14/06/2022
Embora não haja um consenso sobre a dinâmica desse gás na atmosfera, a pesquisa tem avançado para mitigar seus efeitos
Henrique Dau, assistente de pesquisa do Insper Agro Global
Camila Dias de Sá, pesquisadora do Insper Agro Global
A elevação da temperatura do planeta causada pela emissão de gases de efeito estufa (GEEs) desencadeia uma série de desequilíbrios climáticos e biológicos, que afetam tanto a segurança alimentar como a segurança climática global. O Brasil é responsável por cerca de 3% das emissões totais, das quais 27% são provenientes da agropecuária. Desse volume, em torno de 70% é atribuído ao metano, um dos principais gases de efeito estufa.
No início de maio, ocorreu em São Paulo o Fórum Metano na Pecuária, que debateu o tema. O evento, promovido pela JBS, do setor de proteína animal, e pela Silvateam, que atua na produção de extratos vegetais, contou com a presença de vários especialistas, incluindo pesquisadores de diversas instituições e companhias, que trouxeram uma discussão sobre as implicações climáticas da atividade pecuária e como mitigá-las.
O professor e pesquisador Frank Mitloehner, da Universidade da Califórnia em Davis, criticou de maneira contundente a métrica-padrão mais utilizada para cálculo de carbono equivalente, a GWP100, ou Global Warming Potential 100. Essa métrica compara a capacidade de aquecimento global de uma tonelada de cada um dos gases causadores de efeito estufa com uma tonelada do CO2 em um período de 100 anos (ou qualquer outro intervalo de tempo escolhido).
Mitloehner argumenta que esse método ignora a diferença nos tempos de vida de cada gás: alguns, como o CO2, podem permanecer na atmosfera por milênios. Já o metano sofrerá uma reação química ao longo do tempo, sendo quase completamente destruído ao final de 12 anos. Isso significa que o metano emitido há alguns anos já está se “desfazendo” e, se as emissões de metano forem iguais ao volume que se desfaz, a contribuição desse gás para o aquecimento global será constante. Por esse motivo, Mitloehner propõe a métrica GWP*, que leva em consideração o tempo de vida de cada gás na atmosfera.
A título de comparação, a ilustração acima mostra os efeitos do dióxido de carbono e do metano sobre o aquecimento global segundo a métrica GWP*. Em um cenário com aumento de emissões, como o metano se decompõe a cada 12 anos, o efeito desse gás na atmosfera será sempre equivalente ao aquecimento nos 12 anos anteriores, somado a um aquecimento adicional proporcional ao aumento das emissões. Já o dióxido de carbono demora milhares de anos para se decompor, tendo impacto praticamente cumulativo no aquecimento global.
Em um cenário de queda de emissões, se o volume de metano emitido hoje for inferior ao volume decomposto emitido há 12 anos, haverá um decréscimo de metano na atmosfera, o que reduzirá seu impacto no aquecimento global. Já o dióxido de carbono, nesse cenário, por ser cumulativo, continuará a ser “estocado” na atmosfera, porém a um ritmo cada vez menor. Ainda assim, mesmo em um cenário de redução das emissões, contribuirá para o aquecimento global. Vale ressaltar que um consenso sobre a métrica GWP mais adequada ainda parece distante. Por isso, alguns pesquisadores usar defendem o uso de diferentes métricas conforme o contexto.
O alemão Peer Ederer, fundador da Goal Sciences (Global Observatory for Accurate Livestock Sciences), propôs uma tese instigante: segundo ele, o tempo necessário para que o metano seja destruído na atmosfera pode ser inferior a 100 dias; muito menos do que o consenso científico atual de 12 anos. Peer argumenta que o monóxido de carbono e o metano competem para reagir com uma terceira molécula presente na atmosfera: a hidroxila. Essas moléculas reagem mais facilmente com o monóxido de carbono, de forma que, quanto maior a concentração de monóxido de carbono, menor a probabilidade de reação com o metano. Segundo ele, sem a reação com as hidroxilas, o metano permanece na atmosfera, elevando seu tempo de vida para cerca de 12 anos.
Na prática, a tese de Peer propõe que o metano per se não é o vilão da história, pois, embora tenha um potencial de aquecimento global 28 vezes superior ao do CO2, se a “oferta” de monóxido de carbono na atmosfera não fosse tão elevada, o metano seria em menos de 100 dias destruído na reação com as hidroxilas. Ele reforça, portanto, a necessidade de combater as queimadas e a queima de combustíveis fósseis como principal forma de conter o aquecimento global. Ao final, Peer convocou pesquisadores do Brasil a avançarem conjuntamente na condução de pesquisas em solo nacional para aprimorar esse entendimento.
Mas, enquanto não há comprovação dessa dinâmica, que ainda carece de evidências científicas, Eduardo Assad, professor da FGV, faz um alerta: mesmo que as emissões provenientes do desmatamento sejam muito maiores do que as emissões da pecuária, isso não exime o setor da sua responsabilidade no tema, uma vez que a atividade no Brasil ainda aparece ligada de alguma forma ao desmatamento. Do ponto de vista do metano, Assad menciona alternativas de combate às emissões, como o uso de suplementos alimentares, uma vez que o metano é gerado no processo digestivo de fermentação entérica dos animais ruminantes.
O pesquisador Eduardo Marostegan, do Instituto de Zootecnia da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), mostrou estudos sobre dietas formuladas com óleos essenciais extraídos de plantas como orégano, canela e outras que possuem tanino, um conhecido inibidor do metano do rúmen bovino. Darren Henry, da Universidade da Georgia, apresentou os resultados de seus experimentos adicionando taninos à alimentação dos animais. Em experimentos com cabras, obteve-se redução de 57% nas emissões de metano. Em gado leiteiro, observou-se aumento na produtividade de leite como efeito colateral.
Segundo Marcelo Manella, diretor de nutrição animal da SilvaFeed Brasil, os taninos podem reduzir entre 6% e 30% as emissões dos ruminantes e ainda melhorar o ganho de peso. Finalmente, Maik Kindermann, o inventor do aditivo Bovaer, mostrou resultados animadores desse novo suplemento alimentar, a partir de mais de 50 experimentos feitos em campo em diversos cenários. O produto reduz as emissões de metano em cerca de 30% e pode ser complementado com óleos essenciais e/ou taninos para obtenção de resultado ainda mais satisfatório.
Por se tratar de um fórum com foco em metano, aspectos importantes relativos a possíveis trade-offs entre a mitigação de metano e emissão de óxido nitroso não foram abordados. No debate sobre como a agropecuária pode ser protagonista no combate ao aquecimento global, é necessário olhar para o quadro completo. Isso implica também aprofundar o entendimento sobre a dinâmica do metano na atmosfera no sentido de melhorar o conhecimento consolidado sobre seu real impacto no aquecimento global. Os cientistas brasileiros certamente estão abertos para cooperação nessa linha de pesquisa e também aptos a desempenhar o papel esperado em um país com potencial para liderar a produção e a exportação no setor de pecuária.
Enquanto a pesquisa avança para melhorar a compreensão do gás na atmosfera, os especialistas são unânimes sobre como deve ser a pecuária de baixa emissão de GEE: investimento em melhoramento genético e intensificação de pastagens, ampliação do processo de integração lavoura-pecuária, manipulação da fermentação entérica por meio do uso de suplementos alimentares e redução da idade de abate dos animais. Afinal, parafraseando a nutricionista, ativista e autora do livro Sacred Cow (Vaca Sagrada), Diana Rodgers, (o problema) “não é o bovino em si, mas como produzi-lo”.