típicos do país fossem inseridos nas “aulas”. Materiais educacionais de ciências, biologia, geografia e química começaram a ser vendidos em outubro, deste ano, em Xangai e Pequim.
A P3D pretende faturar na China, ainda neste ano, cerca US$ 1 milhão e dobrar essa cifra em 2014. Hoje a empresa fatura R$ 20 milhões, dos quais R$ 18 milhões em vendas internas. “Em volume de negócios, a China é a última grande fronteira do mundo”, diz Lowe. Para quem pretende se aventurar nesse território, ele tem uma sugestão. “Não compartilhe seu know-how – eles estão sempre pedindo, eu estou sempre dizendo não. Nem veja os chineses com preconceito. Nós temos uma concepção da China como país de terceiro e quarto mundo. Mas lá você tem o primeiro e o sexto mundo”, diz. Há outras facilidades além do gigantismo do mercado. “Lá, com faturamento de US$ 15 milhões eu abro para a bolsa de valores de Xangai. Aqui eu não conseguiria, nem me interessa”, diz. A P3D é referência mundial no mercado educacional e exporta para mais de 20 países softwares traduzidos em 13 línguas. No Brasil, está no dia a dia de mais de 800 instituições, entre escolas públicas e privadas.
Os investimentos da P3D na China fazem parte dos cerca de US$ 600 milhões que empresas brasileiras aplicaram naquele país entre 2002 e 2010. O valor é irrisório perto das cifras aplicadas pelos chineses no Brasil. Entre 2007 e 2012, cerca de 60 projetos com investimentos chineses foram identificados no país, atingindo US$ 68,5 bilhões. Desse total, 39 foram confirmados, somando US$ 24,4 bilhões, enquanto os outros 21 continuam em negociação. As informações constam de estudo do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC). Considerando apenas os investimentos confirmados, as aplicações chinesas aqui seriam pelo menos 40 vezes superiores às aplicações brasileiras lá.
A explicação para tanta diferença estaria no receio de entrar num território ainda pouco conhecido. Mas quem ousou está colhendo frutos. O estudo identificou 57 empresas brasileiras presentes no mercado chinês. Desse total, 40,4% são escritórios de representação, 36,8%, escritórios de prestação de serviços, 14,0% são unidades de produção, 7% são restaurantes e 1,8%, agências. “Há empresas que prestam serviços, mas também há as que produzem na China como a Weg e Embraer. Há outras que são transformadoras de recursos naturais, ou seja, não produzem necessariamente na China, mas distribuem lá, como a Vale, Petrobras e BRFoods”, diz Sergio Amaral, presidente do CEBC.
No seu entender, para “expandir os investimentos brasileiros na China é preciso uma melhor identificação das oportunidades”. Até o fim do ano, o Conselho concluirá um estudo indicando quais são esses nichos. Segundo ele, o estudo já apontou oportunidades principalmente nas áreas de agronegócio e no ramo da indústria de transformação de produtos de recursos naturais. Depois de concluído, o CEBC levará o estudo para ser discutido com o setor privado.
A timidez nos investimentos brasileiros lá fora não se restringe à China. “O Brasil tradicionalmente é um país voltado para dentro”, diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). “A alegação sempre foi que o mercado interno brasileiro é bastante grande. Não temos uma cultura exportadora, muito menos uma tradição de investir no exterior.” Como agravante, ele lembra que “o segmento industrial do Brasil está bastante desnacionalizado”.
Para Castro, o “investimento brasileiro externo, proporcionalmente a outros países, é muito pequeno, seja pela ausência de tradição, seja pela falta de uma legislação para amparar os investimentos no exterior”. “Os investimentos do Brasil, de uma forma geral, estão mais voltados para a América do Sul, mais especificamente para a Argentina, mas são investimentos tímidos considerando nosso potencial”, diz. O Chile, por exemplo, apesar de bem menor, tem muito mais investimentos no exterior, porque “o país tem que crescer para fora, enquanto o Brasil pode crescer para dentro”.
Uma série de ações vêm sendo adotadas para ampliar os investimentos brasileiros no exterior. No caso específico da China, Ricardo Santana, diretor de negócios da Agência Brasileira de Exportações e Investimentos (Apex Brasil) cita a Expo Xangai, em 2010, o “maior evento do mundo em termos de área, visitantes e atividades”. “De lá para cá, participamos das principais feiras do mercado chinês.”
PARA CHINESES, BOM RELACIONAMENTO VALE MAIS QUE CONTRATO ASSINADO
Antes de tentar fazer negócio com os chineses, procure entender Confúcio. Uma das citações desse filósofo diz o seguinte: “Se você está no meu ciclo de amigos, trabalha comigo ou com minha família, você pode tudo. Se você está fora desse ciclo, não pode nada.” A recomendação é de Roberto Dumas, professor do Insper e especialista em economia chinesa. E ajuda a entender por que há tanta dificuldade e tanto desencontro quando se faz negócios com a China. “Para os chineses, a amizade conta mais que o contrato”, diz. Essa maneira de pensar está mudando, mas continua valendo. Afinal, diz o professor, “a China já tem 6 mil anos, chegou primeiro, então é preciso entender como os chineses pensam.”
Para ele não há negócio da China – no sentido de bom negócio – sem conhecer a cultura dos chineses. Um contrato não será quebrado, por exemplo, se entre as duas partes já tiver sido criada uma relação. “Na China, a última coisa que se faz é o contrato”, diz Dumas.
Para Dumas, a China precisa ser vista pelas suas diferenças regionais e demográficas. A geração entre 45 e 50 anos, “que apanhou durante a revolução cultural”, não fala inglês. Os mais velhos, que sofreram com a invasão japonesa, são ainda mais fechados aos estrangeiros. Além disso, é preciso conhecer hábitos essenciais. O chinês, por exemplo, não gosta de alimentos congelados. Um investidor que tentou fabricar refrigeradores de 300 litros sucumbiu, diz Dumas.
Há outros cuidados nessa relação. “É preciso se relacionar com todas as instâncias do governo e tentar negociar com os governos locais, pois se trata de um país de um partido único.” De acordo com o especialista, o que diferencia o empresário chinês do brasileiro “é que o primeiro tem custo baixo e o segundo tem a tecnologia”. A modalidade de joint venture, exigida no país, facilita esse entendimento, já que o chinês “tem vergonha de demonstrar desconhecimento”. José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), observa que uma das justificativas para o pequeno número de empresas brasileiras na China é que o país só autoriza a entrada de investimentos em setores que atendem seus interesses. “Outro ponto é que todo investimento na China exige um sócio local e a tecnologia que entra acaba sendo conhecida”, diz.
Para encorajar os brasileiros a entrar em território chinês, a Agência Brasileira de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) dispõe em Pequim de um centro de negócios que auxilia nos trâmites e aspectos como legislação e tradução. “O contato direto com o mercado, tanto pela busca de informações reais e atualizadas, como pela presença junto a seus clientes, representa um elemento importante no relacionamento com os chineses”, diz Ricardo Santana, diretor da Apex-Brasil.
Alguns dados ilustram a importância desse mercado: são cerca de 300 milhões de pessoas com renda crescente e disposição para o consumo, que buscam produtos de maior qualidade. Entre esses segmentos, estão o de alimentos, bebidas, agronegócios e de moda. O consumo de alimentos deve crescer 13,2% ao ano entre 2012 e 2016, e chegar a US$ 1 trilhão. O consumo per capita tende a aumentar 12,7% no período. (RC)
Fonte: Valor Econômico
Data: 25/10/2013