27/10/2014
O governo Dilma II deverá ter uma relação comercial diferente com os países desenvolvidos, como EUA e União Europeia. Mas a crise internacional deverá ser um obstáculo a ser enfrentado
No minuto seguinte ao anúncio da primeira totalização parcial dos votos das eleições presidenciais, às 20 horas, feita pelo Tribunal Superior Eleitoral, a revista The Economist publicou no Twitter um gráfico com a situação da economia brasileira. Nele, o Brasil aparece com um crescimento moderado nos últimos quatro anos, atrás do desempenho da maior parte dos demais países emergentes. No texto, o site da publicação afirmava que “sob Dilma Rousseff, a economia brasileira estagnou. Ela promete reacender o crescimento, mas enfrentará um forte adversário”. Em outras palavras: o pior algoz da presidenta reeleita é a crise internacional.
Por sua vez, o jornal Financial Times seguiu na mesma linha, reafirmando que a disputa teve como tema principal a economia brasileira, que já teve o mais rápido crescimento entre os BRICS (grupo que inclui Rússia, Índia, China e África do Sul), mas vem em marcha lenta nos últimos anos, exibindo os piores resultados contabilizados desde o início de 1990. A conclusão das duas publicações britânicas é de que o maior desafio do governo Dilma II será equilibrar o País num cenário adverso: o mundo lá fora continua com baixo crescimento e com desemprego em alta, com um exército de 100 milhões de pessoas sem trabalho, nos países do chamado G-20, de acordo com a OIT.
O cenário internacional em 2015 será bem diferente do encontrado pela presidenta Dilma quando subiu a rampa do Palácio do Planalto, em 2011. Há quase quatro anos, embora os Estados Unidos ainda estivessem tentando se recuperar do colapso financeiro de 2008, o Brasil surfava a onda dos preços em alta das commodities. A China era um dos principais motores globais, com um crescimento anual de dois dígitos. Agora, é esperado um aumento da desaceleração da economia chinesa, que registrou expansão de “apenas” 7,3% no último trimestre.
A Argentina, o principal parceiro comercial brasileiro, passa por um período de dificuldades severas e neste ano reduziu em quase 25% a compra de produtos do Brasil. Para o ano que vem, a superoferta brasileira de minério de ferro e de soja devem contribuir para a queda de preços, por falta de mercado comprador. A expectativa é de uma redução nas cotações entre 10% e 30% no ano que vem. Para a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), as perdas somadas deste e do próximo ano devem chegar a US$ 23 bilhões. Mesmo com a abertura do mercado russo para a carne brasileira, após as sanções impostas a alguns países europeus, dificilmente o cenário internacional será alterado.
“Não vai dar para contar com a economia internacional para aquecer o ambiente interno, em 2015”, diz Ricardo Britto, professor de economia do Insper, escola de negócios. Na última rodada de projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) para as economias em 2015, o mundo deveria crescer 4% no próximo ano, segundo dados divulgados em julho, mas não deve mais passar de 3,8%, de acordo com o relatório de outubro. Estados Unidos e China mantiveram-se com 3,1 e 7,1%, respectivamente, mas a zona do euro perdeu 0,2 ponto percentual, caindo para 1,8%. O Brasil, que na rodada anterior tinha uma projeção de 2%, amargou um recuo para 1,4%.
“A economia global se depara com os legados da crise financeira que estão se provando mais difíceis de resolver do que se imaginava anteriormente, com elevado desemprego e endividamento público e privado”, escreveram os economistas Thomas Pires e Fabiana D’Atri, em relatório do Bradesco. No seu primeiro mandato, Dilma seguiu a mesma política comercial iniciada pelo presidente Lula: manter uma relação comercial mais próxima com os países do Sul em detrimento de acordos com os desenvolvidos. Embora as chances de o Brasil fechar algum acordo bilateral no próximo ano sejam reduzidas, os EUA aparecem como o melhor caminho a ser explorado pelo novo governo.
O Brasil pode se beneficiar do fim da disputa comercial sobre os subsídios americanos aos produtores de algodão. No início de outubro, os EUA reconheceram o Brasil como vitorioso numa disputa que durava 12 anos. O fim dessa briga comercial também encerra uma relação conflituosa que teve como ponto alto a espionagem do governo Barack Obama sobre o Planalto. Sem esses entraves pelo caminho, os dois países podem retomar uma agenda comum já no próximo ano. O maior desafio de Dilma é reconquistar a confiança do investidor estrangeiro e do setor privado, que ficou abalada nos últimos anos.
Desde a revisão dos contratos do setor de energia elétrica, em 2012, espalhou-se nos mercados internacionais o temor da insegurança jurídica sobre todos os acordos assinados pelo governo federal. Os leilões de rodovias e aeroportos tiveram de ser adiados algumas vezes para passar por revisões na remuneração e conseguir atrair grupos interessados. É esperado que a presidenta tente uma reaproximação com o mercado financeiro. Nas últimas semanas, de maneira tímida, alguns gestores de bancos de investimentos comentavam que receberam informações de que ela estava em busca desse voto de confiança.
Fonte: Isto É Dinheiro – 27/10/2014