06/06/2022
A tecnologia em torno do mundo virtual paralelo tem atraído investimentos bilionários, mas há dúvidas sobre algumas de suas implicações na vida das pessoas
O metaverso — o mundo virtual onde as pessoas podem viver, trabalhar e se divertir por meio de uma representação digital de si mesmas, ou avatar — virou uma das palavras da moda em tecnologia desde que o empresário americano Mark Zuckerberg anunciou, em outubro de 2021, que a companhia que controla o Facebook (e também o Instagram e o WhatsApp) investiria fortemente no metaverso e passaria a se chamar Meta.
Para impulsionar a nova aposta, a Meta gastou, somente no ano passado, mais de 10 bilhões de dólares com a Reality Labs, empresa que produz hardware e software de realidade virtual e realidade aumentada, incluindo óculos de realidade virtual e plataformas de metaverso, como a Horizon Worlds.
A Meta não está sozinha nesse negócio. De acordo com uma estimativa da Emergen Research, uma empresa de pesquisa canadense, até 2028, o mercado de metaverso deverá movimentar algo em torno de 830 bilhões de dólares no mundo, quase 17 vezes o valor de 2020. Microsoft, Coca-Cola e Nike são algumas gigantes que anunciaram planos de investimento em metaverso.
Até 2030, segundo uma previsão do inventor americano Raymond Kurzweil, pioneiro no desenvolvimento de diversos avanços tecnológicos e diretor de engenharia da Google, vamos passar mais tempo no metaverso do que na “vida real”. Esse mundo virtual ainda está em construção e há muitas dúvidas sobre seu impacto e suas implicações na vida das pessoas. Por exemplo, o que acontece se alguém cometer um crime dentro do metaverso? Crimes como assédio moral ou sexual, roubo ou até mesmo assassinato?
Não é uma hipótese distante da realidade. A inglesa Nina Jane Patel, uma psicoterapeuta de 43 anos que realiza pesquisas sobre o metaverso, afirmou no fim do ano passado ter vivido “um pesadelo” ao experimentar, como beta tester (pessoa que testa um produto antes de seu lançamento oficial no mercado), a plataforma de realidade virtual Horizon Worlds, da Meta. Ela contou que o avatar que a representa (uma loira de cabelos compridos, como ela na vida real) foi acuado e apalpado por um grupo de avatares masculinos.
“Em 60 segundos depois de entrar na Horizon, fui agredida verbalmente e sexualmente. Três ou quatro avatares masculinos, com vozes masculinas, essencialmente estupraram meu avatar e tiraram fotos. Enquanto eu tentava fugir, eles gritavam: ‘Não finja que você não gostou’”, relatou Nina em um post publicado na plataforma Medium.com.
Nina entrou na plataforma da Meta porque queria entender mais sobre o metaverso. Ela investiga o impacto psicológico e fisiológico da tecnologia em crianças e adolescentes. “A realidade virtual foi essencialmente projetada para que a mente e o corpo não possam diferenciar as experiências virtuais/digitais das reais”, escreveu ela no post. “De alguma forma, minha resposta fisiológica e psicológica foi como se tivesse acontecido na realidade.”
O caso de Nina foi amplamente divulgado em veículos de imprensa ao redor do mundo. Em uma entrevista ao jornal New York Post, em fevereiro, ela deu mais detalhes sobre o “estupro coletivo” sofrido por seu avatar. “Uma experiência horrível que aconteceu tão rápido e antes que eu pudesse pensar em colocar a barreira de segurança”, disse ela, referindo-se a um recurso de segurança da Meta que permite aos usuários bloquear a interação com outros usuários indesejados.
“O assédio no metaversos é uma questão séria e a indústria precisa se unir para implementar os controles e as medidas de segurança corretos”, afirmou Nina, que é cofundadora da Kabuni, um metaverso educacional voltado para crianças e adolescentes e que contará com recursos para os pais controlarem o acesso dos filhos ao mundo virtual paralelo. Nina defende a regulação do metaverso “com base em pesquisas sólidas, ciência, dados e metodologias baseadas em evidências”.
O caso de Nina não é isolado. Durante o recente Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, o ministro de inteligência artificial dos Emirados Árabes Unidos, Omar Sultan Al Olama, citou o problema ao defender a necessidade de criar leis para evitar que pessoas cometam crimes no metaverso, incluindo “assassinatos” (eliminação de avatares). Segundo Al Olama, a natureza realista do metaverso pode permitir que as pessoas sejam aterrorizadas de maneiras que não são possíveis atualmente.
Al Olama pediu que a União Internacional de Telecomunicações, agência da ONU especializada em tecnologias de informação e comunicação, lidere as conversações para o estabelecimento de padrões internacionais de segurança no metaverso similares ao que existe na internet, onde é proibida a promoção de atividades ilícitas como tráfico de drogas e pornografia infantil.
Presente no mesmo painel do Fórum Econômico Mundial, Chris Cox, diretor de produtos da Meta, concordou que o mundo precisa criar padrões internacionais para o metaverso. “Provavelmente, haverá algo como um sistema de classificação, como temos para os filmes, para a música e para outros tipos de conteúdo, de modo que um pai ou um jovem possa ter alguma noção de quais são as regras no ambiente em que vão entrar”, disse o executivo.
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