19/04/2022
A necessidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa do setor cria possibilidades para aprimorar os sistemas de produção de carne, o manejo do solo e o uso de resíduos orgânicos
Camila Dias de Sá e Niels Sondergaard
No Brasil, a agropecuária é a segunda maior fonte de emissões de gases de efeito estufa (GEE), respondendo por 27% do total — a primeira é a mudança no uso da terra (leia-se desmatamentos), tema já tratado em artigo anterior. As emissões da agropecuária estão relacionadas principalmente ao gás metano (CH4) oriundo do processo digestivo de fermentação entérica dos animais ruminantes e ao óxido nitroso (N₂O) proveniente do incremento de nitrogênio no solo, seja por meio do manejo de dejetos de bovinos no pasto, como adubo, seja pela utilização de fertilizantes sintéticos (solos manejados).
Ainda que haja controvérsia sobre o real tamanho do rebanho bovino brasileiro — diferentes fontes (IBGE, Mapa, USDA, FAO e Athenagro) estimam algo entre 190 milhões e 250 milhões de cabeças —, o país certamente figura na primeira ou segunda posição mundial. O grande rebanho emite quantidade significativa de metano, que responde por cerca de 17% das emissões brasileiras.
A redução das emissões brasileiras está, portanto, atrelada ao processo de produção da carne bovina, indo ao encontro da agenda de modernização da pecuária em curso, mas que precisa ser acelerada. Isso significa abandonar o modelo de expansão “horizontal”, baseado na abertura e na rápida degradação de áreas de vegetação nativa, e adotar um modelo de produção apoiado em melhoramento genético dos animais, redução de seu ciclo de vida e manejo intensivo do pasto. É imprescindível, também, definir quais as soluções que cabem para cada tipo de produtor e fornecer os meios para que os pequenos e médios possam adotar práticas mais sustentáveis e rentáveis.
Aqui vale lembrar que o Brasil está entre os mais de 100 países que, na COP26, a Conferência do Clima realizada em novembro de 2021 em Glasgow, na Escócia, se comprometeram a reduzir a emissão de metano em 30% até 2030. Em março deste ano, o governo federal lançou o Programa Nacional de Redução de Metano de Resíduos Orgânicos – Metano Zero, voltado para o aproveitamento energético de resíduos ou produtos orgânicos urbanos e agrícolas como fontes de biogás e biometano. O programa é baseado na cooperação para financiamento, incentivos, desoneração, capacitação, desenvolvimento, transferência e difusão de tecnologias e de processos. A iniciativa é bastante oportuna, porém, vale ressaltar que as emissões de metano oriundas de resíduos respondem pela menor parte do total das emissões desse gás. Daí a importância de fomentar a modernização da pecuária.
O manejo inadequado dos solos também pode emitir quantidades significativas de GEEs. A Federação Brasileira do Sistema de Plantio Direto calcula que 33 milhões de hectares de grãos, aproximadamente 50% da área total plantada no Brasil, são cultivados sob o sistema. Há indícios, porém, de que em apenas um terço dessa área o sistema seja praticado por completo, contemplando os seus três pilares: diversificação de plantas por meio da rotação de cultivos, não revolvimento do solo e manutenção de cobertura sobre a superfície. Haveria então uma oportunidade para o aperfeiçoamento do sistema em uma área bastante extensa, contribuindo para aumentar o estoque de carbono no solo e, portanto, mitigar as emissões de GEE.
O plantio direto se caracteriza como um sistema de produção conservacionista. Comparado a sistemas que utilizam o preparo do solo, proporciona a redução da erosão hídrica e eólica dos solos, da emissão de gases causadores do efeito estufa, bem como do uso de combustíveis fósseis e de agroquímicos, o aumento da infiltração da água, a eficiência dos fertilizantes aplicados e a recuperação da matéria orgânica, da biodiversidade e da resiliência do solo, permitindo o desenvolvimento de uma agricultura sustentável (FEBRAPDP).
Os fertilizantes nitrogenados, além de liberarem óxido nitroso, também carregam a emissão de CO2 em sua fabricação. Nota-se, entretanto, que o consumo brasileiro dessa classe de fertilizantes, o correspondente a 4% do total mundial, é relativamente baixa se comparada ao de fosfatados e potássicos, que representam, respectivamente, 11% e 16% do consumo mundial. Isso se deve ao fato de a agricultura brasileira empregar processos naturais de fixação biológica de nitrogênio.
Outras oportunidades para descarbonização, relacionadas ao uso de fertilizantes, dizem respeito tanto a alguns tipos de bioinsumos, em cujo processo de fabricação ocorre a captura do metano liberado por resíduos orgânicos, como à nascente economia do hidrogênio verde (H2V). No segundo caso, via eletrólise da água, se obtém uma amônia com baixa, ou até nenhuma, emissão. A indústria de fertilizantes deve ser uma das principais consumidoras do H2V, considerado uma alternativa para setores cuja descarbonização não pode ser feita pela eletrificação. Existe a possibilidade de produção de hidrogênio verde a partir de biomassa, etanol e biogás. Nesse cenário, o Brasil está bem-posicionado para liderar a produção do H2V.
Há uma miríade de oportunidades na agenda de clima do Brasil por meio da conciliação entre demandas ambientais, oportunidades de modernização produtiva, desenvolvimento rural e melhoria da qualidade de vida para a população em geral. Basta uma coordenação mais azeitada e uma ação efetiva do poder público de modo a regular e praticar os incentivos corretos.
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